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Prefeitura inicia projeto de concessão para coleta de esgoto em Jacarepaguá

RIO – Desde que começou a pagar as contas de casa, Antônio Couceiro precisa arcar, entre outras obrigações, com a taxa de esgoto mensal. A sensação dele, porém, é que a quantia de dinheiro vai diretamente para o ralo. Sem ligação à rede da Cedae, o esgoto de sua residência é despejado no Rio Pechincha, que passa na Avenida do Comerciário, onde Couceiro. A situação é facilmente flagrada por qualquer transeunte e é a mesma dos edifícios do entorno, na região de Portugal Pequeno, em um cenário que explica os números de saneamento básico de Jacarepaguá, onde cerca de 40% das residências, segundo a Cedae, não são atendidas por rede formal de esgoto.

— Nunca soube exatamente o motivo da cobrança, já que não vejo tratamento — diz Couceiro, ao olhar para o rio que atualmente pode ser considerado um valão de dejetos.

A fim de reverter o quadro, a prefeitura autorizou, no último dia 17, o início dos estudos para a concessão de esgoto da AP 4.1, que compreende os bairros do Anil, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul, Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara e Vila Valqueire. Em 70 dias, as empresas Águas do Brasil e Aegea, que apresentaram as melhores propostas, terão que desenvolver projetos de estruturação do serviço, tanto financeiro quanto técnico. Ao final, serão marcadas consulta e audiência públicas para, então, começar o processo licitatório.

— Acreditamos que o modelo de concessão é o mais eficiente. Apesar de a Cedae viver um momento de reequilíbrio de suas contas, sua capacidade de investimento não é tão alta e ainda depende de linhas de crédito do Governo Federal. E a Cedae não vai perder a autonomia no fornecimento de água; será vantajoso para ela. Com aumento da eficiência no saneamento, diminui-se a inadimplência de toda operação comercial — explica o secretário de Coordenação de Governo, Pedro Paulo, que acredita que as obras comecem no primeiro semestre de 2016. — Nessa primeira fase será feito o diagnóstico da situação, e aí conseguiremos mensurar o tamanho do serviço que precisa ser feito.
Antônio Couceiro paga taxa de esgoto, mas não vê tratamento – Pedro Kirilos / Agência O Globo
Apesar da necessidade de estudos técnicos para se estruturar todo o projeto de saneamento básico, não é difícil perceber que há muito para avançar. Vizinha de Antônio Couceiro, Hilda Marques, moradora do bairro há 56 anos, diz que se lembra dos rios do bairro ainda limpos, com peixes.

— Eu tomava banho no rio. Hoje, é inimaginável. A situação vem piorando desde a construção de um condomínio de prédios aqui em frente, há cerca de cinco anos — diz.

Arquiteta, urbanista e especialista em ecologia urbana, a moradora da Freguesia Gisela Santana acompanha, há tempos, o degradado cenário ambiental da região. O crescimento imobiliário do bairro, impulsionado desde 2006, sem a infraestrutura necessária, diz, é a principal causa do problema.

— O auge foi entre 2011 e 2012, quando a Freguesia produzia mais unidades habitacionais que a Barra inteira. A ocupação foi desordenada, e existe muita ligação clandestina — explica Gisela, cujos números são embasados pelo Censo, que mostrou crescimento de cerca de 30 % da população de Freguesia entre 2000 e 2010.
Gisela Santana em frente à Estação de tratamento do Arroio Fundo; “paliativo” – Hudson Pontes / Agência O Globo
Gisela também critica as obras de canalização dos principais rios de Jacarepaguá, feito pela Rio Águas, a partir de 2012. O objetivo foi agilizar o escoamento da chuva e evitar inundações, mas, para a arquiteta, o concretamento não foi a melhor decisão.

— Ao cimentar um rio, e remover a sua mata ciliar, perde-se o filtro natural do curso d’água — afirma.

A opinião é compartilhada por Núbia Correa, gestora ambiental e coordenadora da comissão de meio ambiente de Jacarepaguá:

— Fui da comissão de acompanhamento das obras de macrodrenagem da Rio Águas. Na época, eu já era contra concretar os rios; o mundo inteiro está fazendo o processo contrário, replantando próximo às áreas alagadiças. O Rio Sangrador, por exemplo, foi descaracterizado. E, como não há manutenção, as enchentes já voltaram a ocorrer. Todo prédio, a partir de um mínimo de apartamentos, precisa ter sua estação de tratamento; mas a maioria dos condomínios não liga suas estações à rede por causa do alto custo. O maior problema é a falta de fiscalização.

A Cedae, no entanto, diz que Portugal Pequeno é totalmente coberto por sua rede de coleta, e, portanto, a cobrança da taxa de esgoto é legal.

POLUENTES DESAGUAM NAS LAGOAS DA BARRA

O problema de saneamento básico de Jacarepaguá não afeta apenas o bairro, mas toda a região no entorno, já que grande quantidade de esgoto é despejada nos rios que deságuam nas lagoas da baixada.

— As lagoas de Camorim, Jacarepaguá, Tijuca e Marapendi estão totalmente poluídas por causa do lixo que chega pelos rios mortos e podres, como Arroio Fundo e Rio das Pedras. Não adianta fazer um projeto de desassoreamento, se não resolvermos o despejo de esgoto — explica o ambientalista Mario Moscatelli.
Lixo no Rio Sangrador – Pedro Kirilos / Agência O Globo
Promessa nos encargos olímpicos, a construção de unidades de tratamento de resíduo nos principais rios da bacia hidrográfica de Jacarepaguá deverá ser feita pelo estado, diz Pedro Paulo. Atualmente, existe uma unidade no Arroio Fundo, o que não é suficiente para filtrar os poluentes que deságuam na Lagoa de Jacarepaguá.

— A estação é um instrumento paliativo; é enxugar gelo, porque não trata da origem — diz Gisela, que também questiona o processo químico de tratamento de esgoto, utilizado na estação. — Não é o ideal. Deveria ter um tratamento ecológico, com biodigestores, o que seria mais eficiente e menos oneroso no longo prazo. Já existem várias experiências assim na Escócia, Indonésia e América Latina. Não sei se há conhecimento suficiente para se aplicar em grande escala, no Brasil, mas é um setor que merece maior atenção, e, como estamos em uma fase de estudos, acho que seria uma excelente oportunidade para verificar alternativas mais ecológicas e sustentáveis.
Além da falta de tratamento do esgoto, Antônio Couceiro precisa conviver com os resquícios da obra de canalização do Rio Pechincha. A ausência de acabamento do serviço deixa marcas até hoje.

— A rua está cheia de buracos e as calçadas quebradas, é como se tivessem abandonado a obra. Quando chove fica um lamaçal.

A Rio Águas informa que o trecho citado está em “perfeito estado”, mas fará vistoria no local. Em relação à efetividade das canalizações, o órgão afirma que não houve registros de inundações e que o “projeto atendeu às expectativas”.

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