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Em oito questões, entenda a crise da água em São Paulo

Desde o dia 12 de julho a água que escorre pela torneira das cerca de 9 milhões de pessoas abastecidas pelo Sistema Cantareira na capital e Região Metropolitana de São Paulo é a do chamado volume morto – reserva represada abaixo do nível das comportas da Sabesp. Pelos cálculos mais pessimistas, todo o estoque do volume morto deve acabar em outubro. Até lá, o governo de São Paulo espera que as chuvas voltem a cair no manancial, normalizando os reservatórios. Desta forma, afirma a Sabesp, o abastecimento de água na Grande São Paulo estaria garantido até meados de março de 2015. Contar com a chuva, contudo, pode ser uma estratégia arriscada. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que medidas contra a crise deveriam ter sido tomadas enquanto havia maior volume de água disponível – e que a possibilidade de faltar água em São Paulo é real. A seguir, oito questões para entender por que a situação chegou a tal ponto.

Por que São Paulo vive hoje uma crise hídrica?

O período tradicionalmente chuvoso, que vai de outubro a março, foi caracterizado por uma estiagem atípica entre 2013 e 2014 em São Paulo. A crise hídrica, contudo, não pode ser atribuída apenas aos humores de São Pedro: já em 2004 constava no documento da renovação da outorga do sistema à Sabesp, entregue pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado, um alerta sobre a insuficiência do Cantareira, sobretudo diante da excessiva dependência do sistema. Os problemas deveriam ter sido sanados pela companhia. Um plano de estudos foi entregue dois anos depois ao DAEE pela Sabesp, mas não atendia completamente a requisição e um novo estudo ficou a cargo do Estado. Iniciado em 2008 e concluído em 2013, o Plano Diretor de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista aponta a necessidade de investimentos entre 4 bilhões e 10 bilhões de reais em novos reservatórios, meios de captação e transferência de água. Dessa lista, dois projetos a curto prazo atrasaram e só ficarão prontos em 2018 – caso do novo sistema produtor de águas São Lourenço.

O Sistema Cantareira conseguirá se recuperar?

Completamente, apenas a partir de 2016. O comitê anticrise que monitora a seca no sistema avalia que o manancial tem 25% de chance de se recuperar no próximo verão – o que significa repor o volume morto e elevar a capacidade a 37%. A meteorologista do Instituto Climatempo Bianca Lobo explica que se entre outubro deste ano e março de 2015 as chuvas caírem em índice considerado normal, o Sistema Cantareira pode até abrir o próximo outono com 39% de sua capacidade. Segundo ela, porém, o índice não serviria para garantir um inverno livre de preocupações em 2015. Ao longo do próximo ano o nível do Cantareira não deve ficar acima dos 39%, avalia. Somente a partir de janeiro de 2016 o sistema deve alcançar índices maiores – espera-se 58,4% em fevereiro. Para efetuar tais cálculos a meteorologista considera a média de chuvas esperada para São Paulo nos próximos meses, além do consumo médio de água no Estado. Leva-se em conta, ainda, que somente 30% da chuva prevista deve cair na região do Cantareira. Bianca salienta, contudo, que esses cálculos desconsideram a condição do solo seco, que funciona como uma esponja e retarda o abastecimento dos reservatórios. Ou seja, o cenário pode ser ainda mais preocupante para 2015.

O que é o volume morto?

Trata-se da reserva inativa do manancial, utilizada somente em situações de emergência. Esse volume está localizado abaixo dos níveis de captação. Para bombear a água foi necessária a implantação de dezessete bombas, ao custo de 80 milhões de reais. Em situação normal, a finalidade dessa parcela do manancial – de 400 bilhões de litros – é o acúmulo de sedimentos. Segundo o professor da Escola de Engenharia da USP em São Carlos João Luiz Boccia Brandão, a oxigenação da água nesse nível é muito baixa.

Essa água é boa para o consumo?

