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Plano de saneamento defasado prejudica Cuiabá

O Plano de Saneamento de Cuiabá está totalmente defasado e um dos agravantes dessa ausência de parâmetros nos serviços de saneamento tem vários fatores. Um deles é a defasagem do estudo em relação ao crescimento da sociedade. Para a advogada membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Gisele Gaudêncio, o plano hoje disponível não dá conta da atual demanda da capital.

“O plano não é, hoje, executável para Cuiabá, precisa ser revisto com urgência. A OAB faz parte da delegação de estudo sobre o saneamento da capital, e cobramos que a prefeitura realize um novo estudo de planejamento, porque paralelamente ao financiamento, a prefeitura precisa de um quadro atualizado do serviço para conseguir mais recursos”, explica.

Segundo ela, o plano passa pelos eixos de resíduos sólidos, rede de esgoto, distribuição de água e drenagem. Cada serviço pode ser executado por empresas diferentes, mas hoje ele está travado devido aos poucos esclarecimentos que CAB, responsável pela água e o esgoto, realizou nos últimos quatro anos.

A advogada diz que o atraso já existente na execução do plano gera outros problemas além da precariedade dos serviços à população. “O setor empresarial, por exemplo, precisa elaborar um plano por si mesmo para realizar o serviço na sua empresa. Isso atrasa o desenvolvimento econômico de Cuiabá e tem reflexos na cidade como um todo”.

O problema de desatualização também é apontado pelo professor Juacy da Silva, ex-coordenador do extinto Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbanos (IPDU), que conglomerou pesquisadores para elaboração de um plano diretor para Cuiabá, em 2006. Ele diz que o impasse passa pela pouca atenção dada à renovação dos estudos, cuja validade termina este ano.

“A atual administração do Mauro Mendes, só no apagar das luzes do mandato, vai reiniciar a revisão [do plano diretor]. Isso deveria ter sido feito no primeiro ou no segundo ano de mandato e não em um ano eleitoral, soa como algo fora do tempo”, diz.

Os dados usados pela Prefeitura de Cuiabá para o atual plano de saneamento foram compilados pela extinta Companhia de Saneamento da Capital (Sanecap), que apresentou informações referentes a 2001 e 2010. Hoje, 60% dos bairros na capital existem de forma irregular, não possuem cadastro de criação em órgãos responsáveis do Poder Público. Informalidade que aumenta o problema de distribuição de água e instalação de rede de esgoto.

Os problemas graves e emergenciais classificados pela Sanecap tinham previsão para serem solucionados até 2016.

Só 30% da população têm acesso a serviços padronizados

No contrato de concessão ficou estabelecido como tarefa da CAB realizar a universalização da água e da rede esgoto em Cuiabá num prazo de trinta anos. Mas, ainda não se sabe o que foi realizado. Hoje, a concessionária passa por intervenção da prefeitura, que criou uma nova agência reguladora por determinação judicial – a Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec) – para analisar detalhes sobre a operação da concessionária. Os serviços deveriam partir dos dados compilados no último plano de saneamento, de 2011. Outros 69% da população tem acesso intermitente.

Nele, a prefeitura aponta que havia em Cuiabá, até a data, 150.439 ligações domiciliares de água, e o déficit era de 38 mil ligações. A extensão da rede de encanamento para a distribuição era de apenas 2,8 mil km; e na maioria dela, o registro de consumo estava instalado. À época, esses números representavam cerca de 30% das moradias, que estavam concentradas na região central de Cuiabá. A estimativa populacional estava em 551.098 habitantes, número que subiu para 580.489, conforme dados dos censos de 2010 e 2015, respectivamente, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O nível de desperdício era 60%. Subiu para 67%, segundo nova pesquisa da Arsec.

Os serviços de rede de esgoto estavam mais precários. Atendiam aproximadamente a 38% da população, com 55.549 ligações, no entanto, só em 28% ocorriam a coleta e o tratamento do que era produzido. A extensão da rede principal tinha apenas 14 km. Tamanho pífio para a população de Cuiabá e que já era problemático devido ao crescimento populacional.

“O plano diretor de saneamento precisa ser seguido. O que está nele aponta para onde a cidade deve seguir o que deve ser feito. Nem o prefeito pode mexer no plano a seu bel-prazer. Corre-se um grande risco ao não seguir o plano porque não se sabe o que está sendo executado, e para um setor do tamanho do saneamento básico de Cuiabá, isso gera prejuízos grandes para a sociedade”, diz a advogada Gisele Gaudêncio.

Sindicato diz que concessão é inviável para Cuiabá

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Água, Esgoto e Saneamento de Cuiabá (Sintaesa), Ideueno Fernandes, diz não ver viabilidade para a transferência dos serviços de saneamento básico de Cuiabá para a iniciativa privada. Ele diz que o motivo pode ser identificado em uma análise de mercado, no quesito aplicação e lucro para as empresas.

“Estima-se que seja necessário cerca de R$ 1 bilhão para aplicação em serviços de saneamento em Cuiabá. É um dinheiro que deve ser aplicado sem a espera de retorno por um longo período de tempo, porque a arrecadação do setor em Cuiabá é baixa”, explica.

Ele diz que o metro cúbico de água custa hoje em Cuiabá R$ 28, valor que, apesar de alto em relação a outras capitais brasileiras, não é possível gerar lucro em curto prazo. “Se você colocar esse dinheiro no banco, vai ter um rendimento mensal de R$ 10 milhões, sem correr nenhum risco. Ou seja, isso numa visão empresarial que mostra a inviabilidade de a iniciativa privada assumir os serviços, a não ser que faça por outros motivos”, alfineta.

