Privatização da Sabesp
A privatização da Sabesp terá duas janelas de oportunidade neste governo. A primeira será no início de 2024, antes do calendário eleitoral das prefeituras – um cenário mais favorável, mas menos provável. A segunda será a partir de 2025. Trata-se da opção considerada mais factível pelo mercado, mas que traz um risco maior para a operação, justamente porque depende em grande medida do resultado das urnas, em especial na capital paulista.
Outorgas a municípios e investimentos ‘carimbados’ devem ser ferramentas de convencimento
O principal desafio do processo será político, segundo fontes que acompanham de perto o tema – algumas delas pediram anonimato. Além da aprovação do projeto na Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), o governo terá que renegociar os contratos com os cerca de 370 municípios atendidos pela companhia de água e esgoto. O caso mais complexo deverá ser o da cidade de São Paulo, que responde por cerca de 45% da receita da empresa.
As eleições podem, por um lado, ajudar na negociação, diz uma fonte. Parte das outorgas recebidas com a privatização deverão ser compartilhadas com as prefeituras, que se beneficiariam de um reforço de caixa em ano eleitoral. Ao mesmo tempo, a impopularidade do tema e divergências políticas com a gestão estadual podem ser entraves.
O cenário de maior incerteza, porém, se dará caso a discussão fique para 2025, após a troca de prefeitos – o que explica a determinação do Estado em fazer a privatização na primeira janela. Entre atores do mercado, o prazo é visto como curto e improvável, mas não impossível, considerando o nível de prioridade dado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao tema.
A maior preocupação é com a capital paulista. Hoje, a prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) já formou um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria de Governo Municipal, “para analisar tecnicamente todas as variáveis e, posteriormente, apresentar as propostas ao prefeito”, afirmou a gestão.
Um dos temas em jogo é o repasse de 7,5% que a Sabesp faz de sua receita bruta a um fundo municipal. A questão é que hoje a Arsesp (agência reguladora do saneamento no Estado) reconhece apenas uma parcela (cerca de metade) dessa transferência nas tarifas – o intervalo entra como um benefício à cidade, que agora poderá ser rediscutido.
Trata-se de uma disputa difícil, mas contornável, avaliam fontes. “Isso terá que ser incorporado aos estudos. É absolutamente razoável, o prefeito não vai aceitar condições piores do que as atuais”, diz uma fonte, que pediu anonimato.
A percepção é que a dificuldade será muito mais política do que técnica. Entre as variáveis em jogo estão o apoio eleitoral do governador nas eleições e a possibilidade de um candidato contrário à privatização sair vencedor.
Hoje, o processo ainda está em etapa inicial. O governo assinou, no dia 10 deste mês, a contratação dos estudos para definir o modelo da desestatização, com o IFC, do Banco Mundial.
A expectativa preliminar é que essa etapa dure de quatro a seis meses, diz uma fonte. Mas o programa de trabalho detalhado ainda deverá ser finalizado até o fim de abril, afirma Natália Resende, secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística.
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Privatização da Sabesp
Após a conclusão dos estudos e audiências públicas, a proposta deverá ser enviada para a Alesp e deverão ter início de forma efetiva as conversas com os municípios.
Na renegociação com as prefeituras, o governo deverá tentar ampliar os prazos contratuais, o que elevaria o valor da empresa. Além disso, diversos contratos (como o da capital) dizem expressamente que, em caso de privatização, a concessão da Sabesp pode ser extinta. Portanto, será preciso buscar um acordo com as cidades.
A renegociação demandará uma articulação política enorme, que seria considerada praticamente inviável, não fosse o fato de que a gestão conta com o apoio de um político habilidoso como Gilberto Kassab (PSD), dizem fontes. O secretário de Governo estadual é visto como peça fundamental.
Outro desafio será convencer a população. O governo tem destacado dois requisitos para a privatização: reduzir tarifas e antecipar a universalização. Hoje, nas cidades atendidas pela Sabesp, o índice de cobertura de água já é de 98%, e o de tratamento de esgoto é de 83%.
Além disso, a gestão planeja incorporar benefícios adicionais ao processo. “O valor e o escopo desses investimentos serão definidos nos estudos”, afirma Resende.
Ela explica que serão duas categorias de investimento. Primeiro, aqueles incluídos no contrato, ligados à expansão da rede e à despoluição dos rios. Além disso, haverá projetos associados à privatização. “Temos estudado PPPs de barragens, de desassoreamento. Podemos fazer uma vinculação por fora do contrato, criar um carimbo para a outorga obtida.”
Esses investimentos são considerados essenciais para aumentar o apoio da população. Uma fonte observa que, diferentemente da desestatização da Cedae (no Rio de Janeiro), em que o serviço era muito criticado e problemático, no caso da Sabesp será muito mais difícil justificar a privatização.
“A Sabesp não precisaria ser privatizada. É uma empresa boa, eficiente. Mas, sendo estatal, sofre com uma inescapável perda de produtividade”, afirma o engenheiro Jerson Kelman, ex-presidente da Sabesp e atualmente conselheiro de empresas, como a Iguá.
Ele defende a privatização devido aos potenciais ganhos de produtividade e pelo risco de interferência política. “A Sabesp é eficiente, em grande medida, por conta da continuidade administrativa no governo paulista. Mas basta uma gestão ruim para colocar tudo a perder”, diz.
Gesner Oliveira, ex-presidente da empresa e sócio da GO Associados, também apoia o processo. “Pode aumentar a agilidade, a capacidade de investimento, a penetração em novos mercados e dar mais continuidade à gestão. Se o processo for pautado pela transparência, é algo factível e desejável”, afirma. Ele destaca, porém, que ainda é preciso observar os estudos e entender como será a modelagem.
O governo tem indicado preferência pelo formato da Eletrobras, em que houve a pulverização da participação estatal, criando uma “corporation” (empresa sem controle definido). Porém, a equipe também sinaliza que propostas serão avaliadas – outro arranjo possível seria a venda da empresa, completa ou em blocos. “Se transformar em ‘corporation’, o Estado não se beneficia do prêmio pela venda do controle, mas fica com ações, que podem se valorizar. Aí é questão de estudar os cenários”, diz Kelman.
Fonte: Valor.