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Israel apoia a privatização de água no Brasil, diz ativista

No Dia Mundial da Água, ativista pró-palestina pede fim de contratos de empresas brasileiras com Israel

Se Jesus Cristo fosse batizado hoje, o rio Jordão não seria o melhor cenário. Após passar por uma transposição, ele está “praticamente sem água”, denuncia Maren Mantovani, da organização Stop the Wall. “A água está sendo desviada pelo agronegócio, pela indústria e pela colonização israelense”, diz ela.

E o mesmo estaria acontecendo no Brasil: “quem fez os estudos técnicos para a transposição do rio São Francisco foi o consórcio Jaakoo Pöyry-Tahal, de uma empresa finlandesa e uma empresa israelense, que faz exatamente esse trabalho na Palestina”, alerta Mantovani.

A ativista italiana esteve na Bahia para participar de uma mobilização no dia 22 de março, Dia Mundial da Água, contra o acordo técnico que as empresas públicas baianas Embasa e CERB assinaram em 2013 com a estatal israelense Mekorot.

“Quando se vai ao semiárido nordestino, se vê que as estruturas de roubo da água no Brasil utilizam muito dos mecanismos que eu já conhecia da Palestina”, afirma.

A organização que Mantovani faz parte, a Stop the Wall, promove mundo afora campanhas de boicote a esse tipo de cooperação empresarial, que “ajuda a dar sustentabilidade a um regime de apartheid contra o povo palestino”.

“Nós nos inspiramos muito no movimento contra o apartheid na África do Sul, onde o movimento de boicote teve um papel fundamental de apoio à luta do movimento negro pela justiça e igualdade. À mesma maneira, o movimento palestino está chamando o mundo para o boicote à Israel e para retirar seus investimentos nas empresas israelenses e nas empresas internacionais envolvidas”, explica a ativista, que residiu 8 anos na Palestina.

Em sua passagem por Salvador, Mantovani deu uma palestra na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e concedeu essa entrevista à CartaCapital. Depois de sua estadia na capital baiana, partirá para a Índia, onde a Stop the Wall vai organizar novas manifestações.

CartaCapital: O que é o movimento de boicote?

Marien Mantovani: O movimento pelo boicote nasceu com um chamado unificado de mais de 170 organizações e partidos políticos, lançado em 9 de julho de 2005, exatamente um ano depois da decisão da Corte Internacional de Justiça sobre as consequências da construção de um muro no território palestino. O interessante dessa decisão é que não apenas ela declarou o muro ilegal, mas também que os Estados terceiros têm uma responsabilidade frente às violações internacionais por parte de Israel, no sentido de que não podem reconhecer e dar assistência e apoio à construção do muro, dos assentamentos e de outras violações por parte de Israel. E que têm que trabalhar para assegurar que Israel acabe com essas violações. Essa decisão na Corte Internacional de Justiça nos deu o aval legal para pedir que, a nível internacional, se acabe com os laços de cumplicidade. A questão palestina não é, obviamente, uma questão nacional, é global. Desde que a ONU, presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, cedeu a terra à Israel em 1948, o mundo está apoiando a ocupação e o apartheid israelense através de financiamento direto, mas também por meio de contratos com empresas e instituições israelenses que, de um lado, conseguem atrair financiamento para que se possa continuar e dar sustentabilidade financeira ao projeto de colonização israelense, e por outro lado, constroem uma legitimidade do que eles estão fazendo por meio desses contratos. Essas relações internacionais não são apenas uma questão financeira, são também uma questão de propaganda ideológica por parte de Israel.

CC: Qual foi a inspiração?

MM: Nós nos inspiramos muito no movimento contra o apartheid na África do Sul, onde o movimento de boicote teve um papel fundamental de apoio à luta do movimento negro pela justiça e igualdade. À mesma maneira, o movimento palestino está chamando o mundo para o boicote à Israel e para retirar seus investimentos nas empresas israelenses e nas empresas internacionais envolvidas. Nesse marco, e nesses últimos dez anos, esse movimento tem crescido muito, muito mais do que poderíamos esperar. Nesse momento acho que é um dos movimentos mais exitosos da sociedade civil em termos de solidariedade internacional, mas também do esforço de responsabilizar empresas pelos crimes que eles façam. Nesse momento há ma série de empresas multinacionais – como a de água Veolia e a de telefonia Orange – que estão retirando seus investimentos e operações em Israel por causa da pressão do boicote e dos contratos que eles perderam por causa desse movimento. Há um ano, Israel oficialmente reconheceu que nós somos a principal ameaça a seu regime de apartheid e isso significa que não apenas nós achamos que é por aí, mas que também Israel tem que reconhecer que os povos têm força. Isso é uma inspiração para todo mundo, ou seja, de que se pode construir luta.

CC: Como estão as relações Brasil-Israel?

MM: O Brasil, de um lado, a nível político, de posicionamento a respeito da questão palestina, tem, durante os últimos anos do governo Lula e Dilma, tido posições muito positivas. O governo Dilma foi o que mais estava disposto a enfrentar Israel sobre seus crimes, como por exemplo sobre o massacre de Gazal quando chamaram a consulta o embaixador brasileiro em Tel Aviv. Mas, ao mesmo tempo, é um dos maiores parceiros em termos de indústria militar. O Brasil foi nos últimos anos o quinto maior importador de armas israelenses. Temos uma série de empresas militares israelenses que estão produzindo armas em território brasileiro. Tem também um tratado de livre comércio entre o Mercosul e Israel. Então tem uma clara contradição entre o que se está dizendo e o que se está fazendo.

Nos últimos anos tivemos algumas vitórias, que construímos junto com a sociedade civil brasileira. Uma importante iniciativa foi no Rio Grande do Sul, onde conseguimos derrubar um contrato de cooperação militar com Elbit Systems, que produz os drones que matam em Gaza. No início desse ano, acabou também o projeto de construção de drones brasileiros baseados na tecnologia israelense, o que foi pouco difundido, mas é muito importante a nível estratégico. Era um projeto da Embraer que havia sido lançado em 2011. No início de 2016, o Ministério da Defesa deixou claro que não teria dinheiro para esse projeto, mas como a pasta tem mais dinheiro esse ano do que no ano passado, percebe-se que foi uma decisão política.

CC: E quais são as relações com as empresas de água?

MM: Israel não apenas está ganhando muito dinheiro, mas está também fazendo uma propaganda dizendo que está ajudando o Brasil a superar a seca no Nordeste com contrato com as empresas estaduais brasileiras, como a Embasa ou a CERB, na Bahia, ou as empresas de saneamento do Ceará e do Distrito Federal. O discurso é sempre “nós ajudamos vocês a superar seus problemas porque aqui fizemos florescer o deserto”. O fato é que não fizeram florescer o deserto, o que estão fazendo é desenvolver uma metodologia de roubo de água dos palestinos para os interesses do agronegócio. Então o que eles podem exportar para cá é essa capacidade, que vai ajudar de novo ao agronegócio, que já tem água. O problema não é o agronegócio, são os pequenos agricultores. E aí Israel não pode ajudar. A única coisa que Israel faz com esses contratos é apoiar um processo de privatização da água que está acontecendo no Brasil. Nesse sentido, quando nós chegamos e construímos relações e laços com os movimentos no Brasil, temos na verdade uma luta comum. Não é nem sequer uma questão de solidariedade à causa palestina. Temos uma luta comum mesmo. Quando se vai ao semiárido nordestino, se vê que as estruturas de roubo da água no Brasil utilizam muito dos mecanismos que eu já conhecia da Palestina. São os mesmos. Precisamos de justiça da água na Bahia e na Palestina e romper os laços de cooperação e cumplicidade entre quem rouba água do povo palestino para fazer uma limpeza étnica e continuar sua colonização e ocupação e que aqui vão beneficiar o agronegócio, e não a pequena agricultura.

CC: Você citou, em sua palestra, o Rio Jordão, que hoje está praticamente sem água. É possível traçar um paralelo com a transposição do Rio São Francisco, um dos grandes projetos do governo Lula?

MM: Não é apenas uma questão de traçar um paralelo de ideia. Nos anos 1960, as empresas israelenses fizeram a transposição do rio Jordão e hoje ele praticamente não existe mais, deixando os palestinos sem água. Essa água está sendo desviada pelo agronegócio israelense, pela indústria israelense, pela colonização israelense. Quem fez os estudos técnicos para a transposição do rio São Francisco foi o consórcio Jaakoo Pöyry-Tahal, de uma empresa finlandesa e uma empresa israelense que faz exatamente esse trabalho na Palestina. Nesse sentido, quando os movimentos aqui criticam a transposição do Rio São Francisco, vemos que é algo que já conhecemos no Rio Jordão. É um excelente exemplo para dizer que esse tipo de cooperação não serve, ajuda a dar sustentabilidade a um regime de apartheid contra o povo palestino. É preciso pressionar, portanto, a Embasa e a CERB para romperem esse contrato.

Fonte: Carta Capital
Foto: Divulgação

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