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IPCA alcança 10% este ano, mas deve diminuir, alerta ex-BC

Após começar o ano mais otimista do que a média do mercado, o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes refez suas contas e agora estima que o ajuste fiscal e monetário, a quebra geral de confiança e o recuo no volume de exportações devem levar o país “para a pior recessão dos últimos 25 anos”. O quadro, segundo ele, é grave. O PIB deste ano deve contrair 2,5%, com uma inflação próxima de 10% – isso se o dólar se comportar ao redor de R$ 3,05.

A tal da tempestade perfeita, “tão cantada em prosa e verso no mercado financeiro”, diz ele, está acontecendo mesmo no setor real da economia. Sinal disso é o comportamento da indústria, que só deve voltar aos níveis de 2013 em 2020. Antes disso, porém, a economia deve se recuperar.

Para o hoje sócio da Macrométrica, o PIB volta a crescer 3% em 2017, com inflação em 5% já no ano que vem. Justamente por isso, o BC se encontrará em situação delicada em 2016, quando talvez opte por não baixar os juros acompanhando os passos do banco central americano quando, na verdade, deveria olhar a atividade local.

Sobre o quadro político, Lopes avalia ainda que a presidente deve concluir o mandato “tranquilamente”, pois a briga política mira 2018. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O senhor se mantinha mais otimista que a média do mercado, prevendo alta de 0,5% para o PIB de 2015 até meados de março. O que mudou?

Francisco Lopes: O exercício de prever o futuro envolve atualização permanente. Quando se faz projeções, a única coisa garantida é que se erra. Mas se pode tentar não fazer erro desnecessário, trabalhando com o máximo de informação do passado recente e do presente. Assim, à medida que as informações vão aparecendo, vamos introduzindo no nosso modelo de projeção, que é um modelo de grande porte com umas trezentas equações e vendo o que ele está dizendo. E o que ele está dizendo é que o cenário está piorando. Espero uma queda do PIB próxima a 2,5% em 2015. A impressão que eu tenho é que caminhamos para a pior recessão dos últimos 25 anos – acho que tivemos uma queda de 2,5%, talvez, no Plano Collor. E, curiosamente, esse resultado não surge com um fator claro de explicação de grande porte, como uma crise cambial seriíssima, fuga de capitais ou um terremoto.

Valor: O que está acontecendo?

Lopes: O indício de que essa desaceleração é muito grave é o comportamento da produção industrial de bens de consumo não duráveis, que inclui alimentos, farmácia etc. É o setor de maior peso na indústria de transformação, que costuma seguir mais ou menos estável, mas que deve ter uma queda de 6,5% em 2015. Estamos no fundo do poço nesse segmento, o que é um dado muito impressionante porque, em 2009, por exemplo, tivemos crise mundial. Isso significa que está havendo destruição de massa salarial. Nossa projeção para a massa real de salários da indústria é de queda de 7%. O foco dessa recessão é na indústria, cuja queda deve chegar a 8% em 2015. Então, a tempestade perfeita, tão cantada em prosa e verso no mercado financeiro, na verdade está acontecendo no setor real da economia. A ideia é que se tem uma série de pequenos fatores e cada um deles em si não seria nada grave, mas juntos… Estamos produzindo a mais grave recessão dos últimos 25 anos sem nenhuma grande causa.

Valor: Quais são os fatores que resultaram na crise atual?

Lopes: Essa crise começou em 2014 com uma combinação de três fatores: um externo que é uma queda no quantum de exportações muito forte principalmente em duráveis e bens de capital e que tem muito a ver com a indústria automobilística. Nossa projeção para a produção de veículos é de queda de mais 17% neste ano, após queda de 15% em 2014. Há ainda um problema de tremenda quebra de confiança e de expectativas e isso aparentemente levou a uma paralisação de projetos de um modo geral. E o terceiro componente a afetar a economia é o ajuste fiscal e monetário. Do lado fiscal, a recessão torna mais difícil o ajuste e o superávit primário deve chegar a 0,8% do PIB, que não é ruim, partindo de um déficit de 0,6%. Está na direção correta, especialmente numa economia desaquecida como está isso não deve preocupar. Por outro lado, o governo decidiu fazer o ajuste fiscal e reduzir a intervenção no câmbio, com isso ele pressionou a inflação. Há uma série de medidas de políticas macroeconômica que tiveram impacto de acelerar a inflação. Logo, estamos indo para uma inflação de 10% em 2015 e isso reduz o salário real. O ajuste é recessivo porque reduz o gasto público e o BC eleva juros num cenário de inflação. Ou seja, a politica macro não atua no sentido de ajudar a atividade. Assim, a tempestade perfeita que previam para o setor financeiro está ocorrendo no setor real.

