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Lixo na economia circular

IPT discute gestão de resíduos sólidos e logística reversa, com palestra de diretora de empresa social holandesa

Com o objetivo de debater a gestão compartilhada de resíduos sólidos urbanos e a economia circular, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) realizou, em 11 de dezembro, o painel ‘Resíduos sólidos urbanos: da logística reversa à economia circular’. O evento contou com a presença de integrantes da sociedade civil, governo e iniciativa privada, além de uma diretora da empresa social holandesa Circle Economy.

Fruto de uma parceria entre o IPT, o Governo do Estado de São Paulo, a consultoria Exchange4Change Brasil e o Consulado Geral do Reino dos Países Baixos, o painel contou, na mesa de abertura, com a presença de Nanna Stolze, cônsul-geral adjunta da Holanda em São Paulo. Ela explicou ao público a importância de discussões sobre a gestão do lixo para seu país: “Este evento foca em um tema que levamos muito a sério, pois a boa gestão do lixo é crucial na Holanda. Não temos espaços físicos para aterros sanitários, e, por isso, reconhecemos os desafios que formam a base deste encontro”.

A parceria internacional contou com a palestra de abertura de Annerieke Douma, da Circle Economy. Annerieke, que é diretora de cidades, regiões e global hub da empresa social holandesa, discutiu o conceito de economia circular e sua importância para a gestão de recursos e resíduos em níveis mundiais: “Nossa economia linear, que foi concebida após o início da Revolução Industrial, criou um modelo baseado em uma abundância de recursos que imaginávamos que a Terra forneceria eternamente. Atualmente, sabemos que este não é o caso”.

Modelo Linear

A diretora holandesa explicou ainda os princípios do modelo circular: “Priorizar recursos renováveis, preservar e estender a durabilidade dos produtos, usar o lixo como recurso, repensar o modelo atual de negócios, incorporar tecnologia digital e projetar para o futuro”. Segundo Annerieke, a adoção da economia circular pode trazer benefícios como a redução da extração de matéria-prima e de emissões anuais de dióxido de carbono (CO2) e a geração de postos de trabalho.

Após a palestra da representante da empresa holandesa, o painel ‘A Gestão da Cadeia Pós-Consumo’ teve início com apresentações e debates com viés técnico sob a moderação de Beatriz Luz, fundadora da consultoria Exchange4Change Brasil.

Flávio de Miranda Ribeiro, gerente de Políticas Públicas de Resíduos Sólidos e Eficiência dos Recursos Naturais da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), abriu a sessão discutindo a relação entre logística reversa e economia circular. Ele afirmou que no estado de São Paulo há setores tradicionalmente circulares, como o agronegócio, e que a logística reversa é fundamental para ampliar a ação. O início da jornada foi em 2011, com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A decisão da diretoria da Cetesb número 076/2018 estabeleceu metas para as empresas apresentarem planos anuais de adesão à logística reversa. Um total de 2.116 companhias apresentou 51 propostas coletivas em outubro de 2018: foram incorporados temas nas licenças como os impactos da logística reversa nas relações econômicas e nas cadeias de negócios. “A alta complexidade introduzida demanda parcerias de qualidade”, afirmou Ribeiro. Reconheceu-se também que a ação voluntária não é suficiente, e algumas empresas precisam da coerção legal.

Economia circular

Para Ribeiro, há iniciativas pontuais de economia circular no estado de São Paulo e é preciso aproveitá-las mirando ações como as de reciclagem na criação de ecovalor em logística reversa. “Para isto é indispensável uma mudança cultural, com novos padrões de produção e de consumo. Nisto, a educação é fundamental”, afirmou ele.

Marcos Libório, secretário de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Santos, expôs a relação do poder público com a logística reversa e a economia circular, a partir do reconhecimento de que tudo acontece nos municípios. Sua experiência ensina que a ação voluntária é insuficiente, e que é preciso criar mecanismos legais, como taxas, para diferenciar quem separa ou não o lixo domiciliar, por exemplo.

Para ele a mudança cultural se dá em capítulos: o poder público deve agir como condutor do processo e chamar a atenção dos empresários para novas oportunidades. “A logística reversa e a economia circular precisam ser estruturadas, pois todos foram educados para enterrar resíduos. É preciso perseguir índices de reciclagem da ordem de 60% a 70%”, afirmou ele.

