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O “S” do BNDES é de social ou é de setor público?

Antes de entrar na tese deste artigo, faço uma ressalva. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e “Social” (BNDES) tem uma das burocracias mais competentes do setor público brasileiro e acho, inclusive, que as concessões no Plano de Investimentos em Logística (PIL) teriam ocorrido de forma mais rápida se o BNDES estivesse, desde o início do governo, envolvido de forma mais direta no planejamento e estruturação do PIL.

Feita a ressalva, alguns analistas, entre os quais me incluo, têm criticado algumas das operações de empréstimos do BNDES desde 2009. Mas há que se ter em mente que: 1- vários funcionários do próprio banco também são críticos de algumas dessas operações; 2- a equipe técnica do banco garantiu que as operações fossem cercadas de garantias e que passassem por análises técnicas criteriosas; e 3- muitas das operações do BNDES foram impostas a ele, em especial, empréstimos do banco para empresas estatais e para o setor público, que é o tema deste artigo.

Pode-se afirmar baseado na história recente do BNDES que, até 2008, o banco nunca teve uma preocupação especial com a Petrobras ou com a Eletrobras. Essas empresas eram clientes potenciais como outras grandes empresas. No entanto, desde 2008, houve um esforço coordenado pelo governo federal para garantir que essas empresas passassem a ter junto ao BNDES um tratamento diferenciado. Isso não foi uma decisão do BNDES, mas sim do seu controlador, o governo federal, com base em várias resoluções aprovadas no âmbito do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Dos dez maiores empréstimos diretos do BNDES em 2013 apenas uma foi destinado a uma empresa privada

Por exemplo, a Resolução do CMN nº 3.615 de 30/09/2008 passou a excluir do limite de exposição do BNDES ao setor público os empréstimos à Petrobras. Adicionalmente, a mesma Resolução passou a considerar os empréstimos do banco para empresas do grupo Petrobras como empresas independentes para fins de apuração do limite de risco prudencial em relação ao patrimônio líquido de referência.

Um dos resultados dessa maior liberdade na relação BNDES e Petrobras foi não só o aumento dos empréstimos do banco para a estatal, mas também o uso indevido, porém legal, que se fez das duas empresas públicas para gerar R$ 25 bilhões de caixa para o Tesouro Nacional em 2010.

Por ocasião da capitalização da Petrobras, em 2010, o BNDES foi “forçado” a aumentar o seu endividamento em R$ 25 bilhões para comprar ações da Petrobras. A Petrobras, por sua vez, utilizou este recurso para pagar à vista parte da capitalização efetuada pelo Tesouro Nacional, uma operação desnecessária para a Petrobras, pois o Congresso Nacional havia estabelecido que o pagamento se daria por meio do aumento da participação do governo federal na petrolífera, sem a necessidade de aumentar o endividamento do BNDES com o intuito de “gerar caixa” para a Petrobras.

O mesmo tratamento diferenciado dado à Petrobras foi depois ampliado para a Eletrobras. Novamente, se fez uso do BNDES para comprar dividendos que o Tesouro tinha a receber da Eletrobras – R$ 3,5 bilhões e R$ 1,4 bilhão, em 2009 e 2010, respectivamente. Adicionalmente, em 2013, o banco emprestou R$ 2,5 bilhões para a estatal, que utilizou parte desses recursos para pagar dividendos ao Tesouro Nacional.

 

Não se pode achar que o corpo técnico do BNDES tivesse algum interesse nessas operações. A exposição excessiva do BNDES à Petrobras e Eletrobras é do interesse do governo federal, que compensa com crédito subsidiado problemas de caixa de suas estatais decorrente de política de controle de preços dos combustíveis e redução forçada do preço da energia, além de viabilizar o recebimento de dividendos.

Por fim, recentemente, o governo federal passou a utilizar o BNDES como braço financeiro de empréstimos para Estados da federação. Dos dez maiores empréstimos diretos do BNDES em 2013 (até setembro), há apenas uma única empresa privada (Supervia) e outra privada com participação de empresas estatais (Santo Antônio Energia S/A). Todos os demais foram empréstimos para estatais (Petrobras, Eletrobras e Sabesp) e para Estados da Federação, com destaque para: Maranhão (R$ 3,8 bilhões); Rio de Janeiro (R$ 3 bilhões); Santa Catarina (R$ 3 bilhões); Bahia (R$ 1,5 bilhão) e Amapá (R$ 1,4 bilhão).

Nos últimos dois anos, o BNDES emprestou mais de R$ 32 bilhões para Estados da Federação e mais de R$ 9 bilhões para bancos estatais, com destaque para o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. É este o papel que se espera do BNDES? Emprestar para Estados e para outros bancos públicos?

O resultado do aumento dos empréstimos do BNDES para Estados, mesmo que para o objetivo meritório de aumentar o investimento público, foi a queda do resultado primário desses entes da federação. Assim, é fato que o não cumprimento da meta de resultado primário dos Estados e municípios, em 2013, foi resultado de uma ação planejada do governo federal que ocorreu simultaneamente em três frentes: 1- forte aumento dos empréstimos do BNDES para Estados; 2- desonerações de impostos compartilhados com Estados e municípios; e 3-atraso no repasse de receitas do caixa do governo federal para Estados e municípios.

Se em 2009 e 2010, o debate sobre o papel do BNDES concentrou-se na promoção dos “campeões nacionais”, o debate agora passa a ser a captura do BNDES pelo setor público, uma captura que aparece no uso crescente de bancos públicos, inclusive a Caixa Econômica Federal, para emprestar de forma direta ou indireta para o setor público e empresas estatais. É preciso questionar o custo-benefício dessa relação e quais empréstimos são de fato legítimos e não simples socorro a empresas.

Em um país no qual o governo federal goza de uma ampla liberdade de endividamento, a relação espúria entre bancos públicos, setor público e empresas estatais é, em geral, desastrosa tanto para o contribuinte quanto para o crescimento sustentável da economia.

Mansueto Almeida é economista e pesquisador do Ipea. O artigo não reflete a opinião do instituto.

Fonte e Agradecimento:   http://www.valor.com.br/opiniao/3414580/o-s-do-bndes-e-de-social-ou-e-de-setor-publico#ixzz2s8iABjFo

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