“Não é tão simples assim: “fizeram a política [fiscal] errada e deu recessão”. Isso não me convence”

Valor: Ao mesmo tempo, sua visão estava bem mais pessimista do que a média com a inflação no começo do ano, quando já falava em inflação próxima de 9% em 2015. O quanto isso piorou?

Lopes: Minha projeção chega a 9,86% no fim de 2015 pela correção de tarifas e pelo câmbio. Isso com o dólar fechando o ano em R$ 3,05. Não estou nem falando de algo mais próximo de R$ 3,20, como já se vê. Se piorar o câmbio piora a inflação – e a tendência do câmbio é para baixo. O pico da inflação será em novembro, quando vai atingir 10,11% em 12 meses. Tem a coisa simbólica, dos dois dígitos. Mas aí começa a descer. Em março de 2016, ela já estará abaixo de 8% em 12 meses, descendo rápido porque zera a correção de tarifas de energia e o real valoriza se não houver surpresa que desestabilize o mercado financeiro.

Valor: O Fed não pode ser essa surpresa para o câmbio?

Lopes: Não. Acho que o Fed vai muito devagar. Ainda estou com 2% para a taxa do Fed no fim de 2016. Ele vai chegar a 4% ou 5%, mas ao longo de 2016, 2017 e 2018. Acho que o BC deveria parar de tentar defender as reservas a qualquer custo. Eu focaria a política de juros na atividade interna, não ficaria tão preocupado com a saída de reservas. [No ano que vem] se o Fed começa a aumentar os juros e o BC decide baixar os juros que deve estar em 14% vai ter saída de capital. Tem que deixar sair. Há um grande erro na política macroeconômica brasileira, que é estrutural, de achar que a gente tem que ter reservar elevadas. É burrice ter esse volume de reservas com um custo fiscal enorme, ainda que se justifique como defesa. A defesa da política macroeconômica é a consistência dela. Se você deixa o câmbio flutuar, opera um BC independente, tem o Copom, pronto. O câmbio vai ser o que o mercado quiser. O problema é que uma parte enorme da nossa posição em reservas é falsa, é capital que entra para ganhar arbitragem de juros. O Brasil hoje é o maior exportador mundial de carry trade. Nosso maior produto de exportação é enorme diferencial de juros.

Valor: Dá para esperar algo de bom em 2015?

Lopes: O câmbio real está melhorando muito, então a balança comercial vai ter uma melhora significativa, o que é parte do ajuste. Minha projeção é de uma balança entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões, com uma queda significativa no déficit em conta corrente para algo ao redor de 3% do PIB em 2015. Quanto ao PIB, a boa notícia é que o segundo trimestre deve ser o fundo do poço. O nível de atividade tende a estabilizar nesse patamar deprimido. Em termos de PIB, estamos 3% abaixo do pico de atividade na série dessazonalizada de 2013 e, como suponho que isso não continue caindo, no segundo trimestre de 2016 começa a melhorar.

Valor: E para 2016?

Lopes: Estou com alta de 0,24% para o PIB de 2016. Mas no fim de 2016 ainda não vamos ter recuperado o nível de 2013. A gente só recupera o nível do fim de 2013 em meados de 2017. Ou seja, estamos falando de uma recessão que começou no fim de 2013 e que vai durar três anos e meio. Enquanto que em 2008/2009 foi muito mais rápido, um ano só. Já para a indústria, a projeção é de chorar: ela volta para o nível de meados de 2013 só no início de 2020. Estamos falando de um ciclo recessivo de sete anos. É muito impressionante.

Valor: Esse quadro é resultado de quais erros de política econômica?

Lopes: Não conseguimos ter uma explicação para o que está acontecendo a partir de erros de política econômica. Claro que a tempestade perfeita teve uma contribuição de política econômica. Todo mundo sabe que a questão fiscal nos últimos anos foi muito insatisfatória do ponto de vista de disciplina. Mas não é tão simples assim: “fizeram a política errada e deu recessão”. Isso não me convence. Tivemos falhas na política fiscal, as desonerações, represamento de preços. Não precisava ter subsidiado tanto a tarifa de energia elétrica residencial, por exemplo. Há um consenso de que o governo ficou tentando operar indicadores e reagindo à imprensa e aos grupos que faziam lobby. Faltou visão estratégica consistente, que eu acho que agora melhorou. Com o [Joaquim] Levy e com o [Nelson] Barbosa, a sensação é que há uma coerência. Os ajustes vão ser penosos, mas, eventualmente, a economia volta a crescer. Há um ponto de divergência importante que é o seguinte: será que a economia perdeu a capacidade de crescimento no médio e longo prazos?

