CADE quer multar e vetar empreiteiras em licitações

Em 2008, em meio ao desmoronamento do sistema financeiro internacional, a operação de salvamento dos grandes bancos mundo afora se baseava no discurso “too big to fail” (grande demais para quebrar). Agora, diante do escândalo de corrupção que solapa a Petrobras, bordão semelhante começa a ganhar coro: “too big to be punished” (grande demais para ser punido).
A analogia é usada pelo presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Vinicius Marques de Carvalho, para apontar o caminho que autarquia não seguirá nas investigações sobre o cartel de empreiteiras que atuava nas licitações da Petrobras, segundo informações que constam da Operação Lava Jato.
Em entrevista à Folha, Carvalho diz que, se comprovada a existência do cartel, as empresas serão “severamente” punidas. Entre as penalidades, ele sinaliza com a proibição de participar de licitações públicas por até cinco anos e o veto a contratar empréstimos com bancos oficiais.

A CGU (Controladoria-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União) já acenaram com a possibilidade de acordos e repactuação de contratos com as empresas investigadas para evitar que o país sofra com a paralisação de obras.
Carvalho ainda aponta outras punições, como multa equivalente a 20% do faturamento das empresas. Em tese, isso poderia levar a um valor recorde na história de combate a cartéis no país, considerando o porte das empreiteiras citadas na operação. A maior multa aplicada pelo Cade até hoje foi a do cartel do cimento, que superou R$ 3 bilhões.
Segundo o presidente do Cade, é “muito comum” a existência de cartéis em licitações públicas no Brasil. Ele acrescenta que o Cade analisa, com base nas informações que recebeu da Lava Jato, se as mesmas empresas do cartel na Petrobras atuam em outras áreas do setor público, como energia. Hoje, o conselho trabalha em 21 processos (públicos) sobre cartel em licitações no país. Há ainda os casos sigilosos.
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Folha – As investigações da Lava Jato indicam que o cartel atuava na Petrobras há mais de dez anos. O Cade nunca tomou conhecimento ou recebeu denúncia sobre o fato?
Vinicius Marques de Carvalho – Não. Não havia nenhuma investigação no Cade sobre supostos cartéis na Petrobras. Tivemos notícia disso pela imprensa quando apareceram trechos do depoimento de Paulo Roberto Costa. Naquele momento a Superintendência-Geral do Cade pediu informações ao Ministério Público, dia 23 de setembro, sobre as denúncias mencionando nosso interesse em conduzir uma investigação e perguntando sobre a possibilidade de compartilhamento das informações. O Ministério Público nos orientou a fazermos o pedido judicialmente. Neste meio tempo, uma das empresas procurou o Cade para negociar um acordo de leniência. Em qualquer lugar do mundo, a política de defesa da concorrência para ser efetiva depende da atuação de outros órgãos, não se resume à atuação dos órgãos de defesa da concorrência. Então para nós é sempre motivo de alívio quando percebemos outros órgãos atuando. Há hoje uma estratégia de combate a cartéis com o Ministério Público, a Polícia Federal, os Ministérios Públicos estaduais e as polícias civis dos Estados e agora a CGU também, por causa da Lei da Empresa Limpa [lei que prevê punições para empresas envolvidas em corrupção]. Há vários casos que começam no Cade e depois vão para essas outras instâncias e vice-versa. É uma colaboração natural. O Cade é uma autarquia pequena, tem cem técnicos, não temos capilaridade nacional, ficamos só em Brasília.
Ainda não foi aberto processo administrativo no Cade?
Não. Tem um inquérito aberto, sigiloso, que está ao mesmo tempo negociando o acordo de leniência e analisando toda a documentação que foi disponibilizada pela autorização do juiz. Não consigo ter uma previsão agora de quando vai ser aberto processo porque está muito no início da análise da documentação e o acordo de leniência ainda não foi celebrado.
O grupo Setal negocia essa leniência com o Cade. O que eles trouxeram acrescenta informações? Outras empresas procuraram o Cade para negociar acordo?
