Cobertura caiu de 93,71% para 82,11%, uma redução de 12,38%. Falta investir em saneamento
Abrir a torneira e receber água em boa qualidade é realidade de quase toda a população do Distrito Federal. Entre mais de cinco mil municípios brasileiros, a capital ocupa o 31º lugar do ranking de saneamento do Brasil, mas neste Dia Mundial da Água, nem tudo é comemoração. O atendimento de esgoto teve o maior retrocesso do País, a perda de água aumentou, e os recursos investidos no setor foram reduzidos. Enquanto isso, áreas carentes da cidade sofrem com falta de água e esgoto.
Com base nos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS) informados pelas empresas operadoras de água e esgotos dos municípios brasileiros ao Governo Federal, o estudo mais recente do Instituto Trata Brasil constatou que apenas seis cidades em todo o Brasil têm 100% de coleta de esgoto.
O DF não é um deles. Pelo contrário, teve o maior retrocesso nesse quesito entre as capitais de 2010 a 2014, quando o índice da população atendida pela Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) passou de 93,71% para 82,11%, uma redução de 12,38%. Apesar disso, todo o volume coletado é tratado.
Índice de perda
No último levantamento, divulgado no ano passado, o DF tinha o melhor índice de perda de distribuição de água (27,27%). De lá para cá, a situação parece ter estagnado. Mesmo com ligeira diminuição do índice, para 27,10%, a região caiu para o 13º lugar. Em primeiro, com 14,08%, está Limeira (SP).
Marco Antônio Almeida Souza, mestre em saneamento e doutor em Engenharia Ambiental, vê a associação direta das reduções com queda de investimento. O levantamento do Trata Brasil revela que a proporção de investimento no setor a partir do montante arrecadado pela Caesb caiu de 17,9% para 11,9%.
“O Dia Mundial da Água tem muito a ver com o tratamento do esgoto no Brasil e, no DF, os números são muito bons. Me assustei com o retrocesso do serviço de coleta. Se o investimento diminuiu, a cobertura de rede de água e esgoto também”, acredita.
Maxwell Paiva, gerente de Gestão Estratégica e Desempenho Empresarial da companhia, explicou que a redução de investimento tem relação com diversos fatores: “A Caesb vive de receita própria ou recursos externos e, nos últimos anos, caiu o acesso a esses investimentos de órgãos financiadores. Embora seja empresa pública, se submete à licitação e controle, fatores macroeconômicos e, claro, a diminuição do valor monetário”.
Gato para ter água em casa
“O pior já passou. Hoje estamos perto do céu”, diz Neusa Coelho, 39 anos. Moradora da Chácara Santa Luzia, na Cidade Estrutural, mãe de seis filhos, ela puxa, de forma irregular, a água do encanamento da parte alta da região. Mas, há alguns anos, precisa encher recipientes para garantir o abastecimento.
“Passei um ano de perrengues. Não dava para estocar, acabava logo. Estava grávida, perto de ganhar o bebê, quando resolvi fazer o gato. Eu mesma cavei”, conta. Apesar disso, seus problemas não acabaram. Geralmente, não há água durante o dia. Aos fins de semana, a situação é pior. Louças e roupas se acumulam. No banheiro, sem tratamento de esgoto, o conteúdo do vaso sanitário vai para uma fossa.
Perto dali, a cabeleireira Luana Silva, 31 anos, fala sobre doenças pela má qualidade da água: “A gente vive doente. Tempos atrás teve um surto de diarreia que atingiu criança, adulto, idoso, todo mundo. A água sempre tem um gosto ruim”. Quando chove, ela evita sair de casa. “A fossa do banheiro enche de água e transborda. A gente não sabe o que pisa”, reclama.
“Lá em casa, a gente filtra a água. Não dá para confiar. Tudo é muito complicado”, lamenta Rosania Lima, 40 anos, funcionária da Fábrica Social. Como os vizinhos, ela lembra que boletos da Caesb, por muito tempo, chegavam pelo Correios, mesmo sem endereço, estrutura ou água tratada. Situação semelhante enfrentam moradores de outras áreas invadidas no DF.
Caesb: “metodologia própria”
Usando metodologia própria de cálculo criada em 2013, a Caesb nega redução do número de habitantes efetivamente ligados à estrutura da empresa. Pelo contrário, diz que, de 2010 a 2014, o crescimento foi superior a seis pontos percentuais, passando de 78,38% a 82,11%. Em 2015, o número chegou a 84,51% – índice ainda não coletado ou publicado pelo Ministério das Cidades.
“O sistema de cadastro comercial foi modernizado, possibilitando o georreferenciamento e reduzindo a imprecisão do cálculo. A Caesb, na verdade, melhorou a confiabilidade e a exatidão da informação”, explicou Maxwell Paiva, gerente de Gestão Estratégica e Desempenho Empresarial da companhia, ressaltando que 85% do esgoto tratado recebe o melhor sistema.
Paiva minimiza a queda no ranking de perda de água, que passou da liderança para 13º. “O índice tem de ser avaliado pela premissa de quanto menor, melhor. E evoluiu em relação ao último levantamento”, afirmou. Ele ressalta que a Caesb empreende ações para reduzir perdas, inclusive com a criação de uma área estratégica específica na estrutura organizacional para gerir o Programa de Redução e Controle de Perdas.
Recentemente, informou, a companhia firmou contrato de financiamento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento para investir U$S 54 milhões nos próximos quatro anos do programa.
A Caesb atua em todo o território distrital regular urbano e rural. Um problema seriam as ocupações irregulares. “Nós não podemos entrar, por ordem legal, nas áreas invadidas, como alguns setores de Arniqueiras, Pôr-do-sol, Sol Nascente e Vicente Pires. São áreas de difícil controle”, explicou Paiva.
Mais que fechar a torneira
“Uso racional e conservação de água são coisas muito maiores do que fechar a torneira. É uma questão maior, de racionalidade. Estamos lavando carro, irrigando jardim com água potável fluoretada”, critica o especialista Marco Antônio Almeida Souza. No entanto, ele diz não haver alternativa técnica ou tecnológica para fazer o uso racional da água nesse sentido.
“Se a água é tão valiosa, não tinha que economizar em pesquisas que solucionem esse problema, como reuso em grande escala”, opina. Ele lembra, ainda, que drenagem urbana e lixo devem ser considerados na celebração dessa data porque interferem diretamente na qualidade do recurso hídrico, como na mistura com esgoto pelas enxurradas.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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