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MP do saneamento favorece a estruturação de novos projetos

Aguardada desde novembro de 2017, a MP do Saneamento foi finalmente promulgada no último dia 9 de julho.

Apesar das diferenças em relação às versões submetidas à consulta pública, a norma manteve seus fundamentos que, acaso confirmados por ocasião de sua conversão em lei, ampliarão a participação da iniciativa privada no setor, favorecendo a estruturação de novos projetos.

Inicialmente, a MP reconfigura a Agência Nacional de Águas (ANA), conferindo a ela novas funções. Merece destaque a competência para edição de normas de referência nacionais para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. Essas normas terão potencial para reduzir o casuísmo regulatório que contamina o setor de saneamento, no qual cada município tem autonomia para elaborar suas próprias soluções de modelagem contratual. Talvez o único padrão existente seja o estabelecido pelas companhias estaduais mais consolidadas nas restritas regiões em que atuam. Uniformidade regulatória e segurança jurídica eram demandas antigas de investidores e financiadores, interessados em mitigar custos de transação que não raramente inviabilizam os empreendimentos.

Para assegurar a efetividade das normas de referência nacionais, a MP condiciona o acesso a recursos federais e financiamentos concedidos por entidades controladas pela União ao cumprimento dos padrões estabelecidos: estados e municípios, ou empresas que com eles contratarem, quando resistirem ao acatamento das normas da ANA, poderão ser privados de repasses e linhas de crédito sem os quais poucos projetos de saneamento são financeiramente viáveis.

A ANA também passa a ser instância mediadora e arbitral para órgãos da administração pública: em caso de conflito entre municípios, estados e/ou suas respectivas agências reguladoras e prestadoras de serviço público de saneamento, a agência nacional poderá funcionar, mediante submissão voluntária e consensual de todos os envolvidos, como um verdadeiro e especializado tribunal arbitral permanente, vocacionado a compor conflitos regulatórios e/ou de competência especialmente entre entes federativos.

Inovação da MP

Outra inovação da MP se refere às regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões: nelas, o exercício da titularidade dos serviços públicos de saneamento foi atribuído ao colegiado interfederativo criado e constituído à luz do Estatuto da Metrópole. A providência põe fim a um conflito de competências que já levou ao ajuizamento de pelo menos três ações diretas de inconstitucionalidade em face de leis estaduais sobre serviços de saneamento em regiões metropolitanas.

Nos seus julgamentos, o STF havia então apontado para a necessidade de estados e municípios concertarem e compartilharem as decisões quando houver interesse comum nos projetos de saneamento. Ainda será discutida a forma de estruturar e configurar aqueles colegiados interfederativos, sobretudo suas regras de governança em matéria de direito de veto pelos participantes, situações de impasse e contribuições financeiras: precedentes de consórcios públicos serão úteis para orientar, por analogia, a modelagem dos acordos entre participantes, em que pese ser possível, nas funções públicas de interesse comum, reconhecer um papel mais determinante ao estado.

As companhias estaduais de saneamento passam a poder ser privatizadas sem que seus contratos de programa percam automaticamente vigência, cabendo aos municípios por elas atendidos a decisão entre anuir de anuir ou não com às novas condições para a continuidade da prestação. A situação é próxima à da autorização do poder concedente para a transferência do controle das concessionárias, sob pena de caducidade do contrato de concessão, no regime da Lei nº 8.987/95. Havendo anuência, pelo modelo da MP, a adesão às novas condições opera uma verdadeira conversão do contrato de programa, servindo o instrumento convocatório do leilão, no todo ou em parte, como fundamento para um termo aditivo que alterará significativamente o acordo original: o arranjo contratual entre o município aderente e a companhia estadual privatizada passa a se qualificar como concessão, entendendo-se aplicável a regra dos arts. 28 e 29 da Lei nº 9.074/95, pelos quais, no contexto de privatização, o poder concedente pode outorgar novas concessões sem efetuar a prévia reversão dos bens vinculados ao serviço público. Inexistindo anuência, os municípios reassumem os serviços delegados, mas com a obrigação de indenizar os investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados. A solução dada pela MP é, nesse ponto, imperfeita, já que a falta de cumprimento voluntário pode ensejar a emissão de um mero precatório municipal, com seus sabidos inconvenientes.

Procedimentos competitivos para a celebração de contratos de programa deixaram de estar automaticamente dispensados. Antes de optar pelos serviços de uma determinada companhia estadual de saneamento, os municípios deverão publicar chamamento para que outras empresas manifestem interesse e apresentem proposta mais eficiente e vantajosa: na hipótese de haver ao menos um interessado, ao lado da empresa estatal, a promoção da licitação será legalmente obrigatória. Essa é a única regra da MP que está sujeita a uma vacatio legis de três anos: enquanto todas as outras normas têm efeito imediato e geral, municípios e empresas estatais terão um longo período para adequar suas necessidades ou modelos de negócio, conforme o caso, à nova regra de concorrência.

Ainda muito distante das metas de universalização e de eficiência ecológica dos serviços de saneamento, o Brasil não pode prescindir de capitais privados para acelerar os investimentos em um setor que gera tantas externalidades positivas, como é o caso do saneamento básico. Seja na privatização de companhias estaduais, seja na modelagem de concessões, de parcerias público-privadas, de subconcessões ou de subdelegações, a MP do Saneamento tem um enorme potencial para dinamizar projetos novos, estruturados com mais estofo regulatório e espaço normativo para inovações inteligentes.

Autores: Rafael Vanzella e José Virgílio Lopes Enei

Fonte: Machado Meyer

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