Para ele, a prefeitura errou ao optar pelo serviço de concessão pública. Fernandez defende uma alternativa de parceria público-privada para o desenvolvimento da área. “O município pode passar parte dos serviços para a empresa privada, mas não pode se desvincular da tarefa de trabalhar o segmento, é dever do Estado fazer isso”.

Relatório do plano de saneamento publicado pela prefeitura contém apresentação de faturamento e arrecadação da Sanecap de 2004 a 2009. Nesse período, o volume de dinheiro movimentado nos dois indicadores dobrou. Em 2004, o faturamento ficou em R$ 46.212.489; cinco anos mais tarde chegou a R$ 93.486.557. O lucro saiu de R$ 39.641.480 para R$ 81.101.383.

À época do lançamento da concessão de serviços, Cuiabá perdeu a remessa de cerca de R$ 300 milhões do governo federal pela segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).

Relatório aponta baixo desenvolvimento dos serviços

Relatório elaborado pela Arsec, em referência a três anos de atividades da CAB Cuiabá (2012-2015) aponta que os principais problemas são o baixo desenvolvimento dos serviços de produção, distribuição e reserva de água. No período analisado, índice global de reservação deveria estar em 33% conforme meta estabelecida em contrato, mas não ultrapassou 25%.

“Isso gera a falta de água na casa do consumidor. O problema da intermitência continua. A CAB Cuiabá não executou algumas metas estabelecidas em contrato, e na escola se você reprova de uma matéria, você é reprovado”, diz o diretor da agência, Alexandre Bustamante dos Santos.

Ele também aponta para a necessidade de seguir as diretrizes do plano de saneamento para o desenvolvimento planejado da cidade. “No plano diz para onde Cuiabá pode crescer, onde há espaço para viabilidade dos serviços. É necessário segui-lo”.

Bustamante diz, ainda, que o grave problema de desperdício de água, hoje na casa de 67%, gera o encarecimento de outros serviços. “E se o serviço de reservação não está bem, a situação se complica. Porque você precisa captar água no rio, usar produtos químicos para a purificação e ter espaço para colocar água. Mas por que captar 100 litros de água se você vende somente 3, por exemplo?”.

Em seu relatório, a Arsec mostra que a qualidade da água distribuída em Cuiabá está aquém da necessária. Em 2014, a meta era que o índice chegasse a 99% da aprovação, porém o sistema mais bem tratado, do Parque Cuiabá, teve marcação de 98,80%. Os resultados foram bem piores nas estações do Ribeirão do Lipa (70,80%) e do Tijucal (69,25%).

População cuiabana é a grande prejudicada por má gestão

Três ruas seguidas no conjunto habitacional Milton Figueiredo, em Cuiabá, têm o mesmo problema de saneamento básico desde sua fundação, há cerca de oito anos. A rede de esgoto estoura com recorrência. É um local de finais de ruas em declive, que se ligam uma à outra por uma terceira rua atravessada, em área que propicia a represagem de água. O mau cheiro que exala no meio da tarde é forte e pode ser sentido a metros de distância. “Mas no final do dia, à noite, seu nariz fica impregnado, arde; já passei mal por causa disso”, diz a doméstica Creodete Santos, cuja casa fica de frente para ao poço de resíduo, que está, atualmente, estourado há quase um mês.

Do outro lado da quadra, a poucos metros do portão da doméstica Fátima de Sousa, um cano de água está estourado há 15 dias. Não é também a primeira ocorrência. “Eles [trabalhadores da CAB] vêm, arrumam um pedaço, mas, daí uma semana estoura de novo e a água fica jorrando dia e noite”.

O jardineiro Joílson Gonçalves da Silva, que mora na antepenúltima rua do residencial, diz que o problema por lá é mais recente, tem aproximadamente um ano. Nesse período, se estendeu uma consequência corriqueira de chuva. A água do encanamento estourado e o chorume do esgoto ficam represados na última rua. “Vira uma lagoa aqui. Junta mosquito, fica cheiro horrível no final do dia, você está dentro de casa, e o cheiro está insuportável”.

Eles dizem que em todas as ocorrências a CAB Cuiabá, responsável pela manutenção dos serviços de saneamento, e a prefeitura são acionadas para resolver o problema. Quando aparecem, o remendo não dura mais que um mês. “Eu estou aqui desde o começo do bairro e sempre tem esgoto estourado e água jorrando na rua”, diz Fátima.

A falta de solução pode estar ligada a um problema macro sobre a universalização da distribuição de água e da rede esgoto. Os serviços paliativos e de pouco efeito indicam a falta de planejamento para execução das obras, e por motivos graves. A falta de um projeto com a demanda precisa dos trabalhos.

O problema é indicado em parecer jurídico montado pela advogada Meire de Costa Marques, a pedido do Sindicado das Indústrias da Construção Civil em Mato Grosso (Sinduscon-MT). Ela diz que nos quatro anos de atividade da CAB Cuiabá, que venceu concorrência pública em 2012, os trabalhos para distribuição da rede de esgoto e de água na capital foram executados com um planejamento próprio da empresa e que teve irregular acompanhamento pela extinta Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (Amaes).

“Cuiabá tem um plano de saneamento básico, mas que na análise que fiz não parece ter sido seguido. A CAB fez o que ela quis, e hoje a prefeitura busca informações para saber o que foi feito, como foi feito e quanto foi gasto pela CAB desde 2012. Depois de quatro anos, se percebe que muito pouca coisa mudou no serviço de saneamento básico de Cuiabá, e especificamente de água e esgoto”, explica.

Fonte: Circuito Mato Grosso

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