A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES realizou no dia 14 de dezembro de 2016, no Auditório do Conselho Regional de Química – CRQ, em São Paulo, o I Simpósio Nacional Regulação e Tarifas do Setor de Saneamento Ambiental. O encontro teve como objetivo, avaliar e debater as regras, orientações e medidas de controle introduzidas pelo novo marco regulatório.
Foram discutidos no Simpósio, questões como: os benefícios de um Setor regulado; como formular tarifas e estruturas tarifárias que permitam investimentos e equilíbrio econômico nas relações contratuais; as relações com o consumidor; e como a regulação pode ser adequada às diferentes realidades existentes nos municípios brasileiros.
Dividido em quatro painéis, a primeira edição do simpósio discutiu os temas: “Os Benefícios e Desafios de atuar Ambiente Regulado”; “Tarifas e Qualidade na Prestação dos Serviços”; “Estruturação Tarifária das Concessionárias de Saneamento e seus Aspectos Sociais”; e “Aspectos do Consumidor”.
José Bonifácio de Souza Amaral Filho, diretor da ABAR – Associação Brasileira das Agências Reguladoras, inaugurou o evento explicando que a questão da regulação ganhou relevância nas últimas duas décadas. Teve início nos Estados Unidos, originando um monopólio regular que atua sobre regras, visa o lucro e taxa de rentabilidade. Também destacou, o papel das agências reguladoras para viabilizar as políticas públicas em setores regulados.
“A regulação tem algo interessante, que é a convergência do econômico/financeiro, do jurídico e do técnico, isso é importante. E ter a noção, de que o regulador tem o papel de garantir padrões de qualidade para que o serviço seja prestado de maneira adequada e, que seus custos sejam os correspondentes que aquele determinado padrão de qualidade é exigido. E de outro lado, que o investidor receba remuneração pelos empréstimos, financiamentos contraídos para que possam ser pagos e também remunerar os acionistas sempre de maneira justa e correta. Portanto, ele tem restrições mas possui garantias. Ele tem restrições e não liberdade de fixar preço, gerir o negócio como ele quer, existem as regras que as agências reguladoras fiscalizam e editam permanentemente, por outro lado ele está numa situação de monopólio e possui algumas garantias. Bem gerido, haverá investidores interessados nesse setor”, afirmou.
Joaquim Poças, consultor especializado em Regulação do Setor de Saneamento na Europa, enfatizou que em Portugal a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) regula a qualidade da água nas torneiras, a qualidade de serviços de água, esgoto e lixo e as tarifas. Os indicadores de desempenho para a água e esgoto tiveram como base os da The International Water Association (IWA). A definição de indicadores de desempenho da ERSAR, o sistema de recolha de dados que utiliza e a sua divulgação pública, através da Internet, são seguramente aplicáveis em qualquer país do mundo.
“O problema da água não é somente técnico, é político também”, afirmou. Para o especialista, a Reestruturação requer uma decisão política envolvendo as esferas:
- Federal, municipal ou estadual
- Público/privada
- Universalização (favelas, zonas rurais)
- Financiamento (tarifas, transferências e taxas)
- Tarifas sociais
- Consumo mínimo
“O modelo de Reestruturação em Portugal é composto por dimensão, eficiência, infraestruturas e tarifas”, disse.
Fonte: Joaquim Poças Martins
Sobre a Regulação, Poças salientou que a mesma protege o consumidor, a entidade gestora e o meio ambiente. Citou como indicadores de desempenho: qualidade da água, padrões de descarga, qualidade de serviço e eficiência. Também ressaltou a importância na divulgação da informação, benchmarking e as tarifas.
José Sylvio Xavier – Superintendente de Custos e Tarifas da SABESP, iniciou o Painel II – Tarifas e Qualidade na Prestação de Serviços.
O especialista da Sabesp, discorreu sobre o tema “Dilemas Aparentes em Saneamento” demonstrando levantamentos estatísticos da Sabesp relativos ao nível de atendimento à população, investimentos em saneamento básico, fontes de financiamentos, produtividade e eficiência, tarifas, entre outros. No ranking das 10 maiores empresas mundiais no setor, a Sabesp aparece em primeiro lugar. A empresa participa em 91 índices de ações pelo mundo.
