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Baía de Guanabara: despoluição é adiada e lista de promessas se renova

RIO — Cientistas do Reino Unido já disseram que a Terra poderá entrar numa pequena Era Glacial em 2030, devido a uma queda da atividade solar. Para o mesmo ano, o governo brasileiro se comprometeu a acabar definitivamente com o desmatamento ilegal na Amazônia, como anunciado na última conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. Alterações significativas também devem ocorrer no meio ambiente do Rio de Janeiro. Será preciso esperar até 2030, como preveem especialistas, para os fluminenses começarem a enxergar a Baía de Guanabara com outros olhos.

Às vésperas dos Jogos, após sete anos de promessas não cumpridas de limpar 80% do espelho d’água, adia-se a esperança olímpica. Agentes envolvidos nos novos planos traçados para despoluir a baía calculam que são necessários cerca de 15 anos ou mais para se chegar próximo a uma vitória, que é contar com águas satisfatórias para a população. Isso se todas as medidas que vêm sendo discutidas agora — como o saneamento da Baixada Fluminense, cuja maioria dos municípios despeja esgoto in natura no mar, e a instalação de um sistema de gestão que ultrapasse governos e englobe a sociedade civil — saiam, de fato, do papel.

Hoje, a Baía de Guanabara que se apresenta aos atletas olímpicos é muito pouco diferente da vista quando se anunciou, pela primeira vez, que suas águas estariam praticamente 100% livres de esgoto e lixo nos Jogos. No entanto, graças à natureza, a Guanabara ainda tem dias de (quase) paraíso. Isso se deve às mudanças de marés, que, dependendo do tipo (enchente ou vazante) e da Lua, ajudam a varrer para fora da baía uma parcela da sujeira. O trecho onde ocorrerão as competições é o mais despoluído, por causa das trocas de água. Esse canal vai da boca da baía até a Ponte Rio-Niterói.

— Infelizmente, a baía tem mais dias de inferno do que de paraíso — ressalta o atleta de canoa havaiana Douglas Moura, de 35 anos, que desde os 8 pratica esportes na baía.

CHINELO, CHAPÉU E VASO SANITÁRIO

Na última terça-feira, ele remava de canoa pelo litoral de Niterói. Sem chuvas nos dias anteriores, que agravam em muito o cenário de poluição, parecia uma manhã no Éden. Apenas parecia, porque, chegando a um dos pontos considerados por ele dos mais bonitos — as praias de Adão e Eva, pequenas enseadas entre rochas e verde, com o Pão de Açúcar do outro lado —, ilhas de sujeira manchavam a paisagem. Tinha um pouco de tudo boiando: chinelo, chapéu, assento de vaso sanitário, embalagens e garrafas PET. Essas aos montes. Desta vez, não havia móveis e eletrodomésticos, peças comuns no caminho de remadores e velejadores.

Para se ter uma ideia do volume de lixo que flutua pela baía, em média, por mês, 230 toneladas são retidas nas ecobarreiras em foz de rios que deságuam na Guanabara. E outras 38 toneladas são recolhidas por ecobarcos. Os números sobre esgoto impressionam: apenas de 30% a 40% do total produzido em volta da baía são tratados, e mais de 18 mil litros correm diretamente para suas águas por segundo.

— Eu amo aquela enseadinha, cheia de tartarugas, entre a ponta da Pedra do Morcego e as praias de Adão e Eva. Ela tem a cara das enseadas da Ilha Grande, como o Saco do Céu. Mas suja. É uma terapia chegar a esses lugares. Só que às vezes a sujeira nos impede de sair da canoa — diz Douglas.

De sua embarcação, o biólogo Paulo Cordeiro, professor universitário e de canoa havaiana na Urca — que tem um programa na TV pelo qual viaja pelo mundo remando —, assiste de camarote a essa baía de degradação e beleza.

— A baía é cheia de lugares históricos, marcos do começo do Rio. Só que é sujo em volta. A baía respira: todo dia, a maré sobe e desce de seis em seis horas. Numa hora, a água na superfície sai pela boca. Seis horas depois, entra água limpa. Só que nos remansos, no fundo da baía e em enseadas, há pouca circulação, e a poluição se acumula — explica Paulo. — Vamos do céu ao inferno em seis horas.

