Há dias em que é fácil perceber a mancha roxa se misturando às águas da Lagoa da Parangaba. Ela chega pela galeria pluvial que desemboca no local, aponta o retificador Lucas Melo, 29. Morador da região, ele conhece as condições do recurso. “Precisa de uma limpeza grande, porque vem água suja de todo canto”. Realidade por lá, a situação se repete em outros corpos hídricos da Capital por um problema comum: o despejo de água residual não tratada.
Somente neste ano, até março, 205 imóveis foram notificados pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) por terem ligações clandestinas ou não estarem interligados à rede pública de esgoto. No ano passado, foram mais de 820.
De imóveis com esse perfil, saem os resíduos que se somam à poluição atmosférica e ao lixo da rua, que, juntos, contribuem para a poluição de recursos hídricos. “(O esgoto clandestino) vem de todos os níveis (de imóveis), mas, basicamente, de pequenas residências de baixa renda, por onde a cobertura de esgoto já passou e as pessoas não fizeram a ligação”, explica a titular da Seuma, Águeda Muniz.
Atualmente, somente metade do território de Fortaleza é atendida pela rede de saneamento básico, aponta o coordenador do mestrado em Tecnologia em Gestão Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Adeildo Cabral. “Fortaleza tem uma boa situação de distribuição de água, mas tem apenas metade de esgotamento sanitário sendo recolhido adequadamente”. Como resultado, proprietários de imóveis – intencionalmente ou não – utilizam os corpos hídricos como destino para o esgoto.
Outra fonte poluidora, cita a secretária, são imóveis que possuem Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) que não funcionam adequadamente. No ano passado, afirma, das 428 ETEs cadastradas na Seuma, 198 foram vistoriadas, e todas apresentavam algum tipo de irregularidade, especialmente a ausência de licença de operação (160). Nos três primeiros meses de 2015, foram autuadas 16 estações das 53 vistoriadas. “Hoje, a gente vem buscando a qualidade do resíduo que sai do local”, diz Águeda. “A ETE vai tratar o resíduo para despejar uma água boa na drenagem, e a gente monitora essa saída. Esse é um dos grandes poluidores dos corpos hídricos da cidade”.
Culpas compartilhadas
Entre Prefeitura e população está dividida a conta pelo problema da poluição dos recursos hídricos, aponta Raimundo Bemvindo Gomes, professor do Departamento de Química e Meio Ambiente do campus Fortaleza do IFCE e responsável pelo laboratório de Limnologia e Microbiologia Ambiental (LMA-Lab).
“Ao órgão público, falta responsabilidade, porque os programas não têm consistência e ainda se acha que urbanizar é colocar um calçadão e algo que mude o cenário. Sustentabilidade, a qualidade da água, de conter a entrada de esgoto ou formar sistema de tratamento, não existe”, critica. Por parte da população, diz, falta consciência ambiental para não utilizar meios que colaborem com a poluição.
Todos os dias, saem da sede da Seuma equipes, em parceria com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), para fiscalizar residências – por meio de denúncia ou de ação de busca ativa – que estejam, possivelmente, poluindo um corpo hídrico. Águeda garante que não há nenhum tipo de obstáculo para a fiscalização.
O professor Adeildo, contudo, aponta uma falta de mão de obra da Prefeitura para realizar o trabalho com eficiência. “Não é fácil identificar os agentes poluidores que causam esses transtornos. Há ações por parte da Prefeitura, mas em número insuficiente”.
Números
205 imóveis foram autuados em 2015 por irregularidades na destinação do esgoto
820 foram as irregularidades constatadas na rede de esgoto em 2014
Fonte: O Povo