Ranking 10 Maiores do Mundo
Fonte: BLUEFIELD RESEARCH e BLOOMBERG
Em relação às fontes de financiamento, Xavier afirmou que se não fosse de capital aberto, metade dos investimentos não poderiam ter sido feitos pela empresa.
Fontes de Financiamento
Fonte: José Sylvio Xavier e Sabesp
“Não há conflito entre ter capital aberto e fazer política pública. O modelo é um eficiente meio para se atingir os nobres fins, gera contestabilidade e exige eficiência. O modelo permite acesso ao mercado de crédito”, disse.
José Sylvio Xavier finalizou comentando sobre o mito dos lucros e dividendos. Explicou que o lucro não é o que sobra para se gastar em coisas supérfluas, é a única forma de se investir de forma sustentável. O lucro vem das tarifas e da eficiência nos dispêndios. E que a “demonização” do lucro constrange o desenvolvimento do setor.
Hamilton Amadeo – CEO da AEGEA Saneamento, apresentou atividades da empresa e sua colaboração para a evolução do saneamento, através de temas como tarifa, saúde, serviços, gestão, meio ambiente e inclusão social.
O executivo da AEGEA, comentou o Programa Sanear Morena, realizado em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, pela Águas Guariroba – concessionária da Aegea Saneamento, onde foi executado o maior investimento em obras de esgoto da história da cidade, proporcionando uma redução de 91% nas hospitalizações, 65% das taxas de óbitos e 77% com despesas hospitalares. Nas duas primeiras etapas do programa, concluídas entre 2006 e 2013, o índice de acesso a tratamento esgoto foi ampliado de 29% para 73% da população. Já estão em andamento as obras do Sanear Morena 3, que irá universalizar o serviço de saneamento básico em toda a cidade até 2025, com investimentos que somam R$ 636 milhões.
Serviços de Saneamento Básico Promove Redução de Doenças Crônicas
Águas Guarariba (MS)
Fonte: AEGEA
Amadeo também falou sobre a Tarifa Social, que proporciona um desconto de 50% na tarifa de água e de esgoto, para possibilitar o acesso às famílias de baixa renda.
A Tarifa Social foi instituída pela Lei Municipal nº 3.928, de 26 de dezembro de 2001 e atende ao usuário que se enquadre nos seguintes critérios:
- Possuir renda familiar não superior a 1 (um) salário mínimo, a qual deverá ser comprovada mediante apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, Guia de Recolhimento para a Previdência Social ou outro documento equivalente
- Ser proprietário de um único imóvel destinado exclusivamente à sua moradia e de sua família, desde que isento do pagamento do IPTU nos termos da Lei Municipal n. 2.786/90, com as alterações da Lei n.2.950/93
- Ser consumidor monofásico de energia elétrica, cujo consumo não poderá ultrapassar 100 Kwh/mês
- Não consumir mais do que 20m³/mês de água
José Henrique Soares do Couto, Superintendente de Faturamento e Regulação da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) inaugurou o Painel III – Estruturação Tarifária das Concessionárias de Saneamento e seus Aspectos Sociais apresentando um “case” de Minas Gerais relativo à mudança da estrutura tarifária, seu planejamento, implantação e pontos de alerta.
A resolução da Arsae – MG (Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais) nº 82/2016 instituiu as Tarifas Fixa e Variável. A Tarifa Fixa é cobrada de todos os usuários e tem por objetivo cobrir os custos dos serviços disponibilizados. A Tarifa Variável é progressiva e varia de acordo com as faixas de consumo determinadas pela Arsae−MG.
O modelo inclui basicamente: Tarifa Fixa, que significa cobrir parte dos custos fixos; Tarifa Variável, que representa o consumo real das unidades e Tarifa Copasa, que é a soma da Tarifa Fixa mais Tarifa Variável.
O especialista da Copasa, apresentou como exemplo um condomínio com 30 apartamentos (economias residenciais) e consumo de 60 m³ (2 m³ por apto).
Consumo Mínimo X Tarifa FixaFonte: José Henrique Soares do Couto e COPASA
Rovena Maria Negreiros – Diretora do SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados apresentou o “case” de São Paulo – “Os aspectos sociais nas diferentes regiões do estado, a correlação PIB por região, diferenças entre RMSP, interior e litoral”.
A diretora explicou, que a Sabesp lida com fatores externos que aumentam a imprevisibilidade em relação ao futuro. Informações coletadas e tratadas pelo Seade podem subsidiar atividades de planejamento e monitoramento de ações da Sabesp, diminuindo a imprevisibilidade.
