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Barra RJ – O pódio do esgoto

Às vésperas do maior evento esportivo do planeta, a cidade do Rio revela despreparo físico para disputar o pódio até em competições de menor porte. Foi o que sentiram na pele os atletas que participaram, recentemente, da quarta etapa do campeonato mundial de surfe. As provas foram transferidas de São Conrado para a Barra da Tijuca por causa da poluição, mas nem isso salvou os surfistas de brigar por ondas manchadas pelos esgotos lançados in natura na praia.

“Reparei na poluição. Realmente, a água não tem a mesma beleza do Rio de Janeiro, mas temos que encarar da mesma forma”, disse o paulista Adriano de Souza, o Mineirinho, que manteve a liderança do ranking mundial apesar de não ter vencido a etapa carioca. “Surfaram na merda”, afirma o ambientalista Mário Moscatelli, que há vinte anos monitora a região com o projeto Olho Verde e não cansa de denunciar a degradação do complexo lagunar da região transformado em latrina por rios que viraram valões de lixo e esgoto.

A capital fluminense continua amargando a 56ª posição no ranking que avalia a situação do saneamento nas cem maiores metrópoles brasileiras. O estudo é feito a cada cinco anos pelo Instituto Trata Brasil. Os indicadores de 2009 a 2013 mostram que mais moradias da região foram conectadas às redes de esgoto. Há seis anos, 68,65% da população eram atendidos com coleta de esgoto. Em 2013, o percentual subiu para 80,95%.

A má notícia é que também houve queda no índice de tratamento dos dejetos – de 53% para 47%. O problema se agrava com as perdas no sistema de abastecimento de água. Vazamentos e ligações clandestinas provocam o desperdício de um litro para cada dois litros de água tratada.

“Saneamento básico não é coisa de pobre ou de rico. É uma utopia acreditar que bairros nobres ou condomínios de primeira classe são os primeiros a serem atendidos. Temos exemplos claros no Rio e até mesmo nos Jardins, em São Paulo, com residências sem coleta de esgotos ou esgoto sendo jogados na natureza sem tratamento”, diz o engenheiro Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil.

Pobres e ricos podem poluir igual, mas são atendidos por serviços desiguais. “As intervenções em saneamento no Rio de Janeiro reforçam uma situação de desigualdade no acesso aos serviços, privilegiando uma concepção de serviço como mercadoria e não como direito de cidadania”, afirma Ana Lúcia Britto, professora de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O perfil do morador da Barra da Tijuca, o mais sofisticado dos bairros da Zona Oeste do Rio, é emblemático das contradições da classe média alta brasileira. É gente que costuma bater panela contra a corrupção. Também torce o nariz para as políticas sociais do governo federal. Pior: paga R$ 9.928 pelo metro quadrado de um imóvel, de acordo com o Índice FIPE ZAP de Preços de Imóveis Anunciados, sem aparentemente se preocupar com o fato de que faz um grande investimento à custa do meio ambiente e da própria saúde.

Nos últimos sete anos, o imóvel na Barra da Tijuca se valorizou 167%. Custa hoje pouco menos do que os R$ 10.356 do metro quadrado dos Jardins, na capital paulista. Se há rede de esgoto na porta é problema que muitas vezes só é cobrado do poder público quando o esgoto já está sendo descartado de qualquer jeito.

“Todos os que não têm seu esgoto ligado à rede, e da rede ao emissário, contribuem com a degradação do sistema lagunar e das praias da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes. Mas o que degrada mesmo é a falta de política de habitação como políticas de estado. Isso gera a verdadeira Casa de Mãe Joana ambiental onde o que predomina é a prevaricação diante da ocupação desordenada”, diz o ambientalista Mário Moscatelli.

“A Prefeitura do Rio e o Governo do Estado anunciam investimentos de milhões de reais em programas de despoluição por conta dos Jogos Olímpicos, mas com uma caminhada dá para duvidar que algo está sendo feito quando se vê ligações diretas de casas e condomínios jorrando esgoto sem nenhum tratamento na lagoa”, afirma Félix Mello, morador há uma década de um dos prédios que forma o cinturão de edifícios em torno da Lagoa de Marapendi, uma das mais importantes do complexo lagunar da Barra.

“A água só não é mais suja e nem cheira mal como às vezes acontece na Zona Sul do Rio porque aqui na Barra é mar aberto, mas é cada vez mais comum estar imprópria para o banho por causa da poluição”, diz Viviane Salerno, que nos dias críticos evita levar os dois filhos pequenos à praia com medo que eles peguem alguma doença.

A Zona Oeste concentra quase metade da população do Rio. São mais de três milhões de pessoas espalhadas por 41 bairros. Entre 1991 e 2010 o número de moradores cresceu 44%, muito acima dos 15% do resto da cidade. A expansão divorciada das melhorias de infraestrutura se reflete em indicadores sociais e de qualidade de vida que assustam a quem escolheu o lugar para morar ou acabou expulso para a região pelo processo de gentrificação da Zona Sul.

O lado rico, representado pela Barra da Tijuca, se contrapõe a bolsões de pobreza como os conjuntos habitacionais Antares, em Santa Cruz, e Jardim Maravilha, em Guaratiba. Dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostravam que, entre os 109.258 domicílios sem rede de esgoto do município do Rio, 71% (77.564) ficavam na Zona Oeste. A região responde ainda por 57% das moradias da cidade sem rede de água.

A rede deficitária de saneamento básico explica taxas vergonhosas. De 2010 a 2013, a mortalidade infantil (óbitos de crianças menores de cinco anos por mil nascidos vivos) permaneceu estável. No intervalo de três anos, o total de registros se manteve em torno de 600 óbitos – o equivalente a 46% dos óbitos totais na cidade.

Apesar do quadro desolador, a região não foi incluída na Parceria Público-Privada que acaba de ser lançado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro para obras de mobilidade e saneamento. O Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC do Governo Federal, previa mais de R$ 1,4 bilhão para projetos de saneamento em todo o estado do Rio de Janeiro com benefício para 10 milhões de pessoas. Cinco projetos, que somavam mais de R$ 1 bilhão, beneficiavam a Zona Oeste.

O relatório De Olho no PAC, do Instituto Trata Brasil, aponta que duas obras de esgotamento sanitário, com custo de mais de R$ 30 milhões, foram concluídas. A maior, também de esgotamento sanitário, orçada em R$ 642,7 milhões, está em ritmo normal. Já a da ampliação do sistema de abastecimento de água, com custo de R$ 215,4 milhões, não foi iniciada, e a da implantação do sistema de esgotamento sanitário da Bacia de Santa Cruz, orçada em R$ 280,7 milhões, está atrasada.

“Políticas habitacionais e de saneamento continuam uma miragem na cabeça dos políticos brasileiros, que vivem uma realidade alternativa bancada por uma política tributária colonial em que na hora de pagar o cidadão é sueco, mas na hora de receber é haitiano”, diz o ambientalista Mário Moscatelli.

 

Fonte: Carta Maior

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