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Importância dos jardins para as cidades é debatido em seminário em Museu

No rádio do táxi que me levava ao Jardim Botânico na manhã de ontem (15), a notícia sobre o acidente com a Barca Niterói-Rio chamou a atenção. O motorista aumentou o volume. Dentro do automóvel, a alguns quilômetros da Praça XV, ouvimos os relatos de pessoas que estavam dentro da Barca naquele instante porque, com os celulares, conseguiam chegar ao estúdio da rádio. A vida real invadiu nossos pensamentos, paramos até de conversar bobagens. Em poucos minutos, porém, deu para perceber que o acidente não fora muito grave e meu pensamento desandou. Puxei o novelo da minha memória.

Naquele tempo, um grande engarrafamento no Centro da cidade ainda era notícia. E eu, ainda estagiando na Editoria Rio do jornal “O Globo”, fui selecionada pelo chefe de reportagem para fazer a cobertura de um mega congestionamento que estava estragando a volta dos cariocas para casa.

Decidi fazer daquela a melhor reportagem da minha vida, e caprichei. Ouvi personagens que especulavam sobre o motivo do trânsito estar cada vez mais tumultuado, outros que demorariam horas para chegar em casa, ouvi guarda de trânsito, anotei os minutos, os nomes das ruas… Entreguei o texto já quase na hora do fechamento e recebi um baita elogio do editor. Posso estar enganada, mas acho que ali ganhei votos para ser efetivada como repórter pouco tempo depois. Por isso mesmo, não me esqueço dos detalhes.

Não sou de ficar presa ao passado. Portanto não, caro leitor, a conclusão dessa lembrança não é que minha profissão está com os dias contados, invadida que foi por pessoas com celulares falando direto ou postando vídeos do local da notícia, fazendo as vezes de repórter. Até porque havia um repórter na rádio que deu a notícia da barca, como sempre será preciso, para contextualizar os depoimentos, cobrar de autoridades, editar, enfim, o material bruto que chegava da rua.

Mas os tempos, de fato, são outros. E não é possível mais imaginar ser jornalista com o mesmo viés do passado. Temos a chance de poder ir mais fundo e oferecer aos leitores, internautas, ouvintes, espectadores, bons motivos para reflexão a partir de nossa expertise que, no fim das contas, continua sendo a de sempre: informar. Considero ser nosso dever, ainda, incorporar à informação dados que possam servir para ampliar o livre pensamento.

Num instante larguei de lado as minhas ponderações reflexivas e já estava de novo de corpo presente ali no táxi. O rádio tocava agora uma música relaxante porque o motorista optou por se desligar do estresse da notícia em tempo real. E eu chegava ao meu destino, o Jardim Botânico, no Museu do Meio Ambiente, onde certamente iria ouvir boas palestras em mais uma sessão mensal do Seminário “Museu do Meio Ambiente comemora a cidade”, que tenho acompanhado desde janeiro.

Desta vez, a conversa foi sobre jardins. A doutora em Sociologia Maria Alice Carvalho e a cientista política Isabel Lustosa, ambas autoras de vários livros, dedicaram parte do seu tempo da manhã de ontem para repartir seu conhecimento com a plateia do Museu. E eu, ali ouvindo e anotando, distribuo agora, ainda mais, o que foi dito e pensado pelas duas estudiosas. A quem interessar possa. Cumprindo minha função e experimentando a sensação de colaborar para ampliar o leque de mensagens dessa rede inesgotável de informações. Ainda como jornalista, movida pela curiosidade, mas agora em outro lugar, com outras ferramentas.

Jardins abertos
Pois Maria Alice começou sua fala de maneira instigante. Jardins, afirma ela, não têm nada de inocente. São figuras que “estampam querelas e debates políticos violentos” e, nesse sentido, o Rio de Janeiro é um caso clássico de uma cidade onde os jardins sempre tiveram papel importante sobre a modernização e o espaço urbano.Indo mais atrás da história, Maria Alice conta detalhes das cidades medievais.

“Não havia arruamento. As casas eram dispostas de maneira aleatória e as ruas eram feitas para ligar as casas. O mais importante na cidade medieval não é a rua, mas a casa, os personagens têm vidas pouco diferenciadas e predomina a interação primária. Naquelas cidades se tinha o campo subordinado à vida urbana, não é como agora, quando o campo é retaguarda para a provisão de bens da cidade”.