Valor: E perdeu?

Lopes: Acho que não. Em 2016, já teremos crescimento trimestre com relação ao trimestre anterior. E, em 2017, já vamos voltar a crescer 3%, que eu acho que é o potencial. E o outro lado bom da história é que a inflação despenca para 5% em 2016. O Levy fez uma proposição muito simples. Disse que o ajuste fiscal gera o crescimento e reduz a inflação. E vai acontecer. No segundo semestre de 2016, a economia volta a crescer e isso vai ficar claro nos números de 2017. E acho que a taxa de câmbio cai também. A cotação de dólar nominal vai abaixo de R$ 2,90 de novo.

Valor: É por isso que a indústria demora tanto a se recuperar?

Lopes: Eu desconfio que a política cambial muito errada ainda no governo Lula foi mortal para a indústria, que perdeu muita competitividade. E o industrial não sabe se o câmbio hoje vai se sustentar. E o fato é que o que determina o câmbio não são movimentos reais da economia, mas financeiros. Com juros elevados, a arbitragem de juros faz entrar capital no país. E, como eu já disse, a política monetária vai ficar em uma situação delicada em 2016. Com a Selic em 14% e a inflação em 5%, o BC deveria, em tese, baixar os juros para não ter taxa de juros real muito elevada. Mas ele terá que tomar essa decisão no momento em que o Fed começará a corrigir o juro lá fora. Então o BC vai ficar numa situação complicada. No meu cenário, eles não mexem na Selic, mas eu acho que eles deveriam baixar. E isso vai ser ruim para a atividade. A inflação estará caindo e o Fed subindo, o que colocará o BC em apuro. Acho que o BC tem que dizer que não vai olhar para o Fed e sim para a economia local. E aí vai perder reservas. Deixa sair. Tem que vender dólares no mercado à vista.

Valor: O que é polêmico, não?

Lopes: Sim. Mas eu sei que isso envolve coragem do BC. Eu, particularmente, acho que eles vão ficar parados. Na dúvida, não fazem nada. Mas atrapalha um pouco a recuperação. Porque a inflação cai, mas a taxa de juros continua elevada. E o ajuste fiscal continua. Então, não se terá nenhuma ajuda da política monetária e fiscal. Essa ajuda vai vir das exportações, pois eu tenho um cenário muito otimista para a economia mundial em 2016, 2017 e 2018. Ela vai recuperar bem, a Europa vai andar e a economia americana vai ter crescimento forte. O comércio mundial vai melhorar e acho que o preço do petróleo vai voltar. Acho que a gente fica patinando até meados de 2016. Mas a economia é um sistema que tende a crescer o potencial e eu não vejo razão para achar que estamos com o potencial muito pior. Que ele não seja 3%, seja 2,5%. Mas volta. Não vai ficar caindo 2% nem crescendo zero.

Valor: E como ficam os investimentos na economia?

Lopes: O importante é a indústria automotiva. Ela tem que voltar a se recuperar. Estou com queda de 9% para a formação bruta [medida de investimentos] neste ano.

“A popularidade de 9% não tem o que cair mais. Se cair à metade, vai a 4,5%. Politicamente não tem como piorar muito”

Valor: A operação Lava-Jato tem papel importante nessa queda?

Lopes: Na economia acho que não, mas é difícil saber em que medida a Lava-jato desarticula o setor de construção, que não tem participação muito grande no PIB. É 5% do PIB, talvez. E se o governo vai fazer as concessões, dá espaço para outros grupos. Eu acho que isso se resolve. Para expectativas, o peso da Lava-Jato é maior, para a decisão de investimentos é ruim. E o teste importante serão as concessões novas. Acho que se as grandes construtoras forem inviabilizadas, vai ser preciso deixar estrangeiros e construtoras menores. Mas o sistema resolve isso.

Valor: Esse cenário vale mesmo diante desse Congresso pouco disposto a colaborar?

