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Saneamento: retomar concessão demanda mais que dinheiro. É preciso coragem

A Saneago detém, atualmente, os serviços de água e esgoto de 225 dos 246 municípios goianos, mas algumas cidades já quebraram o contrato e retomaram a responsabilidade

Marcos Nunes Carreiro

O artigo 30 da Cons­ti­tuição Federal do Brasil diz que é de com­petência dos mu­nicípios “legislar sobre assuntos de interesse local”. Ou seja, é dever dos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão, os serviços públicos”, como o saneamento básico – que envolve abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos, além de disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais.

Entretanto, em grande parte do Brasil, os municípios abrem mão de gerir esses serviços, terceirizando-os. Em Goiás, por exemplo, 91,5% (225) das cidades têm o fornecimento de água e serviços de esgoto concedidos à Saneamento de Goiás S.A. (Saneago). Nos outros 21 municípios, as tarefas estão nas mãos de consórcios ou foram retomadas pelas prefeituras, ao que se chama de municipalização do saneamento básico. É o caso de Senador Canedo e Caldas Novas.

A retomada da concessão em Senador Canedo, cidade com mais de 80 mil habitantes, aconteceu durante a segunda gestão do então prefeito Vanderlan Cardoso (hoje no PSB). O fornecimento é feito pela Agência de Saneamento de Senador Canedo (Sanesc), cujo diretor-presidente é Sizenando Cardoso Neto. Ele aponta que os custos para a retomada dos serviços de saneamento não são altos e que o projeto é viável para qualquer município.

“A prefeitura de Senador Ca­nedo, na época, teve competência para criar os próprios projetos, para então sair da fila da Saneago, que tem concessão em mais de 200 municípios. Dessa forma, conseguimos agilizar os processos e dar continuidade aos projetos. Prova disso é que praticamos um preço cerca de 20% mais baixo que Goiânia e ainda sim temos uma empresa funcional”, afirma.

Segundo Cardoso, 97% da população recebe o fornecimento de água tratada e a rede de esgoto está sendo formada. “Hoje, nós contamos com três captações, além de 40 postos artesianos, que corroboram com o sistema de captação. Mas estamos trabalhando para aumentar a captação até o ano que vem.” Dentre os projetos da Sanesc para este ano está o reservatório, que terá capacidade para 10 milhões de litros.

Fora isso, ele aponta que serão construídos quatro reservatórios de 1 milhão de litros em locais estratégicos. “Ou seja, estamos em franca expansão. E acredito que, assim como Senador Ca­nedo, outras cidades consigam retomar os serviços. Para isso é preciso que os municípios façam projetos e os levem ao Ministério das Cidades, que disponibiliza verbas para tal fim”, explica.

Por outro lado, na cidade de Morrinhos, município com pouco mais de 40 mil habitantes localizado a 128 quilômetros de Goiânia, a proposta de retomada dos serviços de saneamento não foi acatada. À época, o prefeito Cleomar Gomes de Freitas (PP) não achou que o projeto fosse viável. Ele diz que a taxa indenizatória para rescindir o contrato com a Saneago era muito alta.

Além disso, como explica ele, manter os custos de estruturação e manutenção dos serviços de água e esgoto seriam inviáveis para a prefeitura, mesmo que tivesse subsídio de verbas federais. “A prefeitura não tinha estrutura financeira nem de pessoal para arcar com os custos da municipalização. E na discussão, resolvemos renovar o contrato por mais 30 anos. Particularmente, eu acho mais vantajoso terceirizar esse tipo de serviço, pois a gestão municipal já tem muito com o que se preocupar”, relata o ex-prefeito.

“Retomar serviço melhora a qualidade do fornecimento”

Caldas Novas, cidade de aproximadamente 80 mil habitantes, conhecida é outro município cujo fornecimento de água potável é feito pela própria prefeitura. Os serviços foram retomados em 1995, com a criação do Departamento Municipal Água e Esgoto (Demae).

Flávio Canedo, que é presidente da autarquia há quatro anos, relata que assim que a empresa tomou a responsabilidade pelo serviço, a primeira ação foi refazer a estrutura deixada pela Saneago, pois a companhia utilizava os poços artesianos para o fornecimento, isto é, água quente.

“O município fez todo o investimento para fazer a canalização do Ribeirão Pirapitinga, que fica a uns 6 quilômetros da cidade e, assim, utilizar água potável, o que propiciou, consequentemente, que os níveis dos mananciais voltassem ao normal. Agora, a água quente é usada somente nos clubes. Hoje, nós temos cerca de 80% da população recebendo o fornecimento de água e 65% de esgoto. Construímos duas adutoras e a estação de tratamento de água, com qualidade superior a de Goiânia e com preço final em cerca de 30% mais barato”, relata.

Segundo o presidente, o sistema de municipalização de água é financeiramente viável para os municípios grandes, mas não tanto para os pequenos. Ele aponta que as cidades com menos habitantes geram prejuízo para a Saneago, que compensa essa perda financeira nas grandes cidades. “Assim, os moradores de Goiânia, por exemplo, pagam até 30% mais caro do que se o fornecimento fosse municipalizado”, argumenta.

