Marcos Nunes Carreiro
O artigo 30 da Constituição Federal do Brasil diz que é de competência dos municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”. Ou seja, é dever dos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão, os serviços públicos”, como o saneamento básico – que envolve abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos, além de disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais.
Entretanto, em grande parte do Brasil, os municípios abrem mão de gerir esses serviços, terceirizando-os. Em Goiás, por exemplo, 91,5% (225) das cidades têm o fornecimento de água e serviços de esgoto concedidos à Saneamento de Goiás S.A. (Saneago). Nos outros 21 municípios, as tarefas estão nas mãos de consórcios ou foram retomadas pelas prefeituras, ao que se chama de municipalização do saneamento básico. É o caso de Senador Canedo e Caldas Novas.
A retomada da concessão em Senador Canedo, cidade com mais de 80 mil habitantes, aconteceu durante a segunda gestão do então prefeito Vanderlan Cardoso (hoje no PSB). O fornecimento é feito pela Agência de Saneamento de Senador Canedo (Sanesc), cujo diretor-presidente é Sizenando Cardoso Neto. Ele aponta que os custos para a retomada dos serviços de saneamento não são altos e que o projeto é viável para qualquer município.
“A prefeitura de Senador Canedo, na época, teve competência para criar os próprios projetos, para então sair da fila da Saneago, que tem concessão em mais de 200 municípios. Dessa forma, conseguimos agilizar os processos e dar continuidade aos projetos. Prova disso é que praticamos um preço cerca de 20% mais baixo que Goiânia e ainda sim temos uma empresa funcional”, afirma.
Segundo Cardoso, 97% da população recebe o fornecimento de água tratada e a rede de esgoto está sendo formada. “Hoje, nós contamos com três captações, além de 40 postos artesianos, que corroboram com o sistema de captação. Mas estamos trabalhando para aumentar a captação até o ano que vem.” Dentre os projetos da Sanesc para este ano está o reservatório, que terá capacidade para 10 milhões de litros.
Fora isso, ele aponta que serão construídos quatro reservatórios de 1 milhão de litros em locais estratégicos. “Ou seja, estamos em franca expansão. E acredito que, assim como Senador Canedo, outras cidades consigam retomar os serviços. Para isso é preciso que os municípios façam projetos e os levem ao Ministério das Cidades, que disponibiliza verbas para tal fim”, explica.
Por outro lado, na cidade de Morrinhos, município com pouco mais de 40 mil habitantes localizado a 128 quilômetros de Goiânia, a proposta de retomada dos serviços de saneamento não foi acatada. À época, o prefeito Cleomar Gomes de Freitas (PP) não achou que o projeto fosse viável. Ele diz que a taxa indenizatória para rescindir o contrato com a Saneago era muito alta.
Além disso, como explica ele, manter os custos de estruturação e manutenção dos serviços de água e esgoto seriam inviáveis para a prefeitura, mesmo que tivesse subsídio de verbas federais. “A prefeitura não tinha estrutura financeira nem de pessoal para arcar com os custos da municipalização. E na discussão, resolvemos renovar o contrato por mais 30 anos. Particularmente, eu acho mais vantajoso terceirizar esse tipo de serviço, pois a gestão municipal já tem muito com o que se preocupar”, relata o ex-prefeito.
“Retomar serviço melhora a qualidade do fornecimento”
Caldas Novas, cidade de aproximadamente 80 mil habitantes, conhecida é outro município cujo fornecimento de água potável é feito pela própria prefeitura. Os serviços foram retomados em 1995, com a criação do Departamento Municipal Água e Esgoto (Demae).
Flávio Canedo, que é presidente da autarquia há quatro anos, relata que assim que a empresa tomou a responsabilidade pelo serviço, a primeira ação foi refazer a estrutura deixada pela Saneago, pois a companhia utilizava os poços artesianos para o fornecimento, isto é, água quente.
“O município fez todo o investimento para fazer a canalização do Ribeirão Pirapitinga, que fica a uns 6 quilômetros da cidade e, assim, utilizar água potável, o que propiciou, consequentemente, que os níveis dos mananciais voltassem ao normal. Agora, a água quente é usada somente nos clubes. Hoje, nós temos cerca de 80% da população recebendo o fornecimento de água e 65% de esgoto. Construímos duas adutoras e a estação de tratamento de água, com qualidade superior a de Goiânia e com preço final em cerca de 30% mais barato”, relata.