O que eles trouxeram está sendo analisado pela Superintendência-Geral e não tenho acesso. Não houve procura de nenhuma outra empresa, seja para fazer acordo de leniência ou qualquer outro tipo de acordo. A Lei de Defesa da Concorrência é uma lei vanguardista no Brasil em relação a questões de colaboração premiada. A lei de é 1994, mas a partir do ano 2000, ela prevê a possibilidade do acordo de leniência. Diferentemente das outras leis que preveem esse mecanismo, como a Lei da Empresa Limpa e a lei da colaboração premiada, aqui no Cade só a primeira empresa que procurar tem o direito a fazer o acordo de leniência. As que vierem em seguida podem fazer acordos, mas não envolvem a extinção total da punibilidade: no âmbito criminal, certamente não, e no administrativo, se as empresas confessarem e colaborarem com a investigação, isso pode envolver uma redução na multa. Chamamos isso de TCC (Termo de Cessação de Conduta).
Mesmo que o grupo Setal traga um escopo de atuação do cartel e outra empresa procure o Cade para mostrar outra vertente, não é possível fazer o acordo de leniência?
É difícil falar em tese sobre isso, mas hipoteticamente, se um grupo empresarial específico faz um acordo de leniência envolvendo a licitação A, B e C e outro grupo procura fazer um acordo envolvendo a licitação D, E e F em tese isso é possível. Provavelmente seriam licitações em que o grupo que fez a primeira leniência não participou. Aí, se pode avaliar de se fazer ou não a leniência, mas aí vai depender do caso contrário. O que se precisa avaliar é se está se falando de vários cartéis, um cartel por licitação, ou um cartel só nos momentos específicos de cada licitação, quando eles combinam quem ganharia determinada licitação.
CGU e TCU afirmaram que pode haver repactuação de contratos e realização de acordos para que as empreiteiras envolvidas na Lava Jato possam continuar contratando com o setor público. Do contrário, o país pode parar obras importantes. O Cade enxerga o mesmo cenário?
Quando houve a crise financeira de 2008, apareceu um pouco o discurso ‘too big to fail’ (grande demais para quebrar). E agora tenho a impressão que aparece um discurso do ‘too big to be punished’, ou seja, grande demais para ser punido. Não estou avaliando a discussão de quem está fazendo esse discurso. Não é esse o ponto. Do ponto de vista do Cade, cartel é uma conduta muita lesiva à população. Os cartéis em licitação são ainda mais lesivos ao Estado brasileiro, extraem renda da população e merecem ser severamente punidos. Se criarmos um ambiente em que grandes empresas não necessariamente seriam punidas ou muito punidas porque teriam um impacto X na economia, estaríamos dando um incentivo para que os administradores dessas empresas não parassem de fazer essas condutas. É o risco moral. E aqui do Cade esse incentivo certamente não virá. Se for comprovado, o cartel, o Cade já tem dado multas que giram em torno de 20% do faturamento das empresas e há outras penalidades possíveis. Por exemplo, a proibição de contratar com bancos oficiais e a proibição de participar de licitações por até cinco anos. Isso vai ser visto no momento do julgamento, se houver o cartel, com muito cuidado e parcimônia por conta dos conselheiros. Mas certamente, o Cade parte do pressuposto que a reparação do dano, ou seja, devolver ao Estado aquilo que você tirou de maneira ilegal é o mínimo que deve ser feito. Ela não é suficiente para inibir novas condutas porque ela empata o jogo. O que desempata o jogo é a punição, é a multa e em alguns casos a própria condenação criminal da pessoa envolvida. É isso que gera o efeito dissuasório. O Brasil é um país que tem o poder econômico muito concentrado. O órgão de defesa da concorrência quando investiga cartéis precisa usar todo o rigor da lei para dar as punições exemplares. Qualquer punição sempre deve levar em consideração a necessidade de preservar a atividade econômica em questão.
A maior multa aplicada pelo Cade até hoje foi ao cartel do cimento, cerca de R$ 3 bilhões. Dá para imaginar que a multa no caso Petrobras possa ser maior ainda, usando o critério de 20% do faturamento?
É razoável pensar que, se houver a condenação, em se tratando de cartéis de licitação, é possível que essa multa chegue aos 20%. Não sei dizer se será a mais alta, porque não sei nem dizer quem estará no polo passivo do processo. No suposto cartel do cimento, além da multa, o Cade aplicou nessa decisão a proibição de contratação com as instituições financeiras e também, numa medida inédita, restrições estruturais, com obrigação de venda de participações societárias e descruzamento em companhias.
A investigação da Lava Jato ainda apura se o mesmo cartel atuou em outras áreas do setor público. Houve notícias inclusive sobre o setor elétrico. O Cade tem algum indício?
