Privatização pode salvar as contas públicas, mostram estudos

São Paulo — A Trensurb é a empresa responsável por operar a única linha de trens urbanos na Grande Porto Alegre — circulam diariamente pelas 22 estações que ligam o centro da capital gaúcha à cidade de Novo Hamburgo, na região metropolitana, cerca de 220 000 passageiros.

A empresa foi criada nos anos 80 para desafogar o trânsito de automóveis que entravam e saíam da cidade pela BR-116, rodovia que na época já dava sinais de saturação. Embora a natureza da atuação da Trensurb seja eminentemente local, ela é uma das cerca de 100 companhias controladas pelo governo federal.

Nesse conjunto incluem-se estatais que pertencem unicamente ao poder público e sociedades de economia mista, nas quais a iniciativa privada detém uma parte minoritária. De acordo com um levantamento da organização não governamental Contas Abertas, essas estatais empregam meio milhão de funcionários e anualmente movimentam com salários, compras e investimentos um total de 1,4 trilhão de reais — valor que corresponde a aproximadamente 80% do produto interno bruto da Argentina.

A composição da lista é variada. Há desde gigantes como Eletrobras e Petrobras até empresas como a própria Trensurb e a Cobra, um braço de serviços controlado pelo Banco do Brasil. Trata-se de um resquício dos anos 70, uma era em que o governo criava estatais para atuar em praticamente todos os setores — na origem, a Cobra fazia computadores.

Faz sentido um governo, cujas principais atribuições deveriam ser nas áreas de saúde, segurança, educação e regulação, gastar dinheiro e energia no transporte coletivo de uma cidade ou numa empresa de serviços técnicos?

A discussão em torno das estatais torna-se urgente num momento em que há dificuldade para equilibrar as contas públicas. Em julho, o Planalto se viu forçado a reduzir a meta de poupar neste ano 1,1% do PIB, ou 66 bilhões de reais, para apenas 0,15% do PIB, com brecha para chegar a um déficit.

“Vender ativos é uma alternativa para o governo fazer caixa, dada a dificuldade atual em arrecadar”, diz Cid Heráclito de Queiroz, ex-procurador-geral da Fazenda e um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse tipo de solução é comum nas empresas para fazer frente a períodos duros ou reduzir uma dívida que se tornou pesada demais.

É exatamente essa a situação do setor público no Brasil, especialmente da União, cujo endividamento entrou numa rota explosiva. A venda de pelo menos parte das empresas com as quais participa de diversos setores típicos do setor privado é um caminho também para tornar o Estado mais eficiente e diminuir as despesas públicas.

Vencido pelas circunstâncias, o governo recentemente começou a dar sinais de que pode fazer alguns movimentos nessa linha. Com Levy à frente da Fazenda, passou a ser cogitada a abertura do capital da Caixa Econômica Federal e a venda da distribuidora de combustíveis BR e do Instituto de Resseguros do Brasil. Por ora, só existem estudos a respeito.

Em estudo exclusivo para EXAME, a consultoria Bain & Company mostra que há muito a ganhar se houver disposição de avançar na desestatização. A Bain calcula que o governo poderia levantar 290 bilhões de reais com a venda de oito grandes empresas, entre elas a Caixa e as participações que detém na Eletrobras e no Banco do Brasil.

Segundo a Bain, só a venda das ações da Petrobras — incluindo a BR Distribuidora —, cuja participação acionária do governo é de 46%, poderia render 132 bilhões de reais. A Eletrobras, controladora de geradoras de energia como Furnas, Itaipu e Chesf e de distribuidoras no Norte e no Nordeste, pode valer 27 bilhões.

Para chegar a esses valores, a Bain fez uma média entre as avaliações obtidas por dois métodos. Um deles considera o valor de mercado estimado das estatais e sociedades de economia mista. O outro leva em conta quanto valem em bolsa companhias privadas de capital aberto que atuam nos mesmos setores.
A comparação entre os dois métodos revela quanto as estatais representam de ineficiência para a economia. Pelo primeiro método, o conjunto de empresas controladas pelo Estado analisado vale 214 bilhões de reais, 30% menos do que valeria se essas estatais tivessem avaliação semelhante à de empresas privadas.

Um exemplo gritante é o da Eletrobras: se fosse privada, seu valor de mercado chegaria a 73 bilhões de reais — mais do que o quádruplo do valor atual, de 16 bilhões de reais. “Sob controle privado, as empresas seriam mais eficientes, lucrativas e valiosas”, diz Fernando Martins, sócio da Bain.

Outro exemplo concreto de ineficiência está no setor portuário. Sete portos públicos são administrados por companhias Docas controladas pelo governo federal. Elas costumam falhar numa missão primordial: manter boas condições de tráfego para os navios.

