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São Paulo sem água, parte 1: a culpa não é da Sabesp

“Alguém já parou para pensar que, se o Governo do Estado de São Paulo tivesse tratado seriamente as previsões de colapso do Sistema Cantareira feitas desde 2001, talvez não estivéssemos vivendo o dilema de submeter 6,5 milhões de pessoas a um racionamento de água?”

A frase acima é de 2004. É resultado de uma busca na internet. Escrevi “Cantareira” e “2004”. Porque escolhi esse ano? Só pra ver onde estávamos há dez anos. Estávamos mal. Agora estamos pior. A cidade cresceu. Nosso governo continua pequeno.

São Paulo vive a pior crise de abastecimento de sua história. Não é obra da natureza. A demanda de água do estado cresceu muito. Pouquíssimo foi feito para nos preparar, seja em termos de captação e gestão da água, seja em termos de legislação e educação dos paulistas.

O foco das críticas tem sido a Sabesp. O foco está errado. A Sabesp é uma empresa de capital misto, controlada pelo governo do estado de São Paulo, que controla 51%. O estado poderia usar seu poder na empresa para beneficiar a população. É o caso da Petrobras: o governo federal decidiu segurar o preço da gasolina, para segurar a inflação, e conseguiu (gerando prejuízos para a empresa e seus acionistas, e levando pau de todo lado).

Em São Paulo, a Sabesp foi focada no lucro. Bem, está funcionando. Vem tendo uma belíssima margem de lucro. Em 2013, foi R$ 1,92 bilhão, sobre uma receita de R$ 11,31 bilhões. Diversos especialistas dizem que o racionamento deveria ter começado em dezembro. Ora, o negócio da Sabesp é vender água – porque a gente iria esperar que eles propusessem vender menos água? Esse tipo de decisão não cabe à empresa que presta serviços ao estado. Mesmo que esta empresa seja controlada pelo próprio estado. É uma decisão de governo, porque afeta diretamente toda a população, com repercussões dramáticas para a população e para a atividade econômica em geral.

Há muitos anos os experts em recursos hídricos alertam para o risco do estado ficar sem água. Nosso governo prefere ignorar. Alckmin continua fazendo que não é com ele. A eleição vem aí. Em vez de assumir sua responsabilidade e enfrentar o problema de frente, é mais fácil colocar a culpa pela seca em São Pedro e torcer para os eleitores caírem. Aqui no R7, a cobertura é cotidiana, e já merece página dedicada somente ao tema.

Não chegamos ainda no fundo do poço. Porque a previsão para a próxima estação de chuvas é de pouca chuva. Essa reportagem do Climatempo é bem esclarecedora. A média de chuvas entre período e março no sistema Cantareira é de 1.250 milímetros. Isso faz com que de um ano para o outro, ele recupere uns 30% do seu volume total. Se nesse próximo verão acontecesse isso, íamos recuperar o tal volume morto, que é uns 18% do volume total, e mais 12%. Ou seja, São Paulo iria começar a estação de seca de 2015 com pouca água. Mas a previsão é que este ano o volume de chuvas ficará abaixo do normal. Nem os 30% vamos conseguir repor. A seca vai até 2016 – pelo menos.

 

Como chegamos nesse estado de coisas? Vai além do descaso administrativo e da estratégia eleitoreira.  Segundo reportagem na edição de ontem da Folha de S. Paulo,  o Tribunal de Contas do Estado considerou irregular a licitação de uma obra realizada pela Sabesp justamente para aumentar a capacidade do sistema Guarapiranga, terceiro maior fornecedor de água para a região metropolitana. A obra permitiria que a Guarapiranga passasse a fornecer água para moradores que hoje são abastecidos pela Cantareira. O conselheiro do Tribunal, Renato Martins Costa, afirma que a Sabesp fez tantas exigências restritivas, “que acabaram por contaminar a licitação.”

Por isso, das 62 empresas interessadas, só quatro entraram no pregão. A vencedora foi a empresa Centroprojekt do Brasil, filial de uma empresa da República Tcheca. O resultado saiu em julho de 2013.

A licitação promovida pela Sabesp, então, foi “contaminada”. A obra vai parar? Alguém será punido? Não, o parecer do TCE não barra a obra. Só multa os dois funcionários da Sabesp responsáveis pela licitação… em R$ 4028,00 cada um. É, multa total de oito mil reais e uns trocos.

Se a licitação foi contaminada, quem pode parar tudo e investigar? O controlador, o governo do estado. A Folha apurou que as membranas para filtrar a água e torna-la potável foram compradas no exterior e ainda nem foram entregues no Brasil, muito menos instaladas. Mas a Sabesp afirma que o trabalho será entregue até outubro…

Isso acontece no estado mais rico do país. Imagine se fosse nos estados mais pobres!  Bem, nem precisamos imaginar. Os estados mais pobres do Brasil vão de fato passar por seca muito pior, e ela vai vai durar décadas a fio. Está em todas as previsões dos climatologistas. O pior impacto do aquecimento global será no sertão nordestino, já tão castigado por pouca chuva e muito coronel.

Mas o Brasil todo será afetado. Segundo o instituto CPTEC/INPEC, nos próximos cem anos a temperatura média na Amazônica poderia subir oito graus centígrados, causando uma queda de 20% no volume de chuva. A Unicamp fez um estudo analisando o risco climático para cinco tipos de safra: café, arroz, feijão, milho e soja. No pior cenário, até o final do século 21 a produção total destas safras poderia cair em até 50%.

Desafios desta dimensão estão fora da alçada de empresas, seja a Sabesp ou qualquer outra. É coisa para política do mais alto nível, política com P maiúsculo. Tem que ser parte do pensamento estratégico do país. Você viu algum candidato a presidente tocando nesses assuntos? Claro que não. Pra que falar de problemas, ainda mais problemas seríssimos? Melhor povoar discursos e programas de TV com soluções mágicas.

Se tivéssemos agido 20 anos atrás, 10 anos atrás, seis meses atrás, São Paulo não estaria sem água. Agora, o racionamento já está acontecendo. Resta olhar para o presente, de olho no futuro, cobrar forte quem tem que ser cobrado, e botar a imaginação para funcionar.

Cem anos parecem muito. Impressão errada. Decidi escrever sobre esse assunto (e voltarei a ele) quando assisti uma reportagem sobre a Cantareira na companhia de uma senhora de 93 anos. O tempo passa rápido. Pena que o eleitor aprende tão devagar.

Fonte e Agradecimentos: http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2014/08/07/sao-paulo-sem-agua-parte-1-a-culpa-nao-e-da-sabesp/

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