Desde que passe por tratamento especial, afirmam especialistas. “Há necessidade de reavaliação do tratamento e prováveis ajustes operacionais”, explica o professor de engenharia ambiental da Unesp de Rio Claro Rodrigo Moruzzi. Para a professora da USP Alexandra Suhogusoff seria temerário que a água não atendesse aos “padrões de potabilidade”. Moruzzi afirma que é preciso uma alteração na aplicação dos insumos – como cloro, sulfato de alumínio, entre outras substâncias aplicadas à água. Outra técnica de tratamento reforçado seria a dupla filtração dessa água. Já a Sabesp informa que segue realizando o tratamento convencional da água, sem alterações. E afirma: informações sobre a necessidade de tratamento especial dessa água são apenas ‘boatos’. No tratamento comum, a água passa por oito etapas: pré-cloração, pré-alcalinização, coagulação, floculação, decantação, filtração, cloração e fluoretação.

Até quando o Cantareira pode contar com o volume morto?

Se as projeções mais pessimistas confirmarem, o volume morto do manancial acaba entre outubro e novembro. Nesse período, a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) espera que as chuvas voltem a cair no manancial, normalizando os reservatórios. Desta forma, afirma a Sabesp, o abastecimento de água na Grande São Paulo estará garantido até meados de março de 2015. Não há, até aqui, um ‘Plano C’ da Sabesp caso as chuvas não venham.

Como estão os demais sistemas que abastecem o Estado?

O sistema Alto Tietê, que abastece cerca de 4 milhões de pessoas na Grande São Paulo, também apresenta baixo índice pluviométrico, queda no nível das represas e alto risco de esgotamento neste ano. A situação se agravou porque parte da água do manancial passou a abastecer o Cantareira. Além disso, bairros da Zona Leste da cidade de São Paulo, normalmente é atendidos pelo Cantareira, passaram a receber água do Alto Tietê no início de dezembro passado. O governo do Estado anunciou em julho que também vai utilizar 25 bilhões de litros do volume morto do Alto Tietê, o que deve garantir menos de um mês de sobrevida ao manancial. São Paulo conta ainda com outros quatro complexos: Guarapiranga, Rio Grande, Rio Claro e Alto Cotia. Juntos, respondem por 34,5% do abastecimento do Estado. O Alto Tietê representa 20,5% e o Cantareira, 45%. Alckmin tem buscado como opção para abastecer o Estado o remanejamento de água do rio Paraíba do Sul. A disputa acabou virando uma queda de braço entre os governo de São Paulo e Rio de Janeiro – e nada de significativo foi feito até aqui. O Paraíba do Sul é interestadual e fornece água para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e tem sua nascente no Estado de São Paulo, na Serra da Bocaina.

São Paulo corre o risco de ficar sem água?

Sim, avaliam os especialistas ouvidos pelo site de VEJA. A situação no Cantareira coloca em risco as demais bacias do Estado, que podem entrar em colapso dado o aumento da demanda – o sistema Alto Tietê, por exemplo, passará a contar em breve com água captada do volume morto. Além disso, as previsões para o próximo período chuvoso não podem assegurar que o volume de água será suficiente para aliviar os mananciais. “Alternativas deveriam ter sido implantadas quando a situação não era tão grave, a exemplo do racionamento”, avalia Moruzzi.

Há alternativas para sanar essa crise?

Segundo o professor Rodrigo Moruzzi, o racionamento deve ser levado em consideração pelo governo. “O controle da demanda ainda é uma alternativa para minimizar o declínio dos níveis reservados”, avalia. A longo prazo, uma medida já explorada com sucesso em outros países é o reuso da água. Atualmente, um projeto em parceria entre a Sabesp e a Odebretch Ambiental, o quapolo Ambiental S.A., visa a destinação de água de reúso para fins industriais, minimizando o desperdício de água potável. A construção de novos reservatórios, como o sistema produtor de água São Lourenço, que ficará pronto em 2018, também é opção a longo prazo.

 

Fonte e Agradecimentos: Andressa Lelli e Equipe (REVISTA VEJA)

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