“Frequentemente, a dragagem dos canais é interrompida por falta de dinheiro ou por problemas na licitação dos fornecedores”, diz o presidente de uma operadora de terminais portuários. “Com isso, grandes navios ficam impedidos de atracar, reduzindo nossa produtividade.”

Cortes de gastos

Evidentemente, a situação das contas públicas requer outras providências. Mais que elevar as receitas, é essencial diminuir as despesas. A forma como o governo vem tentando fazer isso tem se mostrado ineficaz. Os projetos para cortar gastos têm esbarrado na oposição do Congresso e na falta de articulação do próprio governo.

Como sair da arapuca? Um estudo da RC Consultores mostra como o governo federal poderia, gradualmente, alcançar o chamado déficit nominal zero — a condição em que não gastará mais do que arrecada. Trata-se de um conjunto de medidas para cortar as despesas emergencialmente, enxugar a estrutura do Estado e reduzir o pagamento de juros sobre a dívida pública.

“Se essa proposta fosse posta em prática, os gastos públicos cairiam nos próximos oito anos”, diz o economista Paulo Rabello de Castro, sócio da RC. Nas estimativas dele, o país poderá chegar em 2023 com despesas de cerca de 1 trilhão de reais a menos do que gastará se nada for feito.

A primeira medida proposta é a adoção de um limitador de despesas, em modelo semelhante ao aplicado em países como os Estados Unidos e a Alemanha nos últimos anos. No caso alemão, o limitador entra em ação sempre que o déficit público ultrapassa 0,35% do PIB. Lá, houve corte de gastos sociais, despesas militares e a demissão de 4 000 servidores públicos.

No Brasil, a proposta da RC prevê que as despesas do orçamento federal sejam inicialmente cortadas, na média, 7,6%. A ideia é preservar gastos importantes, como investimentos, e enxugar o restante: quadro de funcionários e despesas com veículos oficiais, material de escritório, publicidade, viagens e conta de luz. Os gastos sociais também passariam por um pente-fino. Ao longo do tempo, o aumento das despesas seria limitado a 70% do crescimento do PIB.

A outra frente consiste em aumentar a eficiência do Estado. A primeira ação seria criar um Conselho de Gestão Fiscal, órgão cuja existência está prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. A lei é de 2000, mas o conselho até hoje não foi implantado. Cerca de 30 países mantêm esse tipo de conselho.

Um estudo do Fundo Monetário Internacional mostrou que uma atuação efetiva dos conselhos pode melhorar o resultado primário de um país em até 1,5% do PIB. O órgão funciona como uma agência fiscalizadora dos gastos públicos. Há muito a fazer nessa área. Um estudo feito pelo economista Márcio Bruno Ribeiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, analisou as contas públicas de 17 países latino-americanos. O resultado mostra o Brasil na 11a posição na qualidade dos serviços públicos.

A conclusão: para o mesmo nível de gasto, o desempenho dos serviços deveria ser 20% melhor. Ou, lendo os resultados de outra forma, há espaço para o corte de 20% dos gastos para o nível atual de serviços. Um exemplo do que pode ser feito: nos últimos cinco anos, o governo federal economizou quase 50 bilhões de reais com a adoção do pregão eletrônico para compras no lugar das licitações comuns.

“A inovação pode resultar na economia de bilhões de reais em recursos públicos e aumentar a eficiência do Estado”, diz Marizaura Camões, diretora de Pesquisa da Escola Nacional de Administração Pública, mantida pelo governo federal.

A melhoria da qualidade dos gastos ajudaria a conter o avanço da dívida. E começaria o desmonte de um círculo vicioso. Explica-se: um país com gestão fiscal ruim sofre a descrença dos investidores. Eles passam a exigir juros mais altos para financiar a dívida pública. Hoje, os juros consomem 40% da arrecadação líquida do governo. O Brasil, com dívida bruta de 65% do PIB, despendeu nos últimos 12 meses o equivalente a 7% do PIB para pagar juros, enquanto o Japão, com dívida de três vezes o PIB, gastou proporcionalmente a metade.

O programa da RC prevê que, em 2023, a conta dos juros do Brasil cairia a 2,6% do PIB, e isso tornaria viável o déficit nominal zero — ou seja, o governo não gastaria mais do que arrecada, mesmo incluindo os juros. Por enquanto, isso pode ser considerado um sonho. Mas o primeiro passo precisa ser dado. Ou o Brasil viverá o pesadelo: aumento da dívida mais perda de confiança e agravamento da crise.

Fonte e Agradecimento pelo envio da Matéria: PORTAL EXAME

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