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Como anda o saneamento nas 100 maiores cidades do Brasil ?

Estudo mostra que, seis anos após promulgada a lei do saneamento, ainda há grandes desafios para o planejamento e regulação dos serviços de saneamento

Após um longo período de baixos investimentos em esgotamento sanitário, o Brasil acumulou um déficit histórico na mais básica das infraestruturas. Hoje, mais de 36 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável, menos da metade dos brasileiros possuem acesso à coleta de esgotos e somente 38% dos esgotos do país são tratados. Isso gerou, em 2011, cerca de 400 mil internações por diarreia por todo o país (estudo lançado pelo Instituto Trata Brasil em 2013), sendo 53% desses casos em crianças de 0 a 5 anos, além de enorme poluição ambiental aos rios urbanos em grandes cidades e mesmo em belíssimos cartões postais, como a Baia da Guanabara).

Outra pesquisa recém divulgada pelo Trata Brasil mostrou que o país desperdiça bilhões de reais em saúde pública, implicando em redução de produtividade dos trabalhadores, piora do aprendizado escolar com as faltas na escola, perda de oportunidade de gerar milhares de postos de trabalho e renda em turismo, entre muitos outros problemas. Em 2007, após 20 anos de debates no Congresso, foi sancionada a Lei n. 11.445 que trouxe novas diretrizes nacionais e definiu o planejamento dos serviços como instrumento fundamental para se alcançar o acesso universal aos serviços de saneamento básico. A partir da Lei, todos os municípios devem formular as suas políticas públicas visando à universalização, sendo o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) o instrumento de definição de estratégias e diretrizes.

Segundo a Lei, são componentes do saneamento básico o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, os quais devem ser objeto do PMSB. O Decreto n. 7.217/2010, que regulamentou a Lei n. 11.445/2007, prorrogou o prazo de entrega dos PMSB´s de 2010 para dezembro de 2013 ao estabelecer que a partir do exercício financeiro de 2014 a existência do plano seria condição para o acesso a recursos orçamentários da União (§2º, art. 26). Este prazo, porém, foi novamente prorrogado para o exercício financeiro de 2016 (Decreto Federal n. 8.211 de 21/03/14), passando valer a data final de entrega dos planos para 31 de dezembro de 2015. O Decreto vinculou ainda o acesso a recursos da União à existência de organismos de controle social até dezembro de 2014.

Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, comenta: “O ruim da nova prorrogação é que ela não criou nenhum incentivo para aqueles Municípios que se empenharam em cumprir o prazo anterior nem punições aos que pouco fizeram, mesmo após 6 anos de vigor da Lei. Os planos não entregues prejudicam ainda mais a agilidade e o planejamento do saneamento básico nas cidades, que precisam atrelar os avanços às regras de ocupação do solo, expansão imobiliária e a proteção das áreas preservadas.”

O Instituto Trata Brasil, visando a mobilização da sociedade e a melhoria da gestão do saneamento, apresenta esse estudo que tem como objetivo analisar o desenvolvimento dos PMSB´s nos 100 maiores municípios (Figura 1). O estudo foi realizado em parceria com a Pezco Microanalysis, sob coordenação do pesquisador Alceu Galvão, especialista em saneamento básico; e contou com a colaboração da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (AESBE), que contribuiu com informações para a pesquisa.

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Quantidade de Municípios por unidade da Federação

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O Quadro 1 apresenta a população dos 100 maiores municípios em relação à população brasileira. No conjunto, estes representam 40% da população do país.

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Pode-se destacar que 34% das maiores cidades não entregaram o PMSB, apesar de terem recursos financeiros, corpo técnico, estruturas políticas e conhecimento da Lei.  Salta aos olhos o fato de que municípios deste porte não tenham seus Planos, seis anos depois de sancionada a Lei do Saneamento.

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Vale destacar algumas coisas. Apesar de a Lei 11.445 ser clara quanto à necessidade dos PMSB´s contemplarem os quatro serviços, ou seja, o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, apenas 34 municípios apresentaram o PMSB na sua abrangência completa. 15 cidades fizeram planos contendo apenas abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Dentre os planos elaborados cujos componentes foram possíveis de identificar (63 planos), o esgotamento sanitário foi o mais contemplado (58 planos = 92,1%), seguido pelo abastecimento de água (87,3% = 55 planos). Já o manejo de resíduos sólidos foi contemplado em 69,8% dos planos (44 planos), enquanto a drenagem urbana foi encontrada em apenas 55,6% (35 planos).

Situação dos PMSB contendo ao menos o esgotamento sanitário.

A pesquisa identificou que há municípios que não entregaram os Planos com os requisitos que a Lei obriga, o que pode virar motivo de contestação pelo Ministério Público e Tribunais de Contas, notadamente àqueles sujeitos a serviços contratados. A Lei 11445 também contemplou como fundamental a participação social na elaboração dos PMSBs, haja vista ser a sociedade a principal beneficiada por este instrumento de planejamento. Diante do exposto, o estudo investigou o nível de participação da sociedade no processo de elaboração do Plano de Saneamento Básico por meio da identificação dos tipos de mecanismos de participação social utilizados.

Tipos de mecanismos de participação e controle social (amostra de 58 municípios)

  • 58 municípios que tinham PMSB com pelo menos, esgotamento sanitário.

