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Resumo
A Baía de Guanabara concentra aproximadamente 70% das indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Os resíduos produzidos por essas fontes, somados à carga de esgoto doméstico, transformaram a região em umas das áreas mais poluídas da costa Brasileira. O presente estudo realizou a avaliação do risco ecológico dos metais em sedimentos da Baía de Guanabara, por meio de um método escalonado utilizando múltiplas linhas de evidência: caracterização do sedimento quanto à sedimentologia e concentração de metais, comparação das concentrações ambientais com guias de qualidade de sedimento, ensaios de toxicidade crônica utilizando os organismos Anomalocardia brasiliana e Nitocra sp., ensaios de toxicidade aguda utilizando os organismos Tiburonella viscana, Kalliapseudes schubartii, e Anomalocardia brasiliana. Para comprovar existência de relação causa e efeito entre os metais e a toxicidade, foram empregadas a técnica do TIE, análises multivariadas (PCA) e matrizes qualitativas. Os sedimentos mostraram níveis altos a moderados de metais (Zn, Pb, Cu, Cr) associados com a toxicidade. O TIE revelou que, além dos metais, amônia e compostos orgânicos são contaminantes presentes na região que tem a capacidade de causar toxicidade. Desse modo constatou-se que os metais constituem uma importante classe de contaminantes para a Baía de Guanabara, os quais, além de estarem presentes em altas concentrações, interagem com outros contaminantes e são também (co)responsáveis por efeitos biológicos negativos.[/vc_column_text][vc_column_text]
Introdução
Os ambientes costeiros estão entre as regiões de maior biodiversidade dos oceanos e abrigam a maior parte dos recursos vivos marinhos do mundo, principalmente em alguns ecossistemas específicos, como manguezais, costões rochosos e recifes de corais (CLARK et al., 1998). Por esses e outros motivos, a zona costeira brasileira é considerada patrimônio nacional, devido a sua relevância ambiental, econômica e social (BRASIL, 1988). Dentre as regiões costeiras, os estuários são ambientes complexos, dinâmicos e únicos devido à forte influência que sofrem das marés e pela grande variação de salinidade, visto que são consideradas zonas de transição entre os ambientes de água doce e de água salgada. Nesses ambientes a salinidade pode variar de 0 até mais de 35 devido às descargas fluviais, amplitude de maré e evaporação (CLARK et al., 1998; CHAPMAN & WANG, 2001). Em geral, os estuários são biologicamente mais produtivos que os oceanos e rios, e sua circulação e hidrodinâmica potencializam a retenção de matéria orgânica, nutrientes e algas, tanto no sedimento quanto na coluna d’água. Assim, ambientes estuarinos constituem zonas de alimentação, proteção e reprodução para um grande número de espécies, tanto marinhas quanto dulcícolas (CHAPMAN & WANG, 2001; MIRANDA et al., 2002; McLUSKY & ELLIOTT, 2004).
Apesar de sua notável importância, as regiões estuarinas, principalmente aquelas próximas a centros urbanos, estão incluídas entre os ecossistemas mais degradados e/ou ameaçados pela ação humana. Isto pode ser visto na Baía de Guanabara, um estuário com 91 rios e canais, rodeados pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que abarca os municípios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, São Gonçalo, Niterói e outras cidades menores. A baía recebe uma quantidade considerável de contaminantes oriundos de efluentes industriais, domésticos e da agricultura, além da contaminação proveniente das atividades portuárias, de modo que esta tem sido considerada uma das áreas mais poluídas da costa brasileira (NETO et al., 2005; 2006). Como resultado dessa ocupação, diferentes classes de poluentes podem ser encontradas na Baía de Guanabara, e entre elas destacam-se os metais (NETO et al., 2005; MACHADO, et al., 2002). Tais contaminantes não são degradáveis e podem ser remobilizados e reciclados rapidamente dentro dos ciclos biogeoquímicos e, assim, permanecer no ambiente por longos períodos, que podem alcançar várias décadas. Quando se encontram em ambientes aquáticos, acabam geralmente depositados do sedimento, sendo que as concentrações nesses compartimentos podem exceder em ordens de magnitude as respectivas concentrações na coluna d’agua (TAM & WONG, 2000; SUTHERLAND, 2000).