A Superintendência-Geral está analisando isso. Existem algumas investigações sobre o setor elétrico aqui no Cade envolvendo supostos cartéis em licitações, algumas inclusive sigilosas. De posse do material que foi compartilhado da operação, vamos analisar se há uma coincidência com as investigações que já estávamos fazendo. O cartel em licitação tem sido uma prioridade das autoridades de defesa da concorrência no mundo inteiro e aqui no Cade não é diferente. Com a Lei da Empresa Limpa, ficou ainda mais notória a importância de combater cartéis em licitações e os instrumentos ficaram ainda mais efetivos. O Cade tem vários processos de investigação de cartéis em licitações, alguns deles denunciados pelas próprias empresas públicas ou governos municipais e estaduais, ou Ministério Público, ou ainda denúncias feitas diretamente ao Cade. Por exemplo, suposto cartel para aquisições de insumos para fabricação de medicamentos antirretrovirais, para aquisição de hemoderivados, ou no mercado de aquecedores solares, o do metrô. Os públicos, que não estão sob investigação sigilosa, são 21.
Como está a cooperação entre Cade e CGU no combate a cartéis?
Quando a Lei da Empresa Limpa insere como uma das condutas ilícitas o cartel em licitações e permite que uma empresa possa fazer um acordo de leniência, a colaboração Cade-CGU precisa ser imediata porque a empresa precisa fazer o acordo no Cade e na CGU ao mesmo momento. Outro impacto que isso teve foi o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle, de compliance. Em várias empresas há a procura e construção desses mecanismos. Nesse ponto, é importante que as empresas estatais estejam à frente. Essas empresas, precisam ter instrumentos de compliance tanto em nível concorrencial como no âmbito do combate à corrupção.
Os atuais mecanismos do Cade de combate a cartel são suficientes?
Como cartel é crime, considerando Cade, Ministério Público e polícia, aí temos todos os mecanismos que são permitidos pela legislação para investigação criminal. Além da busca e apreensão, que o Cade pode ele mesmo fazer com autorização judicial, ainda temos a possibilidade de escuta telefônica, outras restrições de direito que podem acontecer, quebra de sigilo fiscal e bancário. Quando há investigação no âmbito administrativo e criminal, é possível conjugar todos esses mecanismos e eles são muito importantes porque cartel não é uma conduta de fácil detecção. É preciso provar o acordo. Não é porque se vê duas ou três empresas colocando determinado produto no mercado com mesmo preço que necessariamente existe o cartel. É preciso comprovar de maneira direta ou indireta que houve o acordo. Cada vez mais, na medida em que as empresas sabem que o Cade, o Ministério Público e a polícia têm atuado nessas investigações, há dois movimentos: ou os cartéis vão ficando cada vez mais sofisticados na sua organização e/ou haverá uma diminuição do número de cartéis. Depende de um cálculo de risco de quem vai cometer o cartel. Por isso, que o maior instrumento que temos para incentivar a realização dos acordos de leniência, as delações premiadas e assim por diante, além da própria estrutura de incentivos que o acordo fornece, é investigar e julgar cada vez mais processos de cartel.
O Cade tem conseguido aumentar?
A cada ano que passa temos conseguido, sim, aumentar o número de condenações em cartéis e tem aumentado sensivelmente os acordos com confissão de culpa [TCC]. Dos 23 acordos que celebramos, 18 foram em processos de supostos cartéis. Esses 23 acordos redundaram em R$ 117 milhões em contribuições pecuniárias, o que é um recorde. Nos anos anteriores, o Cade praticamente não celebrava esses acordos com confissão de culpa, o reconhecimento de participação na conduta. Por outro lado, em 2012, tivemos 2 condenações por condutas anticompetitivas dos 14 processos julgados. No ano passado, foram 38 processos julgados e 22 condenações. Neste ano, 52 processos julgados e 34 condenações. Há um aumento bastante razoável do número de processos julgados e de condenações. Esse aumento tende a se perpetuar nos próximos anos provavelmente pelo número de processos que temos hoje no Cade que estão prontos para serem julgados. Quanto aos acordos de leniência, o número também aumentou. Já foram assinados 8 neste ano e está sendo assinado um hoje [quinta-feira (27)].
O instrumento do acordo de leniência precisa de aperfeiçoamento?
