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Intersetorialidade nas políticas brasileiras de saneamento e de recursos hídricos em um contexto de reformas

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Resumo

Esta tese tem por objeto a compreensão das formas com que a intersetorialidade entre as políticas públicas brasileiras de saneamento e de recursos hídricos ocorrem e como são tratadas no âmbito das respectivas políticas, em um contexto de reformas inconclusas e de alcance limitado. Esse contexto compreende a reforma da política de recursos hídricos, que se frustra diante das expectativas de ruptura com tradições estadocêntricas de gestão da água, e a reforma da política de saneamento, que se choca com uma institucionalidade conservadora e insular herdada do PLANASA. O trabalho vale-se do conceito novo institucionalista da dependência da trajetória, para explorar efeitos institucionais e políticos de arranjos passados que condicionam as políticas vigentes. Para o desenvolvimento do trabalho, buscou-se caracterizar setores e políticas e suas dinâmicas históricas e explorar os principais aspectos da retórica construída em torno desses conceitos, expressos em peças de planejamento setorial destas políticas. A tese também compreende uma revisão de elementos conceituais sobre integração de políticas e a busca de narrativas de especialistas sobre aspectos que potencializam e limitam a intersetorialidade entre estas políticas. Um conjunto de especialistas nas referidas políticas, com atuação acadêmica ou governamental, foi entrevistado, visando explorar suas perspectivas da intersetorialidade e dos processos históricos recentes. As narrativas dos especialistas e análises documentais sistematizadas no trabalho produzem imagens pouco promissoras do conteúdo reformista das políticas de saneamento e de recursos hídricos, ao confirmarem as pequenas repercussões práticas da retórica sobre intesetorialidade e as importantes continuidades institucionalizadas nestas políticas.[/vc_column_text][vc_column_text]

Introdução

As políticas e setores de saneamento1 e de recursos hídricos se desenvolveram e se institucionalizaram a partir de motivações e de conjunturas econômicas, políticas e sociais distintas e em diferentes momentos históricos. Guardam relação com a estruturação do estado brasileiro, consolidação das estruturas urbanas e com os grandes movimentos internacionais sobre os temas (MURTHA; CASTRO; HELLER, 2015). Apesar das evidentes interfaces, complementaridades e interdependências, as trajetórias institucionalizadas, especialmente a partir da década de 1930 no caso dos recursos hídricos e, a partir da década de 1960 para o saneamento, conduziram a dinâmicas próprias e a marcos normativos, arranjos organizacionais e dispositivos instrumentais muito díspares. Merece atenção a distância historicamente construída entre estas políticas (BRASIL, 2006b, p.22), a grande resistência e o caráter limitado das reformas institucionais recentes nestas políticas (SOUSA, 2011; RAVENA, 2012), além da pouca interação das estruturas do Estado para coordenação e integração das ações (BRITTO et al., 2012).

As abordagens acadêmicas sobre as interfaces das políticas (FARIA; FARIA, 2004; LIBÂNIO, 2006; NASCIMENTO; HELLER, 2005; PENA PEREIRA et al., 2000; SENRA; MONTENEGRO, 2009; TUROLLA, 2002) ; as mútuas referências nos marcos legislativos2 e de planejamento recentes como o Plano Nacional de Recursos Hídricos – PNRH (2006), a Conferência Nacional de Saúde Ambiental (2009) e o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB (2013); a necessidade de melhorar o desempenho das políticas e a emergência de uma retórica3 acadêmica e governamental sobre integração de políticas servem de estímulo para reflexões sobre formas intersetoriais de ação em diferentes graus de integração das políticas.

Nas últimas décadas o conceito de intersetorialidade emerge na literatura especializada e nas peças oficiais de planejamento como alternativa às limitações da ação setorial e à fragmentação do Estado no campo das políticas públicas de saