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Privatização no saneamento: precisamos fazer certo

A revista Exame trouxe ontem a informação de que dois terços dos estados sinalizaram o interesse de incluirem suas empresas estaduais no programa de concessões à iniciativa privada, capitaneado pelo BNDES. Isso não é bom: é MARAVILHOSO! Sim, pois é vergonhoso o desempenho do Brasil no saneamento básico, e não há nenhum argumento favorável à sua manutenção nas mãos de empresas públicas estaduais que consiga explicar o fato de que, entra governo e sai governo (independente do partido), não conseguimos entregar, em pleno ano de 2016, um serviço digno (menos de 50% de esgoto coletado). Como contra fatos não há argumentos, precisamos, sim privatizar. Porém, as lições não só domésticas, mas de todo o mundo (que, na década de 1990, embarcou na “onda” das privatizações) são valiosas demais para serem deixadas de lado! O ideal é sempre aprender com o erro dos outros, mas temos que, no mínimo, aprendermos com os próprios erros.

Existem, basicamente, duas formas de licitação de uma concessão: aquela pelo menor custo do serviço ao usuário final e aquela pelo maior valor pago (à vista ou parcelado) pelo direito de exploração da concessão (máximo valor pelo “uso do bem público”, ou UBP). Enquanto no primeiro o consumidor absorve toda a eficiência da licitação, por meio de uma redução no valor do serviço prestado, no segundo quem se beneficia da eficiência é o governo, recebendo a diferença entre o valor fixo do serviço que constava no Edital e o valor “eficiente” da prestação pelo concessionário.

Ainda, outra diferença importante de ser citada refere-se aos tipos de projeto: greenfield (projetos novos) ou brownfield (empreendimentos já em operação).

O Programa Nacional de Desestatização – PND foi criado ainda na gestão Collor, por meio da lei 8.031/1990. Nesta época, assim como na continuação do programa durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o método mais utilizado era pelo maior valor pago à vista pela concessão, geralmente brownfield mas com necessidade de investimento complementar.

Em que pese, a partir do governo Lula (seguindo pelo período Dilma), tenha-se migrado para um modelo de menor custo do serviço prestado, ocasiões como a concessão dos aeroportos de Brasília, Guarulhos, Galeão, Belo Horizonte e Campinas – que levantaram cerca de R$45 bilhões, mostraram que as vantagens de se levantar altas somas à vista atraem diferentes partidos e ideologias. Afinal, o governo pode de uma só vez terceirizar a responsabilidade por novos investimentos estruturantes, garantir uma prestação adequada do serviço público à população, livrar-se ainda de eventuais dívidas associadas às empresas vendidas e levantar altas somas para investir em outros setores que não são atraentes à iniciativa privada ou, mesmo, em programas sociais.

Figura 1: Custo de serviços públicos e privados
Figura 1: Custo de serviços públicos e privados

Independente do modelo – se menor valor do serviço ou se maior valor pago pelo direito de exploração – é necessário entender algumas condições atreladas ao contrato de concessão:

A forma de indenização ao final da concessão (se houver);
Os riscos (de mercado, de preço do insumo, etc) atribuídos à concessão e aqueles passíveis de incorporação tarifária;
As regras da prestação do serviço, em termos de qualidade e desempenho;
A forma de definição da tarifa:
o Fixa, definida no momento do leilão; ou

o Calculada de forma discricionária pela agência reguladora ou pelo governo.

Sobre este último caso, é preciso entender:

A forma de reconhecimento do OPEX no processo de Revisão Tarifária; e
A forma de reconhecimento do CAPEX no processo de Revisão Tarifária.
Ainda, a definição de regras claras por parte de uma agência reguladora autônoma e independente é fundamental para a manutenção da segurança jurídica da concessão e de sua previsibilidade técnica, comercial e financeira.

É importante dizer que, com a desestatização, o governo enxuga a máquina pública – que pode se concentrar naquilo que, de fato, precisa fazer: criar um ambiente de negócios claro, dinâmico, que gere empregos, que aumente continuamente a produtividade do país, reduzindo custos e aumentando a competitividade nacional.

Além disso, a infraestrutura nas mãos das empresas privadas torna-se mais justa aos contribuintes, que deixam de pagar os impostos necessários à prestação “gratuita” daqueles serviços – já que o custo de operação passa a ser do consumidor, na proporção de seu uso daquele serviço. Ainda, podem ser previstos subsídios tarifários no momento da licitação que garantam aos consumidores menos favorecidos o acesso a uma tarifa menor, preservando a universalização do atendimento. Sendo previsto deste o início, este subsídio não afeta o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, já que o plano de negócios já considerará este trade-off em sua estrutura tarifária.

O problema nas concessões do saneamento é: dos pontos acima, quase nada está definido. Ops… Se eu não sei como será definida minha tarifa ao longo dos próximos 20 ou 30 anos, como é que o BNDES vai colocar um preço na concessão? E não importa se o modelo será pela maior outorga ou pela menor tarifa: sem uma metodologia de revisão tarifária clara, sem saber como será a indenização ao final da concessão e sem saber todos os demais pontos anteriores, a precificação das empresas torna-se um jogo de números aleatórios que não é bom nem para o investidor (que não terá base para reperfomar o cálculo) e nem para os estados (que não conseguirão obter a máxima eficiência do operador privado no momento da licitação). Vivemos este problema quando vendemos, no setor elétrico, empresas como a Light e a Escelsa antes da criação da ANEEL (portanto, sem nenhuma regra de revisão tarifária) – e deu um rolo danado! Não podemos repetir o erro.

Temos um dever de casa “normativo” antes de vendermos estas empresas, sabendo que ele será dificultado pelo fato da regulação do saneamento, no limite, ser municipal (e as empresas serem estaduais). É difícil, mas temos que seguir adiante: não podemos parar o processo de privatização, pelo bem do Brasil! Mas não podemos vender de qualquer jeito… também pelo bem do Brasil.

Autor: Diogo Mac Cord de Faria

A opinião apresentada é de responsabilidade do autor.

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