Para o secretário, o imediatismo compete com as opções mais sustentáveis. Por isso, o consumo racional deve ser incentivado. Segundo ele, o Programa Recicla Santos tornou obrigatória em 2016 a separação de resíduos sólidos e úmidos, tornando os grandes geradores responsáveis pela coleta própria, incluindo supermercados e condomínios. “Aumentaram os postos de trabalho nas cooperativas de catadores, e a coleta seletiva de 50 toneladas diárias de lixo fez com que saltassem de 60 para 200 os postos de cooperados”, afirmou ele. “Além disso, foram criados programas de compostagem mobilizando associações e escolas, uma ecofábrica para reaproveitamento de móveis e feiras de produtos orgânicos, tendo no horizonte da preservação ambiental o potencial de geração de receita com o turismo consciente”.

Logística reversa

Claudia lembrou ainda que, ao mesmo tempo em que se discute logística reversa e economia circular no Brasil, existem ainda muitos lixões. Enquanto a coleta seletiva depender de boa participação dos cidadãos, a cadeia que ele integra com a indústria e o poder público não será muito clara. “O que compete a cada um? O projeto da Baixada Santista teve a inauguração de uma planta-piloto em julho deste ano. A interação com a comunidade em Bertioga foi intensa. Construímos essa história, em uma demonstração de que as soluções não nascem da noite para o dia. A tecnologia pode ajudar as cooperativas na separação dos resíduos, mas depende da existência de uma cultura local e de infraestrutura para funcionar. As soluções precisam ser pensadas em função de realidades locais; o compartilhamento das iniciativas é fundamental para sua implantação”.

Fabricio Soler, do escritório Felsberg Advogados, apresentou a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida de um produto como um conceito que precede os demais: ele envolve a indústria e o poder público, e é capaz de reduzir o impacto ambiental dos resíduos. Cabe às empresas, segundo ele, investir na fabricação de produtos de menor impacto, levar ao consumidor informações corretas e implantar a logística reversa; ao poder público, iniciativas como coleta seletiva, compostagem e aterros.

“Tudo começa com a cobrança direta ao grande gerador de resíduos. Sem cobrança e arrecadação, não há saneamento. Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos são fundamentais. Se está na cultura local pagar água e esgoto, é preciso incluir a conta do lixo. É indispensável ainda olhar as dimensões territoriais brasileiras, porque existe um custo inevitável de transportes diferente do caso europeu, por exemplo. No Brasil ainda se tributa lixo reciclado e aqui poderia haver um incentivo. Hoje a logística reversa é custo, e deveria ser um negócio”, afirmou ele.

José Eduardo Ismael Lutti, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo e vice-presidente da Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, defende que o recurso público não pode e não deve bancar iniciativas que cabem às empresas. Para ele, logística reversa é obrigação legal de quem produz.

Resíduos Sólidos

“As prefeituras podem ser responsabilizadas por realizar ações de logística reversa que cabem às empresas. Na coleta seletiva, por exemplo, o cidadão dispõe o resíduo separado, a prefeitura coleta e o deposita em local pré-determinado – o restante é responsabilidade das empresas”, explicou ele. Lutti afirmou que a cidade de São Paulo pode perder, em cinco anos, até um bilhão de reais bancando responsabilidades que, em última análise, são das empresas no tratamento de resíduos sólidos.

Segundo dados de 2015 apresentados pelo procurador, cerca de 50% dos resíduos sólidos no Brasil são embalagens – no País todo, 5,5% das cidades, ou 304 municípios, têm mais de 100 mil habitantes, 45,7% têm planos para resíduos sólidos e 25% têm lixões. Um terço dos municípios brasileiros não tem receita própria e, no entanto, pagam pela gestão das embalagens repassando recursos públicos, dessa forma, para algumas grandes empresas multinacionais.

Um exemplo dado pelo procurador foi o de uma empresa do setor de água mineral que elabora um produto considerado Premium com embalagem de vidro que inclui componentes importados em sua composição, sem qualquer preocupação com a reciclagem. O faturamento teria sido da ordem de R$ 10 bilhões em 2015, com um crescimento anual da ordem de 20%. “É fundamental resgatar o valor econômico dos descartáveis e a lei diz que as empresas têm de estar atentas ao ecodesign. Para isso, elas devem investir no relacionamento com instituições de pesquisas, estabelecer metas e definir uma comunicação adequada”, completou ele.

O palestrante vê em um dado da Fiesp uma luz no fim do túnel: segundo a federação das indústrias paulistas, “empresas que não pensarem em reciclagem correm o sério risco de falência”.

Fonte: IPT

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