Tem um aperfeiçoamento no nível legislativo, que pode ser feito ainda para uma melhor definição das competências da Justiça Federal e estadual. Há algumas dúvidas: a quem compete a investigação quando são cartéis que transbordam limites de um Estado específico. E do ponto de vista infralegal o Cade, se tivesse mais estrutura em termos de recursos humanos, conseguiria acelerar mais a negociação dos acordos de leniência e abrir novas investigações. Quando a Superitendência do Cade realiza uma busca e apreensão, dependendo do tamanho da busca, envolve a dedicação plena de mais de 30 funcionários por uma ou duas semanas, às vezes, mais. Dois, três dias fazendo a busca e depois triando o material e depois analisando-o. As mesmas pessoas que fazem isso são as pessoas que estão conduzindo os processos que já estão aqui. Quando desloco 30 pessoas num universo de 40, 50 técnicos que trabalham com investigação no Cade significa que, quando faço uma busca, tenho que praticamente parar. Isso me permite fazer menos buscas que possivelmente faríamos se o Cade tivesse os técnicos previstos na lei, que são 200. A sensação que tenho é que cartel é uma conduta muito comum nas licitações no país. Tenho certeza de que, se o Cade tivesse mais estrutura, mais cartéis como esses seriam detectados. Mas é óbvio que nunca vamos prescindir da colaboração do Ministério Público e das polícias.
Quando o Sr. diz que é uma conduta muito comum nas licitações não está endossando o que o advogado do empresário Fernando Baiano disse ao comentar o caso: se não tem propina, não tem obra?
É algo que posso afirmar com base nas investigações e nos julgamentos que o Cade teve. Quando analiso as investigações que o Cade abriu sobre cartel em licitações no Brasil e faço uma proporção com os processos em que houve condenação, eu posso dizer: de cada dez processos que o Cade abre relacionados a possíveis cartéis em licitações, há condenação em nove. Com base nisso, acho que posso dizer que é comum esse tipo de conduta, sim.
No caso dos técnicos, o Cade tem solicitado o reforço? Além disso, o quadro de conselheiros está incompleto. Há previsão sobre a indicação dos novos nomes?
Pedimos a realização de concurso para o preenchimento dessas 200 vagas de gestores do Cade. Houve um compromisso do Ministério do Planejamento, no último concurso do governo para gestores, de enviar 50. Só que o concurso foi parar na Justiça e agora teve uma decisão do TCU suspendendo. O Cade deu azar. Em relação às vagas do conselho, tem três vagas abertas: uma desde fevereiro e as outras duas desde agosto. O meu papel como presidente é dialogar com o ministro da Justiça sobre o preenchimento dessas vagas, mas é uma decisão da presidente da República e do Senado Federal. O que podemos fazer é aguardar e, na medida do possível, demonstrar a importância de que elas sejam preenchidas. E isso eu tenho tentado fazer.
Uma vaga aberta desde fevereiro. Falta compreensão sobre o papel do Cade?
Em todo lugar do mundo levou muito tempo para o órgão de defesa da concorrência demonstrar a sua importância como órgão que viabiliza o mercado que atua de maneira mais saudável e mais concorrencial. Essa dificuldade se deve muitas vezes à incompreensão sobre o papel do órgão. Ele acaba recebendo críticas de todo o espectro ideológico. Quem tem uma visão mais liberal acha que, se determinado mercado é muito concentrado, oligopolizado…é porque o mercado assim é mais eficiente. Seria um produto natural das forças de mercado e o Estado quando intervém, mesmo que seja via órgão de defesa da concorrência, cria mais falhas do que as que já estão presentes naquele mercado. Também recebe críticas de quem tem uma visão de um papel mais intervencionista do Estado, que defende políticas industriais, porque acham que o órgão de defesa da concorrência impede a criação de grandes empresas nacionais, impede a formação de oligopólios que possam fazer face à competição globalizada. Então o órgão de defesa da concorrência fica pressionado por esses dois tipos de visão, que, estando uma ou estando outra em determinados governos, é muito difícil que ele tenha apoio. E o fato é que hoje no Brasil, a aliança entre o órgão de defesa da concorrência e uma visão de que fato ele tem possibilidade de gerar bem estar para a população está se configurando. Essas investigações que são feitas pelo Ministério Público, pelo Cade, pela CGU e outros órgãos que colaboram nessa política têm demonstrado que esse é um interesse que precisa ser defendido, porque no fundo estamos defendendo o interesse da cidadania econômica, dos consumidores brasileiros, do cidadão.

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