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Geração Termelétrica Consumindo Lama de Resíduo Sólido Urbano e Glicerol pelo Processo FGSIG/GT: Efeito da Concentração de Glicerol nas Eficiências do Processo

Resumo

O presente trabalho amplia os estudos teóricos de processos de geração de potência termelétrica consumindo lamas formadas por combustíveis sólidos e glicerol. Tal processo é conhecido como FGSIG/GT (Fuel Glycerol Slurry Integrated Gasifier/Gas Turbine). No presente caso, o combustível escolhido foi o resíduo sólido urbano (RSU). Isto se deve ao premente problema de descarte adequado desse resíduo gerado em cidades. Também se justifica a utilização da lama devido a dois fatos básicos. O primeiro devido à crescente disponibilidade de glicerol que é resíduo da produção de biodiesel. O segundo, deriva da possibilidade de alimentação de sólidos particulados fibrosos a vasos pressurizados. Assim, a lama pode ser bombeada para o interior desses sem a necessidade de aplicar alternativas complexas e de alto custo de capital e operação como sistemas de alimentação por meio de silos em série. A lama adentra o gaseificador pressurizado onde ar é injetado a alta pressão.

O gás produzido deve passar por sistemas de ciclones e filtros e resfriamento para adequar a concentração e tamanho máximo das partículas bem como a níveis aceitáveis de espécies alcalinas para a injeção em turbinas a gás comerciais. A redução da concentração de espécies alcalinas pode ser obtida através da condensação, onde o gás produzido é resfriado abaixo do ponto de orvalho desses compostos. As recuperações de energia de correntes do processo são feitas por meio de ciclos Rankine. A alternativa do FGSIG/GT estudada aqui não requer a secagem do RSU antes da gaseificação. Publicações anteriores mostraram que a adição de glicerol bruto junto a outros combustíveis sólidos proporciona um aumento considerável na eficiência do processo FGSIG/GT. Contudo, além do aumento esperado da eficiência com o aumento da concentração de glicerol, esse trabalho também fornece informação do efeito de diferentes concentrações dessa substância orgânica sobre a eficiência no processo todo. Isso permite primeiras informações para que, combinado com futuros estudos econômicos, tomar decisões sobre a proporção ideal de glicerol na lama com RSU visando a geração de potência.

Introdução

O crescimento populacional e sua concentração majoritariamente urbana combinado ao comportamento contemporâneo de consumo implicam em um grande desafio relacionado ao gerenciamento de resíduo sólido urbano (RSU). Diante disso, diversas localidades do Brasil e demais países apresentam condições inadequadas e insuficientes para lidar com a taxa de geração desses resíduos. Um dos métodos mais aplicados para o descarte desses resíduos é a construção de aterros sanitários. Entretanto, a necessidade de grandes áreas em localidades cada vez mais afastadas implicam em altos custos com transporte e mão de obra. A decomposição de RSU nesses aterros liberam consideráveis quantidades de gases, entre eles metano com efeito estufa muitas vezes maior que o dióxido de carbono.

Além disso, tais aterros oferecerem riscos de explosões e forte odor nas proximidades. A decomposição desses resíduos, combinada com água de precipitações que infiltram nos aterros, geram líquidos tóxicos que ao percolarem pelas camadas do subsolo atingem os lençóis freáticos contaminando-os com agentes biológicos (JACOBI; BESEN, 2011). Diante dos problemas acima descritos e a necessidade de fontes sustentáveis de energia, a utilização do RSU como combustível para geração de potência elétrica é uma tendência no mundo.

Essa técnica é conhecida internacionalmente como Waste to Energy (CHENG, 2010). No entanto, a combustão do RSU a céu aberto ou sem tratamento adequado de gases leva a formação de gases poluentes como óxidos de nitrogênio (NOx), óxidos de enxofre (SOx) entre outros (ROTH; AMBS, 2004) (JOHNKE, 1999) (SOUZA-SANTOS, 2010). Em contrapartida, processos integrados de gaseificação e turbina a gás, do inglês, Integrated Gasification/Gas Turbine (IG/GT), oferecem maiores eficiências (LARSON; WILLIAMS; LEAL, 2001)(CONSONNI; LARSON, 1996). Dependendo da tecnologia escolhida, tais processos envolvem temperaturas relativamente baixas com benefícios em custos de capital, operacional e manutenção. Entretanto, algumas limitações técnicas podem ser encontradas, como a granulometria máxima do combustível sólido a ser abastecido no gaseificador. Além disso, o gás combustível produzido deve obedecer a limites referentes à concentração e tamanho máximo de partículas, e ainda, o conteúdo de espécies químicas alcalinas presentes no gás também deve estar de acordo com os níveis aceitáveis para a injeção em turbinas a gás comerciais. (BREAULT, 2010; WOOLCOCK; BROWN, 2013). O abastecimento de partículas sólidas para dentro de vasos de pressão ainda é um grande desafio. A técnica comumente aplicada consiste em utilizar equipamentos do tipo lock hoppers. Esses equipamentos consistem em silos instalados em série ou cascata e têm como objetivo ampliar a pressão em estágios, até que seja possível a alimentação de partículas no reator (DAI; CUI; GRACE, 2012; VIMALCHAND; PENG; LIU, 2011).

