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Gestão municipal de qualidade e remunicipalização dos serviços

O debate reuniu gestores públicos e especialistas do setor, que expuseram as deficiências da iniciativa privada ao assumir a gestão dos serviços públicos de água e esgotamento sanitário.

No dia 21 de junho, o 47º Congresso da Assemae realizado em Campinas/SP, foi inaugurado pelo “Painel 2 – Gestão municipal de qualidade e remunicipalização dos serviços”. O debate reuniu gestores públicos e especialistas do setor, que expuseram as deficiências da iniciativa privada ao assumir a gestão dos serviços públicos de água e esgotamento sanitário.

O superintendente da Companhia Ituana de Saneamento (CIS), Vincent Menu, apresentou a experiência da cidade de Itu, em São Paulo, que remunicipalizou o serviço de saneamento para solucionar os problemas herdados pela concessão privada.

O superintendente comentou, as principais razões que levaram a rescisão do contrato em 2003 com a CAVO – Companhia Auxiliar de Viação e Obras.

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Acúmulo de litígios e judicialização do contrato:

  • Reajustes não outorgados pela Prefeitura
  • Pagamentos parciais do SAAE à concessionária
  • Irregularidades na prestação dos serviços: baixa eficiência do tratamento do esgoto e superestimação dos volumes.

“Em outubro de 2007 teve início a operação da Águas de Itu – contrato de concessão plena. A cidade no ano de 2014 passou pela maior crise de abastecimento de água, com vários protestos de moradores. No ano seguinte, em 2015, ocorreu a intervenção da prefeitura na Águas de Itu, ocasionando a caducidade do contrato de concessão e início do contrato de permissão – EPPO. Por fim em 2017 foi concretizada a criação e início de operação da CIS – Companhia Ituana de Saneamento”, disse Vincent Menu.

As principais razões que levaram à caducidade da Águas de Itu:

  • Não cumprimento das obrigações de investimentos (obras de ampliação e melhorias)
  • Contratação de empréstimos e financiamentos sem anuência do Poder Concedente
  • Apropriação indébita de recursos provenientes do pagamento das tarifas dos usuários
  • Não entrega das obras emergenciais exigidas frente à crise hídrica de 2014
  • Prestação de serviços inadequados comprovados em mais de 60 Processos Administrativos
  • Aplicação unilateral de reajuste tarifário
  • Descumprimento à obrigação contratual de prestação de informações contábeis
  • Descaracterização da “Sociedade de Propósito Específico (SPE) ” em decorrência das operações financeiras realizadas em detrimento do sistema de água e esgoto e constante descontinuidade administrativa

“Com a criação da CIS em fevereiro de 2017, passamos a trabalhar na recuperação dos sistemas de água e esgoto, na transição da estrutura administrativa e organizacional, visando resgatar a qualidade dos serviços que os munícipes merecem junto com autonomia financeira. Após quase cinco meses de atuação, possuímos a aprovação da maioria da população”, frisou.

Vincent Menu encerrou a apresentação, salientando que não existe modelo de operação perfeito, comparando as Companhias Estaduais, Municipais e de Concessão Privada. “Cada um tem suas qualidades e seus defeitos. Independente do modelo de operação adotado, deve haver o compromisso, por parte do Operador e do Titular dos Serviços com a qualidade na prestação dos serviços e uma gestão eficiente”, finalizou.

O presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Pedro Tabajara Blois Rosário, enfatizou os casos brasileiros onde ocorrem problemas com a privatização. Citou como exemplo em Pernambuco, onde o Tribunal de Contas do Estado (TCE), através de seu corpo técnico, divulgou um estudo constatando diversas irregularidades na Parceria Público Privada (PPP) do Saneamento do Estado de Pernambuco.

Também no Estado do Tocantins existem problemas com o contrato firmado entre o governo do Estado e a Odebrecht Ambiental. Entre 2013 e 2015 foram instauradas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) para investigar a Saneatins/Odebrecht Ambiental com a finalidade de analisar entre outros pontos, a diferenciação nas cobranças dos serviços nos municípios atendidos pela empresa, além de todos os fundamentos e elementos que envolvem a aferição do valor da tarifa e problemas na operação da venda da Saneatins para a Odebrecht Ambiental.