A fração biodisponível dos metais no contexto geoquímico corresponde à fração móvel (não complexada) destes elementos; já no contexto biológico, corresponde à fração disponível para os organismos, que podem ou não condizer com as frações móveis de um dado composto (TESSIER & CAMPBELL, 1987), e estão intimamente relacionadas com os padrões de alimentação e fisiologia de um organismo. Já a concentração de metais no sedimento está diretamente relacionada com o tamanho do grão, ou seja, quanto menor a partícula de sedimento maior a capacidade de adsorção de metais, em virtude da maior área de superfície de contato. A biodisponibilidade é controlada principalmente pelo pH e potencial redox, e varia com a concentração de Fe, Mn, matéria orgânica e sulfetos, devido à sua afinidade com esses elementos, os quais possibilitam a formação de complexos de óxidos e hidróxido, consequentemente reduzindo sua biodisponibilidade (CHAKRABORTY et al., 2015). Os metais são absorvidos através da membrana celular, processo que pode envolver uma variedade de mecanismos, destacando-se as proteínas que regulam a entrada de metais essenciais, que podem não ser tão seletivas (BALLATORI, 2002). Como exemplo, temos a proteína de membrana DCT1, uma proteína altamente conservativa, sendo encontrada desde fungos até seres humanos (ZHOU & GITSCHIER, 1997). Segundo Zhou & Gitschier (1997), tal proteína é responsável pelo principal mecanismo de absorção de Fe2+, sendo ainda extremamente eficiente no transporte de outros cátions divalentes (Zn, Mn, Cd, Cu, Ni e Pb).
Além deste mecanismo, alguns metais ainda têm a capacidade de atravessar a membrana plasmática na forma de complexos que mimetizam moléculas endógenas. Tanto o fosfato quando o sulfato podem ser mimetizados por complexos metálicos/metais tais como arsenato, vanadato, cromato, selenato e o molibdato. Um terceiro mecanismo que merece ser mencionado é a entrada de alguns metais, tais como Cd+2 e Pb2+ por canais iônicos, presentes na membrana de órgãos como intestino, pele, brânquias, etc (CLARKSON, 1993).
Uma vez no organismo, os metais induzem a uma variedade de respostas podendo ser destacadas: interações diretas com os ácidos desoxirribonucleicos (DNA), como é o caso do Cr, que ao se ligar com o material genético forma o CrDNA danificando o material enético. Outros metais como níquel (Ni) e cádmio (Cd) podem danificar o DNA através da inativação de enzimas de reparação (PERMENTER et al., 2011); porém o mais conhecido grupo de enzimas afetadas envolve aquelas que integram o sistema antioxidante, e que são ativadas como resposta ao estresse oxidativo gerado pela exposição aos metais e outros xenobióticos; como exemplo podemos citar a superóxido dismutase, a catalase, as peroxidases e principalmente a glutationa, devido a presença de grupamentos tióis (- SH) em sua estrutura (CHANDRAN et al., 2005, DAZY et al., 2009). Ainda, alguns metais podem gerar e/ou se ligar a radicais livres tornando-os mais reativos, o que pode levar a danos nas membranas celulares e alterações no material genético (ALMEIDA et al., 2004). Segundo Ercal et al., (2001), grande parte dos metais considerados tóxicos, tais como Pb, Mg, Cd, é capaz de realizar ligações covalentes através de seus elétrons livres. Tais ligações normalmente ocorrem com os grupamentos tióis e macromoléculas. Dentre estas moléculas destaca se a Glutationa na forma eduzida (GSH), um tripeptídeo composto pelos aminoácidos ácido glutâmico, cisteína e glicina, sendo o grupo tiol da cisteína o sítio ativo para as atividades antioxidantes da molécula. A interação da GSH com metais está diretamente relacionada com as respostas tóxicas dos metais em organismos, visto que causa a inativação desta molécula e de outras moléculas antioxidantes que também possuam grupamentos sulfeto como sítio ativo (LAVRADAS et al., 2016).
Com o sistema antioxidante debilitado, o organismo se torna susceptível à ação das espécies reativas de oxigênio (ERO). Devido à presença de um elétron livre e desemparelhado na ultima camada de valências, as ERO são altamente reativas e oxidantes, podendo danificar biomoléculas como lipídios, proteínas e DNA (DI GIULIO & MEYER, 2008; HALLIWELL & GUTTERIDGE, 1999).
Tais efeitos são evidenciados principalmente quando existe uma exposição crônica. Uma vez que as células sofrem estresse oxidativo, ocorre um aumento da síntese de enzimas antioxidantes. Se essa condição de estresse continuar (cenário típico de uma exposição crônica) a síntese destas enzimas não consegue suprir sua demanda de modo eficiente, ocorrendo ssim a inativação deste mecanismo de defesa (SHAIKH et al., 1999). Além da elevada toxicidade os metais apresentam alta capacidade de bioacumular ao longo das cadeias tróficas (KEHRIG et al., 2011), como é o caso do mercúrio, que em sua forma orgânica, metilmercúrio (MeHg), é bioacumulado em até um milhão de vezes ao longo da cadeia trófica aquática, desde sua base (plâncton) até os organismos de topo (peixes predadores e mamíferos) principalmente pela via alimentar (BISINOTI & JARDIM, 2004). Segundo Rainbow (2002; 2007) a concentração de metais no corpo de invertebrados marinhos varia entre os metais e entre os táxons, visto que cada organismo tem seus padrões de acumulação e excreção específicos para cada metal. De modo geral, para os metais essenciais (utilizados no metabolismo celular), tais como Zn, Cu, Cd os organismos podem ser divididos basicamente em três grupos com base em seus padrões de bioacumulação: (1) reguladores, onde as taxas de entrada e de excreção de metais são mantidas iguais, sendo que quanto maior a concentração externa maior a taxa de entrada de metais no organismo, até ser atingido um limiar onde a taxa de entrada supera a taxa de excreção (saída), momento em que ocorre a toxicidade (ou seja, regulam a concentração interna de metais); (2) Acumuladores (mais comuns), como por exemplo os cirripédios (Cracas), que estocam Zn em grânulos sem excretá-los, elevando a concentração de Zn corporal porém sem a produção de efeitos tóxicos, pois estes grânulos são insolúveis e inertes. Neste caso, a toxicidade vai ocorrer quando a taxa de entrada for maior que a taxa de detoxificação (formação dos grânulos); (3) Acumuladores com alguma excreção, os anfípodos estão dentro deste grupo, pois acumulam Cu em grânulos insolúveis até certo ponto, e posteriormente passam a excretá-los por meio das fezes. Já para os metais não essenciais, tais como Pb e Hg, os invertebrados aquáticos apresentam dois padrões de bioacumulação: acumulam sem excretar, ou acumulam com alguma excreção. Independentemente da excreção ou não, diferentemente dos metais que possuem alguma função metabólica, estes elementos não essenciais devem ser rapidamente detoxificados e inativados para que não causem toxicidade aos organismos (RAINBOW, 2002).
Sendo assim, uma concentração que pode ser considerada alta (i.e. promove toxicidade) para uma espécie pode ser baixa para outra, e cada metal possui um padrão de cinética de acumulação diferente. Rainbow (2007) ainda afirma que independentemente da concentração de metal encontrada no organismo, o efeito tóxico só será notado quando a taxa de entrada de metal for maior que as taxas combinadas de detoxificação e excreção, ou seja, quando o metal acumulado ultrapassou o limiar para que ocorra toxicidade. Em virtude da grande preocupação em proteger/conservar os ambientes marinhos e costeiros, assim como seus bens de serviços, a ecotoxicologia aquática é uma das ciências que mais se desenvolveu nos últimos anos, pelo fato de detectar e quantificar os efeitos biológicos dos contaminantes, além de fornecer informações sobre a qualidade da água e dos sedimentos. Além disso, as informações geradas auxiliam na definição de áreas críticas e na avaliação de riscos ecológicos, sendo importantes para o monitoramento ambiental (ABESSA, 2002).
Nesse contexto, os efeitos analisados pelos testes de toxicidade podem ser letais ou subletais. Os efeitos letais, como o próprio nome sugere, correspondem à mortalidade de organismos, normalmente os testes que avaliam este tipo de efeito são os testes de toxicidade agudos, caracterizados por possuírem um curto período de tempo em relação ao tempo de vida do organismo teste (RAND & PETROCELLI, 1985; GHERARDI-GOLDSTEIN et al., 1990).
Já os efeitos subletais, são aqueles que não levam a morte do organismo diretamente, porém podem causar alterações no crescimento, reprodução, desenvolvimento, taxas metabólicas, etc. Se tais efeitos subletais forem prolongados podem levar à morte do organismo, e/ou a alterações ecológicas. Normalmente estes efeitos são avaliados por testes de toxicidade crônica, que se caracterizam por terem um período de tempo que pode abranger parte ou todo o ciclo de vida do organismo teste (em geral, superior a 72h para invertebrados) (RAND e PETROCELLI, 1985; COSTA et al, 2008). A avaliação de risco ecológico (em inglês – Environmental Risk Assessment, ERA), consiste em um processo que estuda a probabilidade de efeitos ecológicos adversos ocorrerem ou já estarem ocorrendo devido à exposição a um ou mais agentes estressores (USEPA, 1992). A compreensão e predição dessas possíveis relações entre os estressores e efeitos ambientais torna possível que os tomadores de decisão adotem ações efetivas visando uma real elhoria da qualidade ambiental (USEPA 1998).
O risco ambiental depende da natureza de cada estressor, e de sua interação com componentes específicos da biota e ecossistema, desse modo cada ERA deve ser conduzida seguindo-se um protocolo específico. Entretanto, três passos fundamentais devem constar em quaisquer ERA: (I) caracterização do efeito; (II) da exposição e; (III) avaliação da interação entre efeito e exposição (Campos et al., 2015). Esta relação de causa-efeito entre estressores e biota, compreende um passo fundamental para a gestão e preservação do meio ambiente, tornando-se um ponto crítico em qualquer avaliação de risco ecológico. Contudo, na maioria das vezes o estabelecimento dessas relações não é fácil, ainda mais se tratando de matrizes ambientais como os sedimentos, que são complexos e refletem características de múltiplos estressores. Para isto é necessária uma avaliação acurada do ecossistema e das matrizes ambientais que o compõe, identificando os principais estressores e suas origens, as vias de exposição, e outros atributos que possam influenciá-los, levando-se em conta não somente o presente, mas também condições pretéritas. Para tal, torna-se fundamental a utilização de múltiplas linhas de evidências, cada qual com suas limitações e qualidades, de modo que cada técnica utilizada forneça informações novas que poderão ser utilizadas no processo de tomada de decisão (BURTON & JOHNSTON, 2010).
Numa perspectiva de ERA os testes de toxicidade aguda e crônica destacamse como importantes linhas de evidências utilizadas para aracterização dos efeitos. A identificação de respostas de modelos biológicos (como organismos representativos do ecossistema e sensíveis à contaminação), através dos testes, integradas aos níveis de contaminação obtidos por quantificações químicas e que caracterizam a exposição, são componentes fundamentais para uma ERA. Além disso, respostas subletais como análises de biomarcadores, ou indicadores de comunidade como os índices ecológicos, análise de bioacumulação, e TIE (Avaliação e Identificação da Toxicidade – do inglês Toxicity Identification Evaluation) constituem linhas de evidência complementares (BURTON et al., 2002. CHAPMAN & HOLLERT, 2006).
A Avaliação e Identificação da Toxicidade, ou TIE, é uma abordagem capaz de demonstrar a relação de causa e efeito entre contaminantes e organismos, que se baseia em manipular as condições físico-químicas da amostra a fim de isolar ou mudar a concentração de diferentes grupos químicos que podem potencialmente estar causando a toxicidade, de modo a descobrir a contribuição de cada um deles na expressão dos efeitos tóxicos (USEPA, 2007).
A TIE pode ser dividida em três fases: caracterização (Fase I), identificação (Fase II) e confirmação (Fase III). Na Fase I, são realizadas manipulações, para remover grupos tóxicos ou aumentar a reatividade de algum grupo químico presente, as quais modificam o perfil de toxicidade da respectiva amostra. A fase II é a realizada com procedimento mais refinado para especificar a categoria dos poluentes potencialmente identificados na fase I. Na fase III são confirmadas as substâncias caracterizadas nas fases anteriores (USEPA, 2007).
Esta técnica tem se mostrado eficaz para efluentes, embora para sedimento integral existam ainda poucos estudos, os quais apresentam resultados promissores (ARAÚJO et al., 2013; CAMPOS, 2013), o que demonstra a necessidade de se refinar a técnica e incrementá-la, integrando com outras linhas de evidência já tradicionalmente utilizadas.
Conhecendo-se o histórico de contaminação por metais na Baía de Guanabara, e seus efeitos adversos ao ambiente marinho e estuarino, além da importância ecológica e capacidade dessas regiões estuarinas de reter contaminantes (CHAPMAN & WANG 2001), o presente trabalho assume como hipótese que os metais representam uma importante classe de contaminantes na região em questão, sendo um dos grupos químicos responsáveis pela deterioração da qualidade ambiental. Desse modo, este trabalho tem como principal objetivo avaliar o risco ecológico associado a metais no sedimento da Baía de Guanabara, por meio de um método escalonado baseado em múltiplas linhas de evidência.[/vc_column_text][vc_column_text]
Autor: Bruno Galvão de Campos.
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