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Mesmo com maior obra de saneamento da história, Porto Alegre/RS trata menos esgoto do que em 2015; entenda

Imagem Ilustrativa

Apesar dos investimentos do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa), maior obra de saneamento da história de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) registrou queda nos indicadores de coleta e de tratamento de esgoto em 2016, 2017 e 2018.

Dmae apresenta cinco razões para o cenário visto nos últimos cinco anos na Capital

As últimas métricas disponíveis mostram que, em 2019 e 2020, a capital gaúcha registrou recuperação, contudo insuficiente para retomar o padrão de desempenho de 2015. As estruturas construídas pelo Pisa, investimento público de R$ 586,7 milhões, têm potencial para garantir o tratamento de 80% do esgoto gerado em Porto Alegre, mas isso depende de novas redes coletoras e da ligação das residências com esse sistema.

O recuo no volume consta nos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (Snis), do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), produzido a partir de registros dos operadores locais dos serviços.

Antes da inauguração das obras do Pisa, Porto Alegre tratava cerca de 25% do seu esgoto coletado. Os equipamentos foram entregues no início de 2014, sendo o principal deles a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Serraria. Os dois primeiros anos foram de crescimento exponencial: o esgoto tratado passou de 18,1 milhões de metros cúbicos, em 2013, para 66,3 milhões de metros cúbicos, em 2015. A destinação adequada dos detritos mais do que triplicou em dois anos. As intervenções de saneamento do Pisa foram celebradas como um marco para a Capital, e mostraram resultados rápidos no primeiro biênio.

O crescimento deveria ser progressivo e constante, até que no futuro se alcançasse o uso de toda a capacidade da ETE Serraria, mas não foi o que aconteceu a partir de 2016. Naquele ano, o esgoto tratado caiu de 66,3 milhões de metros cúbicos para 63,6 milhões de metros cúbicos. O volume de coleta de esgoto também encolheu sensivelmente.

A queda foi mais acentuada em 2018, quando 57 milhões de metros cúbicos tiveram o destino correto — quase 10 milhões de metros cúbicos a menos do que em 2015. Em termos percentuais, Porto Alegre tratou 79% do esgoto coletado em 2018, ante indicador de 85% em 2015.

No último ano com estatísticas, em 2020, a Capital tratou 61,2 milhões de metros cúbicos de esgoto, o que representa recuperação, mas ainda abaixo do volume de 66,3 milhões de metros cúbicos alcançado em 2015.


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Consequências para a cidade

Existem implicações objetivas diante da estagnação no serviço de esgoto: dejetos brutos deixam de ser coletados e acabam despejados no Guaíba, o cartão postal da cidade. Isso pode ser percebido nitidamente no trecho 2 da Orla, nos arredores do Anfiteatro Pôr do Sol, onde o desejo da prefeitura é viabilizar a construção de equipamentos de entretenimento e a instalação de uma marina pública.

Olhando do alto, seja por drone ou por satélite, é possível perceber que essa região do Guaíba tem a água manchada por duas línguas escuras. É esgoto bruto escoando. Uma das línguas fica na saída da casa de bombas de esgoto pluvial número 16. Por ali, deveria escorrer somente água da chuva, mas há muitas ligações antigas e irregulares de esgoto cloacal do Centro Histórico que caem diretamente no encanamento indevido, explica o Dmae.

Combater essa poluição demanda a correção das ligações dos imóveis, que precisam estar conectados com a rede de esgoto cloacal disponível para a região. A redução das línguas pretas, causadas pelo despejo de esgoto bruto, ainda dependeria de outras ações, como a construção de mais emissários que levem esgoto até a ETE Serraria, cuja capacidade de operação não está sendo usada na plenitude.

— Tem esgoto ali (na saída da casa de bombas), inegavelmente, mas a coloração diferente não é só por causa disso. Também escorrem ali as águas urbanas. Quando chove, acaba levando toda a sujeira que está no asfalto. Isso contribui — diz Alexandre Garcia, diretor-geral do Dmae.

A segunda língua de sujeira fica na mesma região: na foz do Arroio Dilúvio, que recebe cargas de esgoto não coletado de Porto Alegre e também de cidades da Região Metropolitana. Ao desaguar no Guaíba, os dejetos produzem a larga mancha escura, o que também é reforçado pelas características diferentes dos solos do Guaíba e do Dilúvio.

— A coleta de esgoto é uma tarefa contínua. Não adianta fazer uma obra como a ETE Serraria e, depois, não ampliar as ligações. Precisa ir na casa das pessoas, com processo educativo e até punitivo. Para a população de baixa renda, é preciso financiar a ligação. É triste dizer isso, mas ninguém quer fazer esse trabalho miúdo das ligações — avalia Francisco Milanez, diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

Na Semana Nacional do Meio Ambiente, lembrada sempre no início de junho, Milanez destaca que seguir avançando no tratamento de esgoto é fundamental para ampliar a balneabilidade das águas do Guaíba, o que reflete em mais lazer e melhor ambiente de negócios, e também para elevar a qualidade da água consumida, ponto relevante para a saúde pública.

