saneamento basico

Gerente da Sanasa vê dificuldade para abastecimento de Campinas em 2015

Foco das denúncias de corrupção na administração do ex-prefeito Hélio de Oliveira Santos, a Sanasa voltou a ficar sob intenso holofote em 2014. Por causa da crise hídrica, a empresa responsável pelo fornecimento de água em Campinas (SP) foi obrigada a dar respostas para atender a demanda da população e, com a escassez no Rio Atibaia, onde é feita a captação para 95% do município, além de um Cantareira em falência, o frágil sistema para reserva própria ficou exposto. O resultado foi o colapso no abastecimento no mês de outubro, quando a maior parte da cidade ficou com as torneiras secas.

Em entrevista ao G1, o gerente de Planejamento e Projetos da Sanasa, Rovério Pagotto Junior, detalhou os planos da Sanasa para conseguir dar fôlego ao Rio Atibaia nos períodos de seca sem depender necessariamente do Sistema Cantareira. Na avaliação do engenheiro, não é possível garantir que a cidade terá abastecimento ininterrupto em 2015, principalmente quando a estiagem reiniciar. “A gente sempre achou que aqui tinha fartura de tudo, mas não é assim. Hoje temos essa noção com a água. Achavam que nunca ia faltar, [inclusive] as empresas de saneamento. Todas [achavam]”, disse, em conversa no mês de dezembro.

Se seguir o padrão [de clima], é bem possível que nós vamos ter dificuldades maiores do que este ano em 2015″

Rovério Pagotto Junior, gerente de Planejamento e Projetos da Sanasa
No ano que vem, a Sanasa planeja, se não concluir, ao menos avançar em projetos que deixariam a situação de Campinas mais confortável em relação à crise hídrica. Entre eles está o lançamento da água de reúso antes dos pontos onde a cidade capta nos rios Atibaia e Capivari, chamada de recarga de manancial; e a busca de verba para construção de uma represa própria de água bruta. Contudo, as medidas não terão efeito prático no ano que vem.

Para 2015, está prevista a expansão dos reservatórios em bairros e também é avaliada uma obra para mudar o enrocamento no ponto onde a Sanasa faz a captação no Atibaia. A medida, segundo Pagotto Junior, consiste em descer mais 80 metros a barragem de pedras para aumentar a bacia d’água. Mas as intervenções com conclusão prevista para o ano que vem pouco amenizam a perspectiva. “Se seguir o padrão [de clima], é bem possível que nós vamos ter dificuldades maiores do que este ano”, afirmou o gerente de Planejamento. Confira trechos da entrevista

G1: Parte da população questiona por que, em meio à crise hídrica, a Sanasa não aplica um esquema de racionamento na cidade. Sem um reservatório de água bruta faz sentido que Campinas tenha restrição programada no abastecimento?
Rovério Pagotto Junior: Um dos principais motivos é a falta de um reservatório mesmo, a gente tira do rio a água. Então, tendo água, por que racionar? O que a gente tentou desenvolver é um perfil do uso racional e a população teve uma resposta fantástica a isso. O que percebemos é que o consumo da população mudou, caiu bastante. Isso, com todas as medidas que a Sanasa já adotou para enfrentamento da crise, fez com que a gente conseguisse manter a cidade abastecida. […] Acho que tem que ser uma mudança de cultura tanto do consumidor quanto de quem trabalha no saneamento. […] A gente está buscando um reservatório, encontramos uma área, mas não é barato e não é rápido. Por que a Sanasa nunca fez isso? Porque nunca aconteceu uma coisa nem próxima disso. Nunca. Tenho 29 anos na Sanasa, vou fazer em janeiro, e eu nunca vi. A menor vazão que a gente encontrava no rio em frente a captação era 7 m³. Foi difícil, foi. Mas nada, nada perto do que está acontecendo hoje

G1: O sr. acha que para uma cidade de um milhão de habitantes, localizada em um pólo industrial, não é muito frágil um sistema de abastecimento que depende basicamente de tirar água dos rios Atibaia e Capivari? Um reservatório não deveria ter sido pensado há 20, 30 anos?
Por que a Sanasa nunca fez [um reservatório de água bruta]? Porque nunca aconteceu uma coisa nem próxima disso. Nunca. Tenho 29 anos na Sanasa, vou fazer em janeiro, e eu nunca vi. A menor vazão que a gente encontrava no rio em frente a captação era 7 m³”
Rovério Pagotto Junior: Deveria ter sido pensado. Esse é um investimento alto. Há 30 anos, a gente não tinha nem rede, nem cobertura. O que era importante, fazer o reservatório e atender as pessoas com água encanada. Colocar rede de esgoto… Então, são as prioridades. Nós não tínhamos uma moeda que nem o real que você sabe que pode fazer planejamento, que é uma moeda que se mantém. […] Você não conseguia planejar [por causa da inflação]. Nunca tivemos uma crise que fizesse jus deixar de investir em rede, atender a população com ligações, melhorar essa condição, para investir em uma represa. Porque percebia-se que [os rios] Jaguari, Capivari e Atibaia tinham uma vazão suficiente. Até a mais, passava muita água. Essa tendência começou a mudar. Nós já pensávamos, tínhamos estudado fazer reservatórios, mas aí pensamos em controlar as perdas. […] A Sanasa conseguiu reduzir de 37% para 19% hoje [as perdas]