Cerca de 2/3 do universo das 58 cidades onde ao menos o esgotamento sanitário foi considerado no plano contemplou alguma forma de controle social. A resposta definitiva, no entanto, fica prejudicada pelos 34,5% de cidades que não responderam. O estudo buscou apenas quantificar, portanto, não permite identificar o real nível de participação da sociedade nesse processo.

Quanto à gestão do Plano, dos 58 municípios com planos elaborados com pelo menos o esgotamento sanitário, apenas 26 responderam acerca da estrutura que dispõem para administrar o plano. 22 das 26 cidades terão estrutura exclusiva para administração dos planos. Alceu Galvão, coordenador da pesquisa, comenta: “É grave o fato de 32 dos 58 municípios com planos ao menos para esgotos não terem respondido se possuem ou não estrutura para administrá-los. Sem estrutura específica os planos podem virar “instrumentos de prateleira”, além disso, a maioria destes planos está sendo aprovada por leis municipais e o não cumprimento das metas pode ser contestado pelos Tribunais de Contas e Ministério Público”. Vale ressaltar que a função de Planejamento é o único papel indelegável do Prefeito, que é o titular dos serviços públicos de saneamento; diferente das responsabilidades sobre a prestação, a fiscalização e a regulação dos serviços, que podem ser delegadas (Lei 11.445/2007, art. 8º).

A transparência é um dos princípios da Lei n. 11.445/2007 e a disponibilização dos planos na internet devem ser obrigatórias para que a sociedade possa acompanhar o atendimento das metas de universalização. Dos 58 planos elaborados contemplando ao menos os esgotos, 39 tinham endereços eletrônicos, onde os planos podem ser consultados.

Dos 100 municípios analisados, independentemente de ter ou não plano, 56 dispõem de Agência Reguladora. O dado preocupante é que 44 grandes cidades ainda não têm seus serviços de saneamento básico regulados, o que transmite insegurança em relação à gestão do saneamento. É fundamental a estruturação das agências reguladoras, pois são elas que verificam o cumprimento dos planos por parte dos prestadores de serviços. É papel exclusivo destas entidades. Frederico Turolla, da Pezco Microanalysis, comenta: “A regulação  é o principal estímulo à eficiência na prestação dos serviços de saneamento e sua ausência em vários municípios indica que há baixa preocupação com a melhoria efetiva desses serviços.”

Das respostas conseguidas após várias tentativas, o estudo apurou também quantos dos 100 maiores municípios estão cumprindo todos os requisitos previstos na Lei n. 11.445/2007 para a formulação dos PMSB e Regulação, ou seja: constar todos os componentes do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente) – III, art. 2º; possuir como conteúdo mínimo o diagnóstico, objetivos e metas, ações de emergência e contingência – I a V, art. 19; conter viabilidade econômico-financeira do Plano (II, art. 11); haver participação social na elaboração (§ 5º, art. 19); e ter Regulação (parágrafo único, art. 20).

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Há ainda três municípios que atendem aos requisitos, exceto ter agência reguladora, como nos casos de Santo André, Cascavel e Pelotas. Significa que os serviços destes municípios precisam ter suas agências reguladoras para que possam estar integralmente aderentes ao marco regulatório setorial.

Alceu Galvão diz que “A regulação é essencial, independe se o serviço for contratado (companhias estaduais ou privadas) ou se prestado direta ou indiretamente pelo próprio município. Ela dá segurança para os investimentos das empresas, para o usuário e para o próprio acompanhamento da execução do Plano”. Pelas respostas conseguidas, apenas 12 dos 100 maiores municípios do país atendem integralmente a Lei n. 11.445/2007 no que se refere à formulação dos Planos e Regulação.

Com base no estudo realizado, é possível identificar que a Lei 11445/2007, das Diretrizes Nacionais do Saneamento Básico, promoveu avanços importantes no setor, assim como mostrou que ainda há grandes desafios para sua efetividade, mesmo entre os 100 maiores municípios brasileiros. É positivo o fato de 66 municípios terem feito discussões locais considerando a Lei do saneamento, bem como terem apresentado algum plano para avaliação. Considerando, no entanto, a relevância que a Lei atribui ao Plano Municipal de Saneamento Básico como instrumento para universalização dos serviços, é muito preocupante, seis anos após sancionada a Lei, temos ainda 34 grandes cidades sem planos.

A Lei deixa claro que todos os quatro serviços do saneamento básico devem fazer parte dos planos, mas somente 34 cidades cumpriram esse requisito formal. Se se considerar, no entanto, todos os requisitos da Lei necessários para a formulação dos planos e para a regulação dos serviços, as respostas permitiram concluir que houve o cumprimento total em apenas 12 municípios.

Fica evidente a insuficiência de vários mecanismos institucionais importantes em muitos dos 100 maiores municípios, tais como a presença de regulação independente, o controle social dos serviços, a compatibilização dos planos com os estudos de viabilidade que lhes dão suporte, a construção de um sistema de informações em saneamento, entre outros. O estudo permite concluir que, nestas condições, muitos planos podem ser questionados judicialmente e/ou perderem a capacidade de ser o real instrumento de planejamento para a boa universalização dos serviços.

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