Mais água produzida, menos esgoto tratado

Nos períodos de queda da coleta e do tratamento de esgoto (2016/2020), houve ao mesmo tempo elevação na quantidade de água produzida pelo Dmae e aumento no número de economias ativas. Em tese, isso aumentaria o volume de dejetos, já que o setor de saneamento estima que 80% da água produzida vira esgoto. O Dmae argumenta que sofreu problemas de perda de água tratada nos últimos anos — sobretudo vazamentos em

tubulações. Dessa forma, o aumento da produção de água, em parte, se esvaiu em vazamentos.

Em 2020, o departamento tratou 36,3% do esgoto gerado em relação ao total da água produzida, queda em relação aos 43,6% registrados em 2015.

A empresa pública, embora reconheça o uso do cálculo do esgoto gerado a partir da água produzida, avalia que estimar o volume de detritos com base na água consumida pela população é mais próximo da realidade, por desconsiderar as perdas. Por essa metodologia, o Dmae tratou 64,5% do esgoto gerado em Porto Alegre em 2015 e, em 2020, alcançou 65,3%, um cenário de estagnação.

O professor Antônio Benetti, especialista em saneamento do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do RS (UFRGS), avalia que as oscilações negativas foram comedidas.

— O ideal seria que a cobertura de coleta e tratamento de esgotos estivesse aumentando, mas não dá para concluir que está piorando. Por vezes, ocorrem problemas operacionais como bombas estragadas, falta de energia elétrica e manutenções em redes. Isso se reflete nos números — avalia Benetti.

Razões do cenário

A gestão do Dmae apresenta cinco razões para o fato de o esgoto tratado em Porto Alegre ter ficado, nos últimos cinco anos, abaixo do patamar alcançado em 2015. Confira abaixo os itens:

1- A capacidade da ETE Serraria não está sendo usada na sua plenitude

A direção do Dmae recebeu a reportagem de GZH na ETE Serraria, a maior de Porto Alegre, próximo do meio-dia de 20 de abril. Naquele horário, considerado de alta na chegada de detritos, o equipamento estava recebendo 1.592 litros por segundo de esgoto. A estrutura é capaz de suportar a média de 2,7 mil litros por segundo, com picos de até 4 mil litros por segundo. Ou seja, a capacidade da ETE Serraria não está sendo usada na sua plenitude.

— O sistema não está completo. A gente precisa de obras de infraestrutura para fazer chegar mais esgoto aqui. Isso é o que vai dar maior resultado. Temos a previsão de um emissário vindo da Restinga, que vai trazer mais esgoto de lá até a ETE Serraria — diz Alexandre Garcia, diretor-geral do Dmae.

2- Falta de manutenção e de pessoal no Dmae

O Dmae enfrentou problemas de falta de manutenção e carência de pessoal. Alguns equipamentos essenciais, como as Estações de Bombeamento de Esgoto (EBEs), chegaram a ter o funcionamento interrompido. A EBE é importante porque é ela quem empurra o esgoto em direção às ETEs quando não é mais possível fazer isso pela gravidade, com encanamento em posição de declive. Quando uma EBE para de funcionar, a alternativa é extravasar o esgoto bruto em arroios ou no Guaíba. Isso reduz o volume de tratamento de esgoto na ponta do sistema.

— O parque de máquinas estava defasado. Um dos exemplos que cito é a EBE da Tristeza (EBE 2S), que estava há três anos passando esgoto direto para o Guaíba porque ela tinha pego fogo e não havia sido feita a manutenção — comenta Garcia, que assumiu a direção-geral do departamento em janeiro de 2021.

A EBE 2S, após período de inoperância, voltou a funcionar. O Dmae ainda enfrentou dificuldade com um número elevado de aposentadorias de servidores do setor de manutenção.

— Isso nos impactou. O período de mais aposentadorias sem reposição foi agudo em 2017 — diz Joicineli Becker, diretora de Tratamento e Meio Ambiente do Dmae.

Contratos de manutenção e reforma, somando investimento de R$ 5 milhões, estão em vigor para qualificar o funcionamento das ETEs e EBEs.

3- Mudança de indicador

O Dmae argumenta que um terceiro fator que contribuiu para a queda do volume de esgoto tratado foi uma mudança de indicador: a partir de 2017, o departamento deixou de quantificar a água da chuva, que corre no esgoto pluvial, nos volumes de material coletado e tratado nas ETEs.

4- Falta de energia

A direção do Dmae relata que, nos últimos anos, sofreu frequentes quedas de energia elétrica. Todo o sistema de tratamento de esgoto de Porto Alegre funciona com o fornecimento da CEEE Equatorial. Se falta energia no bairro Serraria, a maior ETE da cidade para de operar. E, se a luz cai em uma região em que ficam localizadas as EBEs, como na Tristeza, no Cristal, no Menino Deus e nas imediações do Gasômetro, entre outras, os bombeamentos de esgoto deixam de acontecer, com o conteúdo tendo de ser extravasado no curso d’água.

5- Aumento populacional na Zona Sul

Um quinto elemento apontado pelo Dmae é o que foi chamado de migração da população de Porto Alegre para o extremo sul da cidade. Nesta região, que está recebendo mais moradores, ainda é preciso construir redes de ligação com as ETEs. Os condomínios licenciados na zona, em geral, têm de contar com estações próprias de tratamento de esgoto. Moradias menores, ao menos em parte, operam com fossas. Nos dois casos, são unidades de geração de esgoto que somem das estatísticas do Dmae.

Fonte: GHZ Porto Alegre

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