saneamento basico

Coprocessamento de Resíduos

Paulo Camilo Pena

O déficit habitacional e de infraestrutura são uma das maiores carências do país. Para suprir essa necessidade, é imprescindível o uso de um insumo utilizado do início ao fim de qualquer obra: o cimento. Sempre foi grande a preocupação e principalmente a mobilização do setor cimenteiro com as questões ambientais, de modo a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa. Isso significa investir em medidas de eficiência energética e em meios para intensificar o uso de matérias-primas e combustíveis alternativos.

Em virtude de esforços que vêm sendo há anos colocados em marcha pela indústria do cimento brasileira, já se registram os menores níveis mundiais de emissão de CO2 por tonelada de produto produzido, de acordo com dados internacionais do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável ( WBCSD – www.wbcsd.org ). E é justamente na busca por soluções para reduzir ainda mais sua pegada de carbono que a atividade do cimento vem constantemente se aprimorando. A mais recente iniciativa setorial pretende mapear as suas emissões, projetadas até 2050, e suas respectivas alternativas de redução.

Este ambicioso projeto, conhecido internacionalmente como Cement Technology Roadmap, é uma parceria da indústria do cimento nacional com o WBCSD, a Agência Internacional de Energia ( IEA – www.iea.org ) e o Banco Mundial. O estudo conta também com a colaboração de inúmeros especialistas de renomadas universidades do país, sob a coordenação técnica do ex-ministro e professor emérito José Goldemberg. Com lançamento previsto para o início deste ano ( 2018 ), o Cement Technology Roadmap analisa uma série de alternativas para a mitigação dos gases de efeito estufa do setor. Uma dessas principais medidas é a substituição dos combustíveis fósseis não renováveis tradicionalmente usados pela indústria (como coque de petróleo, por exemplo), por combustíveis alternativos com menor emissão, como biomassas e resíduos.

A queima de resíduos em fornos de cimento, conhecida como coprocessamento, é uma tecnologia mundialmente consagrada e que, além de reduzir as emissões da indústria, surge como uma solução ao passivo ambiental representado pelo acúmulo de rejeitos na natureza, transformando-os em energia. No Brasil, a alternativa vem ganhando expressão desde a sua regulamentação pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente ( CONAMA ), em 1999. Atualmente, cerca de 60 % das plantas industriais possuem fornos licenciados para realizar o coprocessamento.

 

Solução ao passivo ambiental representado pelo acúmulo de rejeitos, transformando-os em energia Somente em 2015, foram coprocessados mais de um milhão de toneladas de resíduos, entre pneumáticos usados e resíduos industriais, como óleos, tintas, plásticos, entre outros. Isto representou cerca de 10 % do consumo energético total da indústria do cimento. Números crescentes, mas ainda tímidos quando comparados à realidade da União Europeia. Lá, o percentual de utilização destes combustíveis alternativos chega a 35% de substituição térmica, sendo que há países como a Áustria onde esse índice é superior a 65%.

residuos

O pneumático é um dos resíduos mais emblemáticos, cuja degradação leva mais de 150 anos. Somente em 2016 foram destruídos de forma ambientalmente correta na indústria de cimento cerca de 56 milhões de pneus, impactando diretamente em três fatores fundamentais : (i) saúde pública, diminuindo a proliferação de vetores de doenças ; (ii) ambiental, retirando do meio ambiente essa quantidade expressiva de resíduos ; e (iii) econômica, substituindo o combustível principal, que é o coque de petróleo importado – não renovável e de maior emissão.

Para alcançar níveis de substituição maiores e consequentemente mitigar ainda mais as emissões de gases de efeito estufa, o setor vem se mobilizando para aumentar a variedade de combustíveis alternativos, ao utilizar os chamados resíduos sólidos urbanos, que nada mais são do que aqueles resultantes das atividades doméstica e comercial das cidades. A Lei 12.305/10 da Política Nacional de Resíduos Sólidos ( PNRS ) contempla o aproveitamento energético destes rejeitos. Essa prática é amplamente utilizada na Europa, de forma a eliminar aterros sanitários e agregar valor energético ao nosso lixo doméstico. Em São Paulo, foi recentemente aprovada resolução para regulamentar a utilização de Combustíveis Derivados de Resíduos Urbanos ( CDRU ), permitindo a sua utilização em fornos de cimento.

Atualmente a indústria cimenteira em parceria com consórcio do Agreste de Sergipe, que reúne 23 municípios, está desenvolvendo um projeto para eliminação de lixões de modo a tornar todo resíduo que não é passível de reciclagem, em combustível para indústria de cimento. Isso contribuirá para a melhoria da qualidade de vida de cerca de 400 mil habitantes da região. Projetos similares a este estão sendo desenvolvidos nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Ceará. O setor identifica um potencial de substituir cerca de 50 % de toda sua matriz energética por combustíveis alternativos até 2050, acompanhando a tendência mundial. Para isso, faz-se necessária a valorização dos resíduos como fontes alternativas de energia pelo poder público, em cumprimento à própria PNRS.

Tomando novamente a União Europeia como exemplo, a partir dessa valorização o bloco conseguiu, em pouco menos de vinte anos, reduzir em 50 % os resíduos urbanos enviados a aterros e aumentar a reciclagem e reaproveitamento térmico dos mesmos em 160 %. O desafio é grande. Mas grande também é o empenho dos fabricantes de cimento no Brasil em resolver a equação de aumentar a produção quando da retomada do crescimento e ao mesmo tempo reduzir ainda mais suas emissões de carbono. Com o objetivo maior de atender sempre de forma sustentável à demanda por cimento para a construção habitacional e da infraestrutura do país, diversificar os tipos de resíduos nos fornos de cimento será um grande passo nesse sentido.

paulo-camilo

Paulo Camillo Penna é presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento ( SNIC – www.snic.org.br ) e da Associação Brasileira de Cimento Portland ( www.abcp.org.br ).

Últimas Notícias:
Gerenciando Montanhas Lodo

Gerenciando Montanhas de Lodo: O que Pequim Pode Aprender com o Brasil

As lutas do Rio com lodo ilustram graficamente os problemas de água, energia e resíduos interligados que enfrentam as cidades em expansão do mundo, que já possuem mais de metade da humanidade. À medida que essas cidades continuam a crescer, elas gerarão um aumento de 55% na demanda global por água até 2050 e enfatizam a capacidade dos sistemas de gerenciamento de águas residuais.

Leia mais »