Segundo o presidente, o sistema de municipalização de água é financeiramente viável para os municípios grandes, mas não tanto para os pequenos. Ele aponta que as cidades com menos habitantes geram prejuízo para a Saneago, que compensa essa perda financeira nas grandes cidades. “Assim, os moradores de Goiânia, por exemplo, pagam até 30% mais caro do que se o fornecimento fosse municipalizado”, argumenta.
Indenização
Duas questões levantaram maior polêmica no relacionamento das cidades que retomaram os serviços da Saneago: a primeira diz respeito à indenização exigida para que o contrato seja rescindido. O presidente do Departamento Municipal Água e Esgoto (Demae) de Caldas Novas, Flávio Canedo, relata que o montante cobrado é questionável.
“A Justiça já tem o entendimento de que grande parte do investimento aplicado pela Saneago é federal e que as ações empreendidas já foram pagas pela população. Logo, a empresa não tem direito a receber indenização”, declara. Contudo, a gerente de apoio ao relacionamento com o poder concedente da Saneago, Juliana Matos, rebate a afirmação dizendo que a indenização está de acordo com a lei atual. “A lei 11445, de 2007, é clara ao dizer que quando há investimentos ainda não amortizados o município deve pagar uma indenização relativa”, explica.
Ela relata que a indenização é legal, porque o prestador fez investimentos, que são pagos pela tarifa. Assim, se o contrato é quebrado, uma parte dos serviços realizados ficará sem compensação e por isso a indenização. “É o mesmo princípio de uma concessão de estradas. Há um operador que fez investimentos e será remunerado com o valor dos pedágios pagos pelos carros que ali passarem. No saneamento é da mesma forma, a tarifa paga. Se o contrato é rescindido, o município, que é dono do serviço, tem de devolver ao prestador aquilo que foi investido”, diz.
Subdelegações
No fim do ano passado, a Saneago abriu licitação para subdelegar parte dos serviços prestados em Aparecida de Goiânia, Trindade, Jataí e Rio Verde. Com a subdelegação, a empresa concede parte dos direitos de atuar nos serviços de saneamento das cidades e, por isso, Flávio Canedo declara que, com o ato, a Saneago corre sério risco de se tornar insustentável, sendo uma nova Celg daqui a pouco tempo. “As grandes empresas como a Odebrecht e os consórcios só entram nas cidades que dão lucro. Assim, a médio prazo a Saneago vai quebrar como a Celg quebrou. Por isso, seria melhor que os municípios municipalizassem de vez o fornecimento agregando também uma qualidade maior e um preço menor.”
Contudo, novamente a gerente de apoio ao relacionamento com o poder concedente da Saneago, Juliana Matos, rebate as afirmações. Ela explica que o saneamento é sustentado por um tripé: planejamento, operação e regulação. Nos municípios em que o fornecimento é terceirizado, a empresa fica com a responsabilidade de operar, mas o planejamento é exclusivo do município. Ou seja, a empresa contratada irá executar o que o município planejou, em que a remuneração é baseada na tarifa. Se ela for adequada, no final do contrato os valores investidos serão amortizados.
Juliana diz que os modelos de contrato anteriores à lei de 2007 – que são a maioria dos contratos da Saneago – foram validados pela nova lei e que desde então, a empresa está aguardando a posição dos municípios quanto ao planejamento. E Aparecida de Goiânia, Trindade, Jataí e Rio Verde se juntaram no planejamento e fizeram a mesma exigência: ter 90% de esgotamento sanitário e 100% de água tratada em cinco anos.
Porém, a gerente explica que a Saneago não consegue cumprir com esse prazo nas condições atuais e, por isso, subdelegou a viabilização dos recursos. “Mas a Saneago continua dona do contrato. Nós apenas pedimos ajuda para cumprir com a exigência que nos foi feita, isto é, foi a solução encontrada para realizar o trabalho”, aponta.
Segundo ela, depois que a prefeitura faz um planejamento, ela chama a Saneago para fazer o contrato. “O planejamento é aquilo que o município quer. A Saneago analisa os planos e verifica as condições de implantação. Se ela entender que é preciso um parceiro, isto é, que não consegue implementar o que o município quer no prazo determinado, isso é feito. É o caso atual de Aparecida de Goiânia, Trindade, Rio Verde e Jataí, que exigiram um investimento universal em cinco anos.”
Retomar fornecimento é viável para Goiânia?