Não obstante, a compressão de gases a serem injetados em tais silos implica na elevação da temperatura, podendo levar a pirólise ou até mesmo a ignição dentro de tais equipamentos. Diante adversidades, gases relativamente inertes como nitrogênio resfriado (o mais comumente utilizado) são comprimidos antes de injetá-los nos silos. Isso implica em aumentos de custos e diminuição de eficiências de tais processos de geração de potência elétrica. As dificuldades podem ser maiores para casos de biomassas que geralmente são fibrosas e tendem a se entrelaçarem, formando domos no interior dos silos. Tal efeito impede que as partículas caiam nas válvulas rotativas conectadas ao equipamento seguinte causando a interrupção do processo. (DAI; CUI; GRACE, 2012). O RSU consiste em diversos tipos de materiais incluindo uma importante fração de biomassas de diversas formas (restos de alimentos, madeira, papel) (GIDARAKOS; HAVAS; NTZAMILIS, 2006). Logo os problemas descritos acima são quase inevitáveis.

Adversidades referentes à alimentação de partículas em reatores pressurizados podem ser contornadas de maneira simples e financeiramente viável se o combustível sólido for misturado com água para formar uma lama, e assim bombeá-la para dentro dos reatores (ANTHONY, 1995). Todavia, gaseificações de tais lamas fornecem baixíssimas eficiências devido a necessidade de oxidar uma fração relativamente alta de combustível para fornecer energia para vaporização da água e ainda manter as reações endotérmicas de gaseificação. Isso decresce a fração de combustível alimentado disponível para produção de gases combustíveis (DE SOUZA-SANTOS, 2016). Condições plausíveis de operação com abastecimento por lama em gaseificadores são obtidas quando, em vez de água, hidrocarbonetos líquidos são utilizados. Outra alternativa é empregar oxigênio puro como agente de gaseificação (BREAULT, 2010). Contudo, na maioria das vezes, tais alternativas aumentariam o custo de investimento, operação e manutenção da unidade (ROTH; AMBS, 2004).

Com o recente crescimento da produção de biodiesel no Brasil, consideráveis volumes de glicerol bruto têm sido gerados anualmente. Referências reportam que apenas uma fração mínima dessa substância é utilizada, pois o refinamento de tal composto é economicamente inviável. Assim, o glicerol bruto possui baixo valor comercial (AYOUB; ABDULLAH; 2012) (QUISPE; CORONADO; CARVALHO JR, 2013) (LEONETI; ARAGÃO-LEONETI; DE OLIVEIRA, 2012). Outros estudos também indicam a possibilidade de utilizar o glicerol combinado com outros combustíveis para a produção de gás combustível. Dessa forma, a possibilidade de gaseificação de glicerol junto ao RSU ou outros combustíveis sólidos torna-se uma possível alternativa (WEI et al., 2011). Em 2012, a cidade de São Paulo coletou uma média diária de, aproximadamente, 12 mil toneladas de RSU. Isso representou cerca de 1,1 kg/habitante/dia (PGIRS, 2014). Adotando a mesma média per capita de RSU, cerca de 1100 toneladas de resíduos seriam coletadas diariamente (ou 12,7 kg/s) em uma cidade de um milhão de habitantes. Isso seria suficiente para gerar cerca de 55 MW por um processo convencional com eficiência de primeira lei em cerca de 30%. A capacidade da matriz de energia elétrica brasileira atualmente ultrapassa 165 GW e sua distribuição é mostrada na Tabela 1.

Embora o valor estimado para apenas uma unidade seja pequeno em relação à matriz de energia elétrica nacional, segundo o IBGE, mais de 45 milhões de habitantes vivem em cidades com mais de um milhão de habitantes (AGÊNCIA IBGE, 2017). Seguindo o mesmo raciocínio, isso implicaria na geração de potência em cerca de 2,5 GW, podendo poupar uma fração do uso de combustíveis fósseis, por exemplo. Para essa estimativa, foi utilizado o poder calorífico inferior do RSU igual a 14,408 MJ/kg como reporta o estudo realizado por Gidarakos, Havas e Ntzamilis (2006).

Neste mesmo cenário, a produção brasileira de biodiesel em 2016 foi maior que 3,8 milhões de metros cúbicos, gerando quase 342 mil metros cúbicos de glicerol bruto (ANP, 2017) que implica em uma taxa média de geração de glicerol bruto de aproximadamente 11,9 kg/s. Esse volume de glicerol bruto poderia ser distribuído entre algumas unidades de geração de potência elétrica em cidades populosas e próximas às usinas de produção de biodiesel. A combinação de glicerol bruto com os RSU coletados nessas cidades certamente aumentaria a potência elétrica gerada nessas unidades.

Autor: Bruno Fernando de Queiroz dos Santos.

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