G1: A diminuição de perdas d’água na rede sempre foi um dos focos da Sanasa. Economicamente é mais positivo para a empresa trabalhar em perdas do que em um reservatório?
Rovério Pagotto Junior: Na verdade, eu acho que a Sanasa agora tem que trabalhar nas duas pontas. Não se pode mais desperdiçar água, não é porque tem reservatório. Devemos continuar os investimentos em controle de perdas para gente atingir níveis cada vez menores. O que a Sanasa está fazendo para inovar… Foi a primeira cidade na América Latina a transformar esgoto em água para reúso. […] O que a gente gostaria de fazer com isso? Recarga de manancial. Agora, como fazer isso? Porque o desconhecimento ainda é grande dos técnicos e da população. A gente precisa pesquisar, conscientizar, mostrar que isso é seguro. Queremos fazer pilotos na estação e analisar toda essa evolução e mostrar a segurança que é fazer essa recarga. A ideia é fazê-la no Atibaia e no Capivari.

G1: A medidas previstas pela Sanasa para amenizar a crise hídrica, como recarga de mananciais, construção de reservatório, em prazos otimistas vão ocorrer apenas a médio prazo. Hoje a cidade tem dependido da chuva para não ter uma situação como a de outubro, mas em 2015 o período de estiagem vai recomeçar. Qual é a perspectiva do sr. em relação a situação do ano que vem, quando iniciar a época de seca? É possível garantir que o município será 100% abastecido?
Rovério Pagotto Junior: Não. Não dá para garantir. Eu não sei como vai ser o comportamento do rio. […] O que a gente percebeu nas chuvas de novembro e dezembro é que elas não estão conseguindo recuperar o Cantareira. Um das ações que a gente está querendo ver se implanta é aumentar um pouco os reservatórios de água tratada. Esse enrocamento para aumentar essa bacia [no rio Atibaia]. O reservatório [de água bruta] não conseguimos para o ano que vem. A recarga de manancial eu também acredito que não dê para fazer porque são obras mais ou menos de 12 a 13 meses. E o problema é esse, a gente tem tido reflexo no faturamento. Não tem linhas de financiamento […] A gente sabe o que fazer, mas precisa de recurso. Se tivesse, já era meio caminho andado. […] Aí não consegue desenvolver um projeto, vem a lei 866 (regras para licitações), tem que definir menor preço, fazer licitação, isso é muito engessado no país. Certas ações precisam ser imediatas. Eu defendo isso, até conversar com promotoria, tem certas coisas que a gente deveria fazer em caráter emergencial como foi feito no Cantareira. Por que? Porque existem famílias que vão sofrer. Não vejo motivo nenhum para que se tenha que fazer licitação. Todo mundo precisa entender a situação, é crítica precisa de ações e infelizmente fica todo mundo inerte porque não existe no país, nos órgãos controladores, uma postura de falar ‘gente, precisamos tomar atitude’.

G1: O que o sr. defende é a dispensa da licitação?
Rovério Pagotto Junior: Não dispensar licitação, mas tem certas coisas, por exemplo, recarga de manancial. Não é qualquer empresa que saiba fazer isso. Porque você está com uma ETE, tem que mantê-la em operação, vai transformar ela em terciário para reúso com membrana, e vai fazer uma adutora. A adutora qualquer [empresa] uma sabe fazer, poderíamos licitar a adutora, mas o retrofit não. Então as pessoas precisam ter conhecimento do que a gente está falando para entender o porque a gente precisa fazer com quem realmente sabe. […] Você não pode fazer uma licitação dirigida, então não tem saída. […] Não quero fazer nada ilegal, não é isso que estou falando. Mas a gente deveria estar tomando medidas que as vezes não passam por licitações, que amenizariam problemas. Eu poderia estar em execução com essas obras já ter um enfrentamento da crise melhor em 2015.

G1: Na sua avaliação o ápice da crise em 2015? Acha que a situação em Campinas será ainda pior do que aquela em outubro de 2014?
Rovério Pagotto Junior: O que eu percebo, nós começamos janeiro com o Cantareira com um percentual de volume. Janeiro do ano retrasado era maior, desse ano menor e o de janeiro [de 2015] será bem menor. Eu não sei como vai ser o comportamento das secas.

G1: E seguir seguir o mesmo padrão?
Rovério Pagotto Junior: Se seguir o padrão é bem possível que nós vamos ter dificuldades maiores do que este ano. Do que em outubro… Isso é uma previsão, pode não acontecer, como pode acontecer. Por isso que o planejamento é importante, porque você cria cenários.