Exemplos:
- Elaboração de projeções populacionais e de demanda de serviços
- Identificação de renda domiciliar per capita para isenção de tarifas
- Realização de pesquisas personalizadas
“O Brasil tem a visão de São Paulo como um estado rico, assim como a Sabesp. Isso homogeneíza um padrão que o estado de São Paulo não possui. Ele é bastante heterogêneo. E mostrar isso, auxilia os tomadores de decisão, os que regulam esses padrões sociais e econômicos no sentido de que a tarifa possa replicar esse padrão heterogêneo”, disse Rovena.
Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS)
Samanta Souza, Gerente Comercial da Diretoria Metropolitana da SABESP iniciou o Painel IV – Aspectos do Consumidor. Ela discorreu sobre o tema “Comportamento de Consumo e a percepção de valor do serviço de saneamento da RMSP”. Neste ambiente, expôs sobre o sistema tarifário no saneamento e sua relação com o comportamento dos consumidores.
A gerente criticou o modelo de pagamento pré-pago pelo uso da água. Para ela, existe o risco de terminar quando o consumidor precisar, há uma insegurança. Também que o consumidor admite o pagamento pré-pago na telefonia por não ser um serviço essencial como a água. Destacou a necessidade de investir em marketing, já que esse mercado não investe na comunicação sobre os benefícios desse setor estar operando adequadamente, junto com o recurso imprescindível que é a água.
Comparativo de Participação do Orçamento Familiar
Fonte: Samanta Souza
Samanta Souza citou algumas práticas diferenciadas realizadas pelo mundo, como a ampliação de faixas de consumo, de acordo com o número de pessoas na residência em Barcelona, na Espanha. A utilização de hidrômetro pré-pago na África do Sul, exclusivo para moradores de baixa renda (polêmica do desabastecimento / novo apartheid), aumento de tarifas (gatilhos) acionado de acordo com o nível dos reservatórios já previsto na estrutura tarifária. E na Califórnia, Estados Unidos estímulo na aquisição de equipamentos economizadores.
Os desafios a superar:
- Categoria Residencial Normal: Alto nível de informação sobre o consumo de água com o pós-crise. Requisitos de exigência alto. Demandam estudos sobre a melhoria continua na qualidade de prestação de serviços
- Cliente Baixa Renda: Modelo de relacionamento deve ser sustentável. Acesso aos serviços e adimplência
- Comércio e Indústria: Atuação da concorrência com a perda de clientes pode desiquilibrar o subsidio
Carlos Thadeu Couceiro de Oliveira, representando a Aliança pela Água encerrou o evento. Para ele, as informações não foram precisas durante a escassez hídrica. E a sociedade não foi alertada devidamente sobre a real gravidade da crise. “A forte seca de 2014 trouxe à tona graves problemas de gestão da água e de falta de transparência. Esperamos que a aparente superação da crise não encerre o debate na sociedade. Mais do que marketing é necessário informação autêntica e transparente”.
O especialista explicou, que a estiagem 2014/2015 foi um momento agudo de uma crise crônica e estrutural resultante de uma combinação de fatores. Destacou como exemplo:
- Desarticulação de políticas públicas (saneamento, RHs, saúde, território) e entre níveis de governo
- Foco em novas fontes de água, baixa prioridade para reverter alto grau de degradação das existentes
- Falta de visão estratégica sobre a urgência e importância de políticas de adaptação climática
- Falta transparência, de participação e controle social
Carlos Thadeu concluiu o evento, ressaltando algumas posições defendidas pela Aliança:
- A Aliança não é, a priori, contrária ou a favor da privatização, de parcerias, de empresa ou órgãos estaduais ou municipais.
- Os imperativos são: participação social da população atendida nas decisões; controle social dos empreendimentos e investimentos; governança transparente, informação clara e plenamente disponível; universalização dos serviços com justiça social, econômica; integralidade e organicidade no planejamento de saneamento básico, recursos hídricos e meio ambiente; regulação forte, respeitando a ideia de descentralização
- A Aliança tem promovido com seus parceiros e membros iniciativas como a Roda de Conversa, e elaborando campanhas, pesquisas e documentos.
Gheorge Patrick Iwaki
Responsável Técnico