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Lei ultrapassada e conflitos de gestão atrasam limpeza do rio Tietê

Uma norma que praticamente autoriza a despejar esgoto sem tratamento em rios urbanos e conflitos de gestão de saneamento atrapalham a despoluição do rio Tietê, projeto que faz 24 anos em 2016.

“O saneamento é dividido em caixinhas, e o rio passa por várias cidades. É preciso vontade política para resolver conflitos”, diz a especialista em gestão de recursos hídricos Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica.

A ONG conduziu, em 1991, o abaixo-assinado que reuniu 1,2 milhão de apoios para iniciar a despoluição do rio. Até hoje monitora o programa, em coletas de 194 córregos e rios da bacia do alto Tietê, de Salesópolis até Barra Bonita, produzindo relatórios anuais.

Assinado entre o governo do Estado de São Paulo, a Companhia de Saneamento Básico (Sabesp) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), durante a Eco 92, o Projeto Tietê está na terceira das suas seis etapas.

Na fase atual estão previstas as conexões de 1,5 milhão de pessoas à rede de esgoto, com 200 mil ligações domiciliares, 1.250 km de redes coletoras e 580 km de interceptores. “A fase atual é invisível porque é subterrânea, mas é vital”, afirma a especialista.

Segundo ela, já foram gastos pelo menos US$ 2,1 bilhões (R$ 7,85 bilhões ), sem contar verbas suplementares. Mas as condições atuais do rio são ainda precárias, apesar dos avanços.

O trecho do Tietê que está dentro da cidade tem 203 km de extensão e recebe, por meio dos afluentes, as cargas de esgoto não tratado de toda a bacia hidrográfica que abrange a região metropolitana. É o esgoto de 14,6 milhões de pessoas por dia, calcula a técnica. Nessa área metropolitana, a poluição é causada 60% por esgoto doméstico, 10% por esgoto industrial e 30% por carga difusa.

De acordo com o último relatório feito pela SOS, em setembro de 2015, havia um trecho de 154,7 km de rio “morto”, isto é, com águas contendo de 0 e 4 mg de oxigênio por litro. Essa mancha estava entre os municípios de Mogi das Cruzes e Cabreúva, no interior do Estado.

Em 1993, a mancha de rio morto tinha 530 km e ia de Mogi até o reservatório de Barra Bonita. No fim de 2010, depois da segunda fase do projeto, o rio morto tinha 243 km. Na medição de 2014, foi atingido o melhor resultado: a mancha tinha sido reduzida para 71 km.

Mas o rio sofreu um golpe inesperado. No final de 2014, por causa de uma grande tempestade, barragens foram abertas para evitar enchente na região metropolitana, e a lama tóxica acumulada em dois reservatórios, de Santana do Parnaíba e de Pirapora do Bom Jesus, foi despejada no rio, matando 40 toneladas de peixe na cidade de Salto. Os índices refletiram o fato.

A mancha cresceu 54% entre as medições de 2014 e 2015. O lançamento desse lodo no rio, que está sendo tratado na Justiça, ilustra a fragilidade das conquistas e a necessidade de controles mais rígidos e de sinergia entre as administrações.

Outro acontecimento negativo para a despoluição do rio, segundo a especialista, foi o fim do programa Córrego Limpo, que deveria tratar 110 afluentes do Tietê numa parceria entre Prefeitura de São Paulo e Sabesp. “A Prefeitura fazia os mutirões de limpeza e a Sabesp passava com a rede. Tivemos resultados rápidos em rios como o Ipiranga”, afirma. O tratamento local dos esgotos é essencial e insubstituível. “Se a gente vier salvando os córregos, os afluentes, as nascentes urbanas, salva a bacia. Não adianta olhar só para o Tietê: ele é reflexo de tudo que é jogado nele”, diz.

A crise hídrica também teve impactos no projeto. A escassez acendeu um alerta: “Mostrou que despoluir o Tietê não é conversa de ambientalista, mas questão de abastecimento público”, diz.

“Não estamos no semiárido. Não somos a Califórnia ou a Cidade do México. Quando a gente fala que está em crise, com o índice pluviomético alto que temos, as pessoas dizem: Como? Nossa crise é por falta de qualidade e indisponibilidade de uso”.

MORTO-VIVO

A boa notícia é que o tema foi encampado pela Campanha da Fraternidade, lançada no último dia 10 de março e conduzida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic).

Malu Ribeiro espera que a campanha, chamando a atenção para o direito ao saneamento básico e pedindo praias limpas e o fim de rios mortos no Brasil, contribua para que a despoluição do Tietê entre na agenda dos candidatos às eleições municipais e alavanque a mobilização para conseguir alterar a resolução Conama 357, de 2005.

Essa resolução estabelece as classes dos rios segundo o uso preponderante de suas águas e, na prática, libera de tratamento os considerados meros diluidores de poluição, caso em que se enquadram Tietê e Pinheiros.

“Temos que acabar com a categoria que permite rio morto no país. Só com mobilização vamos tomar posse do rio. Ele é nossa história, mas também nossa vergonha.”

“As pessoas viajam para qualquer país e voltam encantadas com a forma como o outros tratam bem seus rios. E aqui? Tem de ter outra atitude com a cidade”, diz. “A despoluição do Tâmisa (Londres) começou há 135 anos. Poluir e matar é rápido. Despoluir é demorado”.

Fonte: Uol
Foto: Lucas Lima/Uol

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