Subordinados aos senhores feudais, os trabalhadores sonhavam em se ver livres do jugo e realizar seus desejos privados no ambiente urbano. Essa concepção mudou no Renascimento, quando a ideia de liberdade passou a ser de convivência com os outros, pois o homem, nesse período, volta a ocupar o centro das atenções. A cidade passa a ser um lugar de potencializar ofícios porque ninguém consegue intensificar conhecimentos se não for no convívio com o outro. Nessa época as ruas se abriram, passaram a ser palco de reuniões, de vida em conjunto. Essa foi a revolução do período renascentista.

“É nesse ambiente da praça que a cidade se completa, ela passa a ser um instrumento da civilização. Isso se reflete na maneira pela qual serão concebidos os jardins, que não precisavam ter plantas, podiam ter apenas esculturas. Eram ambientes para encontros, para nascimento da poesia e filosofia. Os jardins franceses dos séculos XVII e XVIII vão se inspirar nesses jardins, e a nossa Praça Paris, na Glória, é um legado desse tempo”, disse Maria Alice.

O que mais chama a atenção nos jardins renascentistas é a tentativa de o homem domesticar completamente a natureza, criando esculturas com as plantas, uma expressão do controle do regime absolutista.

Rio de Janeiro foi a terra em que os portugueses chamavam a cidade de “Termo”, e de “Rocio” a área rural. “Além da Rua Uruguaiana, era tudo Rocio”, conta Maria Alice, lembrando que a região mais prestigiada, digamos assim, por ser a primeira visão dos estrangeiros que chegavam em navios, era o Paço Imperial, que imita o Paço de Lisboa antes do terremoto de 1755. Havia alguma diversidade na cidade onde a escravidão estava associada ao mercado e aos trabalhos domésticos. Onde a Rua do Ouvidor servia como ligação entre o Paço e o Rocio, permitindo que todos se encontrassem.

Veio Pereira Passos e segregou o urbanismo, organizando-o como forma de destacar hierarquias sociais. Atualizo-me, lembro bem que o atual prefeito Eduardo Paes tem sido chamado de Pereira Passos. Ora, nem precisava. Porque tivemos todo um século XX para o urbanismo servir a essa lógica da organização do espaço, tirando a função agregadora e criativa da desordem urbana.

Ainda tivemos a palestra de Isabel Lustosa, que nos apresentou a um autor, Adolfo Caminha, que merece atenção. São dele os livros “O Bom Crioulo” e “Tentação”, que pretenderei comprar dentro de pouco tempo. Porque Caminha tem uma visão especialmente cuidadosa que liga também a história dos jardins a classes sociais.E conta, de maneira bem pitoresca, uma cena de piquenique no Jardim Botânico.

Surge aí a possibilidade de se atualizar a reflexão. Samyra Crespo, presidente do Jardim Botânico que assistiu às palestras, lembrou que piquenique hoje é proibido no Jardim Botânico e comenta que vive quase um dilema: abrir mais o Jardim para o público se entreter ou declará-lo, definitivamente, um espaço de pesquisa, fechado? O JB é o terceiro destino turístico do Rio de Janeiro e recebe um milhão de pessoas por ano. A dúvida ficou no ar. Lustosa sugere que aumente o valor da taxa de entrada para que as pessoas deem mais valor ao trabalho científico que é realizado ali.

Sou testemunha de pelo menos um dos trabalhos feitos pela equipe de cientistas do Jardim Botânico que serve para que o Brasil se defina como um país de fato ciente da importância de sua biodiversidade (veja aqui).

Daí se passou a conversar sobre entretenimento. Vivemos numa era do riso obrigatório, lembra Maria Alice, numa gargalhada, acompanhada por Lustosa. Isso quase tira de circulação o pensamento, tarefa nada fácil, como bem lembram os filósofos. Penso nos escritos de Michel Foucault e Gilles Deleuze, por exemplo, que propõem o pensamento livre de tudo aquilo que já se conhece para que se possa criar sempre algo novo, singular. Gosto de fazer esses links enquanto estou trabalhando.

E assim foi-se a manhã. Entre pensamentos, reflexões e informações. Como pano de fundo, a cidade. Os tempos vão mudando os propósitos entre o público e o privado, mas a aglomeração urbana vai sempre servir material que merece atenção. Quer seja em jardins paradisíacos e inacessíveis ao corpo social, quer seja em praças tumultuadas e diversas.

 
Fonte: G1

Crédito da imagem: Jubsgomes/Wikimedia Commons

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