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Capital aberto favorece investimentos

Apesar de os pagamentos de dividendos da Sabesp levantarem discussões sobre conflito entre interesse dos acionistas e população atendida pela companhia, que precisa dos investimentos no saneamento, o fato de ter capital aberto e remunerar seus acionistas está longe de ser seu maior problema. Há especialistas que apontam benefícios desse modelo institucional, como a maior facilidade para a empresa levantar recursos e acessar diferentes mercados.

O maior desafio da companhia – e de outras empresas que prestam serviços de utilidade pública e têm o governo como controlador -, dizem especialistas, é o risco político, que aumenta em períodos eleitorais.

Com o agravamento da situação de abastecimento de água no sudeste no último ano, a Sabesp passou a ser alvo de críticas tanto pela sua atuação na gestão dos recursos hídricos quanto pela forma como se organiza. Nas redes sociais, não é raro comentários dizendo que os interesses dos acionistas foram priorizados, ou que os valores pagos em dividendos poderiam ter sido direcionados a projetos para conter a crise.

Especialistas consultados pelo Valor, no entanto, entendem que o modelo institucional da empresa é benéfico em termos de capacidade de investimento, devido principalmente ao acesso ao mercado de capitais. Mesmo a Proteste, entidade de defesa do consumidor que está envolvida na discussão da aplicação da sobretaxa pelo aumento de consumo, diz que não tem críticas diretas ao fato de a empresa ser listada em Bolsa, mas sim à falta de comunicação transparente da Sabesp com seus consumidores.

Segundo o diretor financeiro e de relações institucionais da empresa, Rui Affonso, de 2004 a 2013, a companhia investiu R$ 16,8 bilhões. No mesmo período, o lucro da Sabesp foi de R$ 12,4 bilhões, dos quais R$ 8,4 bilhões foram retidos para investimento. A outra metade do montante investido foi obtida com endividamento, seja por fontes de financiamento públicas, brasileiras e internacionais, seja no mercado, com emissão de debêntures, por exemplo. O acesso diversificado ao crédito, diz Affonso, é um dos fatores que permitiram à empresa antecipar projetos necessários para lidar com a escassez de oferta de água. ‘O lucro não se contrapõe ao investimento’, afirma.

Outro ponto que o diretor levanta é de que boa parte do montante que é distribuído em dividendos vai para o Estado, seu principal acionista, com 50,3% de seu capital. A Sabesp costuma reter 66,7% do lucro para investimentos. Somando a isso ao valor pago ao governo estadual em dividendos, chega-se a aproximadamente 85% do lucro revertido em investimentos em serviços públicos, afirma o diretor da empresa.

O sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, que foi presidente da Sabesp entre 2007 e 2010, afirma que não existe um modelo ideal, mas cita que as cidades com melhores desempenhos em saneamento contam com companhias de capital aberto como suas operadoras. Se a companhia fosse pública e tivesse apenas repasses do Estado, diz, haveria o custo de oportunidade do dinheiro que, vindo para o setor de saneamento, deixaria de ir para outros, como educação, transporte e saúde.

Mauro Storino, diretor sênior da Fitch Ratings, diz que o setor de saneamento é intensivo em capital e que companhias abertas têm mais facilidade para obter recursos. Além de terem balanços auditados divulgados trimestralmente, essas empresas têm que prestar contas de suas atitudes aos investidores e aos órgãos reguladores. As dificuldades das demais companhias ficam evidentes na carência de saneamento básico pelo país. ‘Não é possível fazer investimentos no setor olhando apenas para a Caixa Econômica. As empresas precisam de apoio de terceiros e, hoje, poucas empresas têm condições de acesso a isso’, afirma.

Mas ele pondera que uma empresa não precisa ter ações em bolsa para conseguir se financiar com emissão de dívida, por exemplo. ‘Se a gestão da companhia for adequada, não é preciso ter capital aberto’. Ele cita como exemplo de empresas que são avaliadas pela Fitch para classificação de risco a Odebrecht Ambiental e a Águas do Brasil, que têm capital fechado.

O ‘Ranking Saneamento 2014’ feito pela entidade Trata Brasil utilizando dados de 2012 do Ministério das Cidades, mostra que entre os dez melhores municípios em termos de índices de saneamento, cinco cidades tem como operadores a Sabesp ou a Sanepar (veja na tabela acima).

Eliane Lustosa, vice-presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), enfatiza como benefício do capital aberto dessas empresas a transparência exigida pela regulação.

Além de estar submetida ao governo e suas instâncias regulatórias, a Sabesp é obrigada a divulgar os balanços e publicar todas as informações que possam impactar nos seus resultados financeiros. ‘A empresa aberta traz um pouco mais de transparência na prestação de contas’, afirma a vice-presidente do IBGC.

Isso, porém, não necessariamente se traduz em uma maior eficiência na comunicação com o consumidor da empresa. Para a coordenadora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci, para pedir que a população colabore com a redução de consumo e até mesmo com um pagamento de tarifa de contingência, a empresa precisa dizer de forma mais clara qual a situação a ser enfrentada. É necessário informar a gravidade da crise e investir em campanhas de conscientização, diz.

Uma das preocupações da sociedade civil está relacionada com decisões da companhia sobre exploração da água, que é um recurso natural finito. Desde 2010, está sendo retirado do Cantareira mais água do que a quantia que entra, o que resultou na redução do nível do reservatório nos últimos anos. Apesar de os institutos de meteorologia não terem previsto a crise atual, talvez a Sabesp não tivesse disponibilizado tanto volume de água aos seus clientes nos últimos anos se não tivesse o lucro como um objetivo, o que poderia ter poupado um pouco o sistema.

Eliane Lustosa, do IBGC, destaca transparência exigida pela regulação como benefício do capital aberto das empresas (Foto: Leo Pinheiro/Valor)

 

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