Lopes: É uma situação política caótica. Mas o governo tem o mérito de se propor a fazer coisas simples. Não há, em tese, problema de conseguir uma meta de primário de 1% do PIB. Foi correta a forma como eles colocaram. Mas vai ter resistência porque a situação real da economia é muito ruim. Estamos nessa recessão como há muito tempo não tínhamos. Se o governo vai acertar? Vai. A inflação vai cair muito, o câmbio vai ceder e a economia volta a crescer no ano que vem, ainda que na média ainda não vá aparecer. Tem que ver também o que a mídia vai dizer: se a economia continua não crescendo ou se já voltou a crescer. O que interessa à mídia hoje? Que o Brasil volte a crescer ou não? Em que medida a luta política afeta isso?

Valor: O sr. está colocando o papel da mídia como algo central nessa questão?

Lopes: Essa é uma grande questão que os analistas não tratam. É uma pergunta: se de fato expectativas são muito importantes, como elas são formadas? No Brasil, isso agora ficou muito importante. Aí só um especialista em mídia para avaliar.

Valor: Seu prognóstico econômico é relativamente benigno. Esse cenário tem que ter correções de acordo com a política?

Lopes: Eu acho que tem uma vantagem que mesmo na política a gente está no fundo do poço. Com uma presidente com uma popularidade de 9% não tem o que cair mais. Se cair à metade, vai a 4,5%. Há uma coisa boa de estar no fundo do poço. Politicamente não tem como piorar muito. Claro, há o cenário de o Brasil dar uma guinada à Venezuela ou Argentina. Aí eu acho que a presença do Levy ou do Nelson Barbosa é muito importante porque, de certo modo, eles estão garantindo a racionalidade, uma solução dolorosa, mas racional. Claro, há esse cenário de demissão do Levy, seguida do risco de um diagnóstico de que estaria faltando mais intervenção. Já há economistas que certamente estão pensando assim hoje. E aí o cenário pode piorar muito.

Valor: Mas e a outra guinada, com a ascensão do PMDB, por exemplo, ou até um impeachment?

Lopes: Na economia não vejo problema. Nada. Acho que até melhoraria a economia. Como quando saiu o Collor e entrou o Itamar. Na verdade, o Itamar foi complicado porque ele teve três ou quatro ministros da Fazenda em dois meses. Mas não vejo isso acontecendo. Uma nova eleição poderia gerar uma radicalização maior. O PT saindo com uma linha mais radical, venezuelana. E aí isso poderia assustar os investimentos. Uma nova eleição provavelmente seria ruim do ponto de vista de expectativas porque poderia deixar em aberto o que virá, como um Lula venezuelano dizendo que o problema foi a política neoliberal e tem que intervir mais. A história mostra o seguinte: no curto prazo, uma intervenção moderada é ruim. Uma muito violenta, como o [Hugo] Chávez fez na Venezuela, no curto prazo pode gerar números bons. Se intervém, coloca a taxa de câmbio onde quiser, controla o índice de preço e usa o câmbio para dirigir a economia. Mas a médio e longo prazo é um desastre total. Mas é fácil achar economista que acha que a solução é mais intervenção. Mas acho que a probabilidade de isso acontecer é zero.

Valor: A presidente Dilma conclui o mandato?

Lopes: Tranquilamente. Acho que a briga política não é essa, na verdade. A briga política é em 2018. É isso que está em jogo. Mas acho que a economia está independente disso. A grande contribuição do governo Fernando Henrique para esse país foi a criação de uma série de instituições sólidas, como, por exemplo, o Banco Central. A ideia da responsabilidade fiscal. E acho que o mérito dos governos do PT for não ter tentando destruir isso. Até porque a sociedade absorveu o valor. Teve um avanço institucional que o governo do PT teve o mérito de não destruir. E essa é uma diferença importante entre Brasil e Argentina – Venezuela nem se fala. Tudo bem, o PT tem uma posição ideológica e uma agenda socialista, digamos assim. Mas o que ele vai aprender agora é que isso tem de ser feito de forma compatível com o arranjo institucional. O problema não foi tanto ideológico, mas mais no detalhe, no dia a dia, na área fiscal, intervenções desnecessárias. A gente sempre tem a impressão de uma motivação boa, de fazer o Brasil um país de classe média e tal. Mas aí tem aquela história de que não pode dar lucro, o conflito ideológico. O PT vai passar por um processo de aprendizado e eu acho importante ter um partido como o PT, um partido trabalhista. É fundamental. Mas o jogo político é complicado e a previsão, bastante difícil de fazer.

 

 

Fonte: Valor Econômico

Crédito da foto: Valor Econômico

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