Leia também: Saneamento Público Municipal: um caminho para o Brasil

Outro exemplo citado pelo presidente, foi em Manaus/AM onde em abril de 2012 foi anunciada a instalação de uma CPI na Câmara Municipal de Manaus, onde os vereadores deveriam investigar o fornecimento e a distribuição do serviço de água e o contrato da prefeitura com a empresa Águas do Amazonas. No entanto, as queixas em relação aos serviços prestados pelas empresas em que administram os serviços de água e esgotamento sanitário na cidade ainda continuam. Essa situação ocorre tanto em comunidades periféricas como nos chamados bairros nobres da cidade.

Pedro Blois comentou, que nos últimos 15 anos houve pelo menos 180 casos de remunicipalização em 35 países, tanto do Norte como do Sul. Dos 180 casos 136 casos foram em países mais ricos e 44 casos em outros países. Exemplo de grandes cidades que remunicipalizaram são: Atlanta (EUA), Indianápolis (EUA), Accra (Ghana), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapest (Hungria), Kuala Lumpur (Malásia), La Paz (Bolívia), Maputo (Moçambique) e Paris (França).

A tendência internacional de remunicipalização dos sistemas de saneamento, também foi citada pela coordenadora da Internacional de Serviços Públicos (ISP) no Brasil, Denise Motta Dau. Ela contou, que nos últimos 15 anos, cerca de 180 municípios retomaram a gestão dos serviços do setor, relacionado aos problemas causados pela privatização. “Cada vez mais cidades, regiões e países por todo o mundo estão resgatando o controle público, que é mais preparado do que o privado. Em diversos casos, isso é uma resposta às enganosas promessas dos operadores privados, que resultam em baixo investimento, tarifas caras e ausência de transparência”, acrescentou.

A coordenadora do ISP falou sobre o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), a ser realizado paralelamente ao Fórum Mundial da Água, que acontece em Brasília em março de 2018. Com o lema “Água é direito, não mercadoria”, a intenção é reunir pessoas da cidade e do campo para reafirmar a posição de defesa da água como direito, e não como mercadoria, como ela vem sendo tratada pelas grandes corporações.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e ex-presidente da Assemae, Dieter Wartchow, destacou o papel das Parcerias Públicas-Público para colocar o saneamento básico em mãos públicas.

O professor afirmou que, a desconstrução das políticas públicas de saneamento básico por meio da revisão açodada do marco legal, contando com a participação dos segmentos políticos hegemônicos, ligados ao setor privado e excluindo a participação social é uma realidade. Citou como exemplos:

  • Veto ao Projeto de Lei Complementar (PLC) 199 (1995)
  • LEI Nº 11.445 (2007) – Política Nacional Saneamento Básico
  • LEI Nº13.334 (2016) – Cria Programa de Parcerias de Investimentos – PPI
  • PEC Nº 65 (2012) – Propõe Flexibilização Licenciamento Ambiental
  • LEI Nº 13.429 (2017) – Lei das Terceirizações

“Quando o município assumir a gestão dos serviços públicos de saneamento básico e não o delegar a uma empresa privada ou não contratar uma estatal a exemplo das companhias estaduais de saneamento básico (Cesbs), ele terá plenas condições de competir e gerir com autonomia e soberania suas políticas públicas em busca da universalização dos serviços de saneamento básico. Como resultado, as tarifas serão mais baixas, os recursos financeiros arrecadados ficarão no âmbito municipal e estes não serão repassados para o governo estadual, os custos serão mais baixos”, explicou.

Dieter Wartchow afirmou, que qualidade de vida e saúde não têm preço e, por isso, é preciso democratizar a informação e buscar na cooperação pública os saberes necessários para reconstruir a capacidade da governança local em nossas cidades, com a imprescindível participação da população em seu controle.

“Direitos como o saneamento básico não se podem vender e é imperiosa a mudança no modelo de gestão tornando-o sustentável, democrático, distributivo e participativo. Direitos ao acesso a água segura e saneamento básico são garantidos por políticas públicas e não são compromissos do setor privado”, encerrou.

Gheorge Patrick Iwaki
[email protected]
Responsável Técnico – Portal Tratamento de Água
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