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Sem oferta no leilão da Cedae, Zona Oeste do Rio sofre com a falta d’água

A Zona Oeste, que foi deixada de lado no leilão, tem muitos problemas ambientais.

O pedreiro desempregado Joel Ferreira, de 54 anos, abre o registro, liga a bomba e, mesmo assim, da bica do quintal, não sai uma gota de água. Todas as torneiras do imóvel estão secas desde a madrugada de segunda-feira, quando ele ouviu, pela última vez, barulho nos canos. É assim, ouvindo os canos, que Joel sabe se será mais um dia em que vai percorrer quilômetros até a casa da filha, onde buscará o líquido precioso para sobreviver e limpar a casa. A família mora no loteamento Jardim Maravilha, em Guaratiba. Lá, dias de abundância são aqueles em que fortes chuvas inundam as construções pobres, erguidas sobre uma rede de drenagem precária.

— Já ficamos 17 dias sem água. Quando é assim, tenho que buscar água num poço que construí num terreno da minha filha, no Caminho da Pedreira — conta.

O drama enfrentado por Joel, em um loteamento irregular em processo de legalização na prefeitura, não tem data para terminar. Na sexta-feira, em São Paulo, durante o leilão da Cedae, o chamado Bloco 3, que contemplaria 22 bairros da Zona Oeste (exceto Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá) com rede de água, não teve interessados. Nesses locais, o esgoto já foi privatizado em 2012, o que melhorou os indicadores sanitários, ainda longe de serem ideais. No lote, estavam ainda os municípios de Piraí, Rio Claro, Itaguaí, Paracambi, Seropédica e Pinheiral, que, além da água, teriam o esgoto tratado. O consórcio Aegea, único a fazer uma oferta, retirou a proposta.


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Investimentos

O bloco, que virou uma espécie de “patinho feio” da concessão, previa o menor lance mínimo (R$ 908,1 milhões), mas os concessionários teriam que investir maciçamente para retirar o atraso da localidade em relação a outras do estado. A Zona Oeste, que concentra mais de 25% da população carioca, tem uma densidade demográfica de 2.627 habitantes por quilômetro quadrado, o equivalente à metade da média do Rio (5.265,82). Dos mais de 200 rios da capital, a maioria fica na região e despeja esgoto sem tratamento que agrava a poluição da Baía de Sepetiba. A ação das milícias também prejudica a oferta de serviços públicos.

O mesmo vazio pode ser constatado na cidade de Itaguaí, que fica na vizinhança: com cerca de 30 mil habitantes (estimativa de 2020), o município tem 395,45 moradores por quilômetro quadrado. Em Seropédica, a densidade é ainda menor: 275,33 por quilômetro quadrado. Com área semelhante, São Gonçalo (que foi concessionada no Bloco 1), por exemplo, tem mais de 4 mil habitantes por quilômetro quadrado.

O governo do estado e o BNDES (que fez a modelagem da concessão) avaliam a possibilidade de se fazer um novo leilão, até o fim do ano, provavelmente com a inclusão de cidades que não participaram do pregão. De acordo com a Secretaria estadual da Casa Civil, a expectativa é de que o novo leilão possa ocorrer até o fim deste ano.

— O resultado do leilão (que registrou ágio de até 185%) mostra que há espaço para o lote ser relicitado com a inclusão de outros municípios. A Cedae opera em 64 cidades (água, esgoto ou ambos), mas apenas 35 participaram da concorrência. Passadas as eleições, vários prefeitos manifestaram interesse de aderir à licitação, mas não havia tempo. Com a participação de mais cinco, seis ou sete municípios, haverá escala para atrair investidores — acredita o economista Claudio Fristchak, presidente da Inter.B Consultoria.

Desde que a prefeitura fez a concessão do esgoto, há nove anos, a Zona Oeste registrou um salto no tratamento, que passou a chegar a 1.425.330 de pessoas em 2019, contra 875.866 em 2012, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Mas, embora a Cedae estime em 90% o fornecimento de água no estado, esse percentual não inclui áreas em processo de regularização, comunidades e loteamentos, muito comuns na região. O edital de concessão tinha como objetivo melhorias no abastecimento dessas áreas urbanizáveis.

— Na época em que a concessão foi realizada, o consenso, por questões técnicas, era de que seria melhor manter a concessão da água com a Cedae. Haveria uma dificuldade de quem vencesse a licitação de estabelecer parâmetros para medir a qualidade do abastecimento. Isso por conta do fato de a estação do Guandu ficar em outro município — diz o economista André Luiz Marques, que participou pela prefeitura da modelagem da concessão do esgoto da Zona Oeste.

Zero esgoto tratado

Além dos desafios da própria Zona Oeste, o Bloco 3 incluía seis cidades, das quais quatro não têm qualquer percentual de esgoto tratado: Itaguaí, Paracambi, Pinheiral e Rio Claro, segundo dados de 2019 para o Snis. Piraí trata só 8,54% do esgoto, e Seropédica, 3,71%.

Enquanto a nova licitação não sai do papel, moradores da Zona Oeste narram as dificuldades que enfrentam. A 2,5 quilômetros da casa de Joel, na Rua Mozolândia, os vizinhos recebem contas. A Rua Jurema Cabral, também em Guaratiba, é toda asfaltada e tem até hidrômetros. Mas, quando a água pinga na torneira, Carmen Lúcia Azevedo, de 60 anos, corre para estocá-la em galões, num cantinho de seu quintal. Para beber, o jeito é gastar dinheiro com água mineral:

— Dia sim, dia não, meu marido pede cinco galões, pois somos muitos: eu, ele, minha filha e meus dois netos. São pelo menos R$ 750 todo mês — conta Carmem, que mora há quase 30 anos no local. — Na época em que mudei para cá, a gente pegava água numa bica no início da rua. A bica não existe mais. São muitos anos em que a conta chega, e a água, não. No verão, precisamos acordar de madrugada para conseguir um pouquinho de água. Mal dormimos, e já acordamos, meia-noite, uma da manhã.

Em fevereiro, a conta de água veio zerada. Segundo Carmen, após um protesto contra a má prestação de serviços no início deste ano, em que os moradores atearam fogo em pneus na Estrada do Magarça, uma via larga que conecta o Jardim Maravilha ao centro de Campo Grande.

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