Indenização

Duas questões levantaram maior polêmica no relacionamento das cidades que retomaram os serviços da Saneago: a primeira diz respeito à indenização exigida para que o contrato seja rescindido. O presidente do Departamento Municipal Água e Esgoto (Demae) de Caldas Novas, Flávio Canedo, relata que o montante cobrado é questionável.

“A Justiça já tem o entendimento de que grande parte do investimento aplicado pela Saneago é federal e que as ações empreendidas já foram pagas pela população. Logo, a empresa não tem direito a receber indenização”, declara. Contudo, a gerente de apoio ao relacionamento com o poder concedente da Saneago, Juliana Matos, rebate a afirmação dizendo que a indenização está de acordo com a lei atual. “A lei 11445, de 2007, é clara ao dizer que quando há investimentos ainda não amortizados o município deve pagar uma indenização relativa”, explica.

Ela relata que a indenização é legal, porque o prestador fez investimentos, que são pagos pela tarifa. Assim, se o contrato é quebrado, uma parte dos serviços realizados ficará sem compensação e por isso a indenização. “É o mesmo princípio de uma concessão de estradas. Há um operador que fez investimentos e será remunerado com o valor dos pedágios pagos pelos carros que ali passarem. No saneamento é da mesma forma, a tarifa paga. Se o contrato é rescindido, o município, que é dono do serviço, tem de devolver ao prestador aquilo que foi investido”, diz.

Subdelegações

No fim do ano passado, a Saneago abriu licitação para subdelegar parte dos serviços prestados em Aparecida de Goiânia, Trin­dade, Jataí e Rio Verde. Com a subdelegação, a empresa concede parte dos direitos de atuar nos serviços de saneamento das cidades e, por isso, Flávio Canedo declara que, com o ato, a Saneago corre sério risco de se tornar insustentável, sendo uma nova Celg daqui a pouco tempo. “As grandes empresas como a Odebrecht e os consórcios só entram nas cidades que dão lucro. Assim, a médio prazo a Saneago vai quebrar como a Celg quebrou. Por isso, seria melhor que os municípios municipalizassem de vez o fornecimento agregando também uma qualidade maior e um preço menor.”

Contudo, novamente a gerente de apoio ao relacionamento com o poder concedente da Saneago, Juliana Matos, rebate as afirmações. Ela explica que o saneamento é sustentado por um tripé: planejamento, operação e regulação. Nos municípios em que o fornecimento é terceirizado, a empresa fica com a responsabilidade de operar, mas o planejamento é exclusivo do município. Ou seja, a empresa contratada irá executar o que o município planejou, em que a remuneração é baseada na tarifa. Se ela for adequada, no final do contrato os valores investidos serão amortizados.

Juliana diz que os modelos de contrato anteriores à lei de 2007 – que são a maioria dos contratos da Saneago – foram validados pela nova lei e que desde então, a empresa está aguardando a posição dos municípios quanto ao planejamento. E Aparecida de Goiânia, Trindade, Jataí e Rio Verde se juntaram no planejamento e fizeram a mesma exigência: ter 90% de esgotamento sanitário e 100% de água tratada em cinco anos.

Porém, a gerente explica que a Saneago não consegue cumprir com esse prazo nas condições atuais e, por isso, subdelegou a viabilização dos recursos. “Mas a Saneago continua dona do contrato. Nós apenas pedimos ajuda para cumprir com a exigência que nos foi feita, isto é, foi a solução encontrada para realizar o trabalho”, aponta.

Segundo ela, depois que a prefeitura faz um planejamento, ela chama a Saneago para fazer o contrato. “O planejamento é aquilo que o município quer. A Saneago analisa os planos e verifica as condições de implantação. Se ela entender que é preciso um parceiro, isto é, que não consegue implementar o que o município quer no prazo determinado, isso é feito. É o caso atual de Aparecida de Goiânia, Trindade, Rio Verde e Jataí, que exigiram um investimento universal em cinco anos.”

Retomar fornecimento é viável para Goiânia?

No início do ano, durante sua posse, o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT) afirmou que haveria interesse da prefeitura em retomar da Saneago a concessão dos serviços de água e esgoto. De acordo com o prefeito, essa seria uma ação necessária para cumprir um dos compromissos assumidos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em convênio para o projeto Goiânia Cidade Sustentável.
Desde então, o vice-prefeito Agenor Mariano (PMDB) ficou responsável por coordenar um estudo a fim de verificar a possibilidade da retomada desses serviços por parte da prefeitura. Semana passada, o estudo foi terminado e um relatório entregue nas mãos de Paulo Garcia. Porém, o prefeito ainda não teve hábil para analisar a proposta e, por isso, não quis comentar o assunto.
Há de se analisar que o contrato de concessão dos serviços de saneamento com a Saneago vai até 2023. Se retomar o fornecimento, a prefeitura terá de pagar a indenização, além de investir pesado na manutenção e estruturação desses serviços, uma vez que a cidade tem mais 1 milhão de habitantes. Dinheiro não deverá ser problema. Como o ex-prefeito Iris Rezende (PMDB) afirmou à época das primeiras declarações, a prefeitura tem condições de manter o sistema funcionando e, oxalá, ainda melhorá-lo.
O que ficam são dois grandes questionamentos: a Prefeitura conseguirá manter o preço da tarifa ou baixá-lo, como disseram os gestores de outros municípios? E o que será da Saneago se perder a concessão da maior cidade do Estado?
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