Nem as raias olímpicas, onde os índices de coliformes estão abaixo do limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para contato primário (banho) e secundário (provas de vela), passam longe da poluição. Na manhã da quarta-feira, uma quantidade considerável de lixo, incluindo um pedaço de ventilador, flutuava em um dos pontos de prova. Uma turma de estudantes de biologia que remava de canoa por ali fez cara de nojo e tratou logo de se afastar. É comum encontrar embalagens de produtos estrangeiros, denunciando que a falta de educação também vem de navio. E manchas de óleo costumam aparecer quando grandes embarcações atracam no Rio.

Ainda no perímetro dos Jogos, perto da Marina da Glória, o mau cheiro nas primeiras horas da manhã comprova que algo não vai bem por ali. Na área, os índices de coliformes não raro ultrapassam o padrão Conama. Pode ser que, durante as provas, com a “faxina” programada para a baía — entre as iniciativas, está a instalação de mais seis ecobarreiras nos rios, sendo que hoje são 11—, o cenário seja melhor. Mas velejar em águas limpas é um sonho de longo prazo.

— Atingir uma qualidade ambiental de satisfatória a muito boa, mas que nunca será muito boa em todos os lugares da baía, antes de 2030, eu não acredito — diz o professor de engenharia costeira da Coppe/UFRJ Paulo Rosman, um dos envolvidos na parceria recém-firmada entre universidades e o governo do estado em prol da baía. — Você só vai conseguir que o espelho reflita algo bom quando o entorno também tiver algo bom. O desafio é transformar a carência socioeconômica de quatro milhões de pessoas em volta em condições satisfatórias de vida, com urbanização, saneamento, recuperação das margens dos rios e sistema adequado de coleta do lixo.

Cercada por 16 municípios, a baía é um corpo de água heterogêneo, que tem na área cortada pela Linha Vermelha a pior em qualidade. Coordenador dessa frente de seis universidades e duas instituições, entre elas a Fundação Oswaldo Cruz, o professor de engenharia de produção da Coppe/UFRJ Rogério Valle diz que o primeiro objetivo deve ser o saneamento da Baixada.

SEM MELHORAS

O grupo está elaborando com o estado um plano de saneamento para essa região e vem discutindo a criação de um sistema, aberto à população pela internet, de acompanhamento dos efeitos de todas as medidas tomadas.

— O saneamento da Baixada é algo que não pode mais esperar. Não só por causa da baía, mas também da dengue, do vírus zika, das condições de vida das pessoas. Não dá para esperar por tempos melhores — afirma o professor, citando a crise financeira.

O secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, lista uma série de promessas pós-Olimpíadas. Uma delas é, até o fim deste ano, lançar uma parceria público-privada para saneamento e posterior gestão do sistema no entorno da baía. São obras hoje calculadas em R$ 12 bilhões — quase R$ 10 bilhões a mais do que foi gasto no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que atravessou sete governos sem cumprir nenhuma de suas metas.

Corrêa afirma que o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM), hoje em vigor, tenta corrigir erros históricos do PDBG, entre eles o de comunicação com a população — que acreditou que era possível despoluir a baía, mesmo sendo os recursos na época insuficientes. Mas bastou o Rio ser anunciado como sede das Olimpíadas para a esperança ser revivida e, novamente, frustrada.

— Ninguém que acompanha esse tema de perto pode falar em baía limpa e ambientalmente adequada em menos de 20, 25 anos — admite Corrêa.

Marina Bastos tem 18 anos e é estudante de biologia. Na última semana, ela fez uma passeio pela Baía de Guanabara com os colegas de turma para ver, ao vivo, um pouco do desastre ambiental com o qual os fluminenses convivem:

— O mundo está olhando para a gente e a gente, finalmente, está se olhando. Estamos agora no local mais bonito do mundo, mas onde hoje eu vi boiando de camisinha a ventilador. Falta muito a fazer.

Fonte: Extra
Foto: Divulgação

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