G1: A crise hídrica obrigou uma mudança de mentalidade no planejamento?
Rovério Pagotto Junior: A gente precisa pensar no ciclo completo. Hoje fazemos reúso não planejado. […] O que a gente defende agora é o reúso planejado, que é definir um padrão de tratamento para o esgoto. As ETAs (Estação de Tratamento de Esgoto), que hoje trabalham em todas as cidades do país, é tecnologia de 100 anos. Precisamos investir em ETA. O manancial mudou porque não houve planejamento no crescimento, foi todo desordenado e invadiu APP (Área de Proteção Ambiental). Todo mundo permitiu. A sociedade permitiu. A população mais carente invadiu essas áreas, mataram mata ciliar, nós não fazemos replantio, acabamos com a Mata Atlântica. Por causa de crescimento. Estamos acabando com a Amazônia, então está transformando o clima. Se tem aquecimento [global], não estou entrando nessa polêmica, mas que as chuvas mudaram… As chuvas existem, ela só mudou de lugar. E essa mudança de lugar fez com que alterasse todo o jeito que a água corre na natureza. Ou se faz replantio da mata para resfriar o Estado de São Paulo, ou se vai lá na Amazônia. Precisa planejar. Isso não está na nossa alçada, quem precisa pensar isso talvez seja o Ministério do Meio Ambiente, a ANA (Agência Nacional de Águas), os órgãos federais.

G1: A Agência Nacional de Águas prepara regras para restringir a captação no Rio Atibaia. A Sanasa prepara algum esquema de rodízio de água à população para conseguir atender as medidas?
O manancial mudou porque não houve planejamento no crescimento, foi todo desordenado e invadiu Área de Proteção Ambiental. Todo mundo permitiu. A sociedade permitiu”
Rovério Pagotto Junior: A Sanasa tem um plano de rodízio que foi estabelecido quando o rio chegasse em Valinhos com uma vazão de 4m³. Ao longo desses meses crise, a empresa fez tanta mudança de paradigma, de cultura do dia a dia, que já conseguiu atender a população até com 2,7 m³. O que estamos pensando é em melhorar a nossa captação. Afastar o enrocamento mais 80 metros para baixo, aumentar nossa bacia, com isso eu melhoro as seis captações que eu tenho e consigo melhorar até a dosagem de cloro porque eu dou uma condição melhor dentro dessa bacia.

G1: E o sr. concorda com a restrição?
Rovério Pagotto Junior: Não. Porque, primeiro, acho que a restrição tem que acontecer aonde nasce os rios. Então o primeiro lugar que a ANA deveria fazer restrição é lá no Cantareira. Ela começou nos rios, no PCJ (Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), então se ela viesse lá de cima para baixo eu concordaria.

G1: O sr. é favorável a quem gasta mais água pagar mais caro e, por outro lado, dar desconto em caso de economia?
Rovério Pagotto Junior: Não tenho uma posição sobre isso. Eu acho que a água, em relação a outros bens que a gente consome com abundância, é barata. Isso faz com que as pessoas não tenham uma noção do que pode e o que não pode se fazer com a água.

G1: Em 29 anos de Sanasa, já viu uma situação de escassez d’água tão crítica quanto a atual?
Rovério Pagotto Junior: De crise hídrica nunca. O que a gente enfrentou aqui… Você me perguntou por que a Sanasa não investiu em um reservatório [de água bruta]… A Sanasa mudou completamente o perfil. Sempre quando vinha o verão a gente tinha que fazer algum trabalho de racionamento, porque a gente não tinha sistema, então a empresa investiu muito nisso, criou um anel de água tratada que possibilita uma flexibilidade operacional, ela consegue mudar a água dentro da cidade da maneira como quer. Até fazer gente fazer esse reservatório era crítico, a gente tinha que estudar plano verão, plano não sei o que, mas nada de falta d’água. Falta d’água foi a primeira vez que a gente viu, sentiu, mas nós estamos enfrentando. Estamos buscando alternativas, essa proposta de fazer o reservatório [de água bruta] é extremamente importante. Precisamos conseguir recursos.

G1: Qual é a lição que a crise hídrica deixa para empresas de saneamento e população?
Rovério Pagotto Junior: Acho que essa crise, a primeira coisa que todo mundo tem que perceber é que a água é finita. Então o desperdício está proibido. A água que eu falo não é só a água tratada, é esgoto. Tudo é água. Tem a água do rio, a água tratada, o esgoto. Se a gente conseguir criar esse ciclo, a eficiência da companhia vai ser: quanto menos perda ela tiver, menos ela vai ter que precisar de uma fonte, seja rio, represa. Isso vem para enriquecer a engenharia de saneamento. […] A gente vai ter que sair da situação cômoda e buscar agora criatividade de como enfrentar e trabalhar com isso.

Fonte e Agradecimentos: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2014/12/gerente-da-sanasa-ve-dificuldade-para-abastecimento-de-campinas-em-2015.html

Últimas Notícias: