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Perdas de Água e Preservação dos Mananciais

Estamos em 2018. Mas o último relatório disponível sobre perdas na distribuição de água, até a conclusão deste artigo, data de 2015 (o de 2016 estava em elaboração, segundo o site do SNIS, Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento).

Por Frinela Rezende

Para se ter uma ideia, o Amapá, à época do relatório, foi o campeão em perdas. 74,98 % da água coletada foi perdida na distribuição. Ou seja, três quartos da água que deveria chegar ao consumidor se esvaiu pelo caminho.perda-de-agua

O segundo lugar no pódio do desperdício foi para o Estado do Maranhão. 62,2 % da água coletada em 2015 foi perdida na distribuição. Entre as regiões Sul e Sudeste, o Rio de Janeiro é o Estado que apresenta a menor taxa de perda, 31,2 %. Mas o Rio não está bem na foto. No total, o Brasil perdeu 36,7 % da água coletada. Mas isso foi em 2015. E hoje ? Não temos certeza.

Mas sabemos que o mundo todo sofre do mal do desperdício por conta de falhas no processo de abastecimento de água. Por aqui, vazamentos são associados à falta de hidrômetros, erros de medição e ao velho e ruim jeitinho brasileiro: os gatos, ligações clandestinas e roubo de água, segundo relatório publicado pelo Trata Brasil, em 2014. Empiricamente, sabemos que muito pouco mudou de lá para cá.

Para comparar, Tóquio, no Japão, perde 2 % ( não, não é 20 % e não digitei errado, apenas 2 % ). O Japão todo não chega a 5 %… Ok, se alguém acha injusto comparar com um país que tem o tamanho de Mato Grosso do Sul… Os EUA perdem, em média, 13 %. Tudo bem, não vale comparar com o primeiro mundo. China, 22 %, Rússia, 23 %.

Enquanto isso… a capital paulista deixou de ver a água correndo nas torneiras inúmeras vezes em racionamentos frequentes, com o cenário mais alarmante entre 2014 e 2016. A capital federal passou por situação parecida em 2015 e 2016; e exatamente neste momento passa por mais uma crise hídrica.

Certamente todas essas perdas e os cenários de escassez de chuvas trazem vários impactos negativos. Ainda assim, surge a pergunta: como o país que detém praticamente 20 % da água doce disponível no mundo passa por cenários de sede ? Os dados acima podem ajudar a responder, mas tem mais.

Já que está provado que a floresta é uma bomba d’água, ou protegemos e plantamos mais florestas ou não haverá nem lágrimas, pois estaremos desidratados, já que a ONU prevê que 2,7 bilhões de seres humanos ficarão sem (acesso direto) água potável até 2025 – e faltam apenas 8 anos para isso. Nos últimos 50 anos, a população mundial triplicou e o consumo de água aumentou seis vezes. Atualmente, um bilhão de seres humanos já sofre com esse problema e, aqui, 34 milhões de brasileiros já estão sem acesso à água potável.perda-de-agua-2

Hoje, com os mananciais que abastecem os grandes centros colapsados, agências estaduais de abastecimento buscam alternativas em outras fontes. Mas nem sempre buscar água em outros municípios é a melhor solução. Há que se lembrar que as alternativas para as capitais são as únicas opções para quem está no interior. E no médio / longo prazo, a tendência é que essas fontes também se esgotem. Ou seja, se nenhuma ação de controle e conservação das fontes for feita, e não tivermos uma ação mais responsável diante do uso da água, a caixa d’água colapsará para toda a cadeia.

O mais interessante é que as áreas alternativas, longe dos centros urbanos, estão justamente em áreas que têm floresta protegida. Mas, enquanto isso e mesmo assim, as florestas produtoras de água, como a Amazônica e a própria Mata Atlântica, continuam sob pressão de desmatamento. Já sabemos que nossa grande caixa d’água está sob risco. O que irá mudar o cenário ?

Esta história já foi contada, mas é sempre bom relembrar… ( interessante que ) em pleno século XIX, conta-se que há 173 anos, Dom Pedro II iniciou o primeiro projeto de replantio do país ( ! ), justamente porque o Rio de Janeiro estava com sede. É, não aprendemos nada mesmo. Não apenas o Brasil continua desmatando como os projetos de restauração e reflorestamento não conseguem ter implementação efetiva em larga escala. O Brasil até ratificou, em setembro de 2016, a contribuição do país para o Acordo de Paris, que prevê, até 2030, a restauração de 12 milhões de hectares. O foco do acordo é uma contribuição para a questão climática, mas esta solução pode contribuir fundamentalmente para a conservação de recursos hídricos. Estamos aguardando.

Sabemos, também, que a agricultura é o setor que mais consome água. Como será alimentar, então, 9 bilhões de pessoas até 2050 ? Como nosso país alimentará a população onde a produção de comida compete diretamente com a distribuição de água e, além de desperdício, tem déficit de área de proteção permanente ( APP ) e reserva legal ( RL ) ? Sendo esses dois modelos de proteção necessários para manter a água nessas terras, tornando-as produtivas.

Para piorar o cenário, mais um dado da ONU : países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, aumentarão seu uso de água em até 200 % em 25 anos. Ou seja, não adianta esperar ações de longo prazo do governo. 2030 chegará em 12 anos. Nosso problema é agora e mesmo os 12 milhões de hectares recuperados não eliminarão a perda de 36,7 % de água no abastecimento ( e nem os “gatos” ).

Ainda assim, mais do que nunca, a atuação empresarial deve direcionar ações de uso responsável da água, mas também orientar e avaliar sua dependência desse recurso. É premente que o setor produtivo atente para as fontes da água que consome, além de compreender os cenários futuros de disponibilidade. E isso não se resume às grandes empresas. Se teremos escassez galopante, como será “competir” por esse recurso com os milhares de cidadãos que não terão acesso à água, ou que já não têm ? Certamente a licença social para operar estará em jogo.

Se temos quase 20 % da água do planeta, a verdade é que não falta água no Brasil. Nós, como sociedade, é que não estamos sabendo usar. Precisamos parar de perder florestas, água e tempo.

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Frinela Rezende

Gerente de sustentabilidade da Votorantim e responsável pela gestão da maior reserva privada de Mata Atlântica do país, o Legado das Águas – Reserva Votorantim. Bióloga e Mestre em Ecologia e Recursos Naturais.

 

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