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Empresas públicas de saneamento podem se tornar competitivas?

Glauco

Leia o artigo anterior: “A Privatização do Saneamento no Brasil – uma visão alternativa”

Por Glauco Requião, advogado, consultor em sustentabilidade e CEO do Postura Sustentável.

Escrevi recentemente sobre a onda de privatizações no Brasil e a possibilidade do setor de saneamento enveredar por este caminho, porém questionei se não seria viável promover a modernização das empresas públicas de saneamento, tornando-as competitivas num eventual mercado de livre concorrência no setor, afinal não há porque simplesmente descartar empresas públicas lucrativas e bem administradas para auferir resultados pontuais e imediatos com suas vendas ao setor privado.

Mas para que isso possa realmente ocorrer alguns aspectos precisam ser discutidos e a legislação precisa ser modificada. Aliás seria uma excelente oportunidade neste momento em que se discute o novo marco regulatório do saneamento que fossem discutidas questões mais urgentes do que uma ação simples de promover a livre concorrência sem antes preparar adequadamente o setor. Afinal os índices de saneamento no Brasil não são satisfatórios e é exatamente nas regiões consideradas menos lucrativas que a situação não evolui e não tem perspectiva de evolução com a simples abertura do mercado.

Antes de tudo é necessário promover a reformulação do modelo regulatório, acabando com a possibilidade de regulação municipal e adequar as Agências Reguladoras Estaduais a um modelo que efetivamente atenda as necessidades do poder concedente dos serviços e da população usuária desses serviços. Note-se a complexidade de um modelo regulado que efetivamente funciona e produz resultados positivos como é o caso de Portugal, onde a Agência Reguladora do Setor de Água e Esgoto atua de forma técnica e independente.

Saneamento no Brasil

Uma regulação que pretenda modificar a estrutura do saneamento no Brasil precisa exercer um poder fiscalizatório eficaz sobre o cumprimento da legislação e a qualidade da água disponibilizada, assumindo papel determinante inclusive no tocante à racionalização dos recursos disponíveis e das áreas atendidas; realizar a apreciação até solução final das reclamações apresentadas pelos usuários dos sistemas, para avaliar a forma como estão sendo respondidas e tratadas pelas empresas de saneamento; atuar na formação e capacitação técnica das empresas do setor, além de regular o sistema tarifário assegurando a modicidade e o pleno atendimento, interferindo inclusive, quando necessário, no relacionamento entre concessionária e poder concedente no que diga respeito às condições de acesso a contratação dos serviços, medição, faturamento, pagamento e cobranças, resolução de conflitos e proteção ao usuário. Essas agências precisam ter total autonomia em relação aos governos e capacidade técnica indiscutível.

Após equacionada a questão regulatória, que assegura a justiça na competitividade entre as empresas acredito que devemos aprimorar ainda mais a legislação que regulamenta as empresas públicas do setor. Não há como se negar o avanço trazido pela lei nº 13.303/16, que dispôs sobre as alterações aos estatutos jurídicos das empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, flexibilizando muitos pontos críticos para a boa performance destas, porém há ainda muito mais a ser feito. Acredito ser possível formatar um modelo de empresa muito aproximado da gestão privada, bastando para isso incrementar a responsabilização dos gestores e a exigência de uma capacitação efetivamente condizente com as suas responsabilidades. Agilizar ainda mais os processos de contratação de bens e serviços, modernizar as relações de trabalho, exigindo-se performance e permitindo garantia ao trabalho daqueles que efetivamente produzem adequadamente, e ainda possibilitando parcerias nacionais e internacionais ágeis e duradouras.

Empresas Públicas

Não se pode perder empresas públicas que já se posicionaram destacadamente no mercado por legislações travadas e que as afastam de uma disputa num mercado aberto. A concorrência é muito salutar ao setor, desde que equacionados estes pequenos nós existentes hoje em dia. As parcerias público-privadas, onde a visão social aliada a toda a força e capacidade das empresas públicas fossem aproveitadas, cotejadas com a visão empresarial e organização do setor privado, somente traria benefícios a um setor que precisa de uma nova forma de gestão. A simples solução privatista, num ambiente totalmente desorganizado agravaria ainda mais a situação, fortalecendo alguns oásis de prosperidade e condenando outros ao ocaso.

Pequenos ajustes negociados amplamente com todo o setor, num processo transparente e democrático poderiam sim assegurar às empresas públicas de saneamento um espaço significativo em um mercado aberto, onde todos seriam beneficiados, afinal não se pode mais tolerar as constantes interferências políticas nas discussões sobre tarifa e prestação de serviços, que ora favorecem em muito as empresas públicas, ora são sua sentença de morte. O momento é de reflexão e ação concreta em prol do saneamento brasileiro, sem paixões ou preconceitos, mas com visão de que um futuro rumo à universalização dos sistemas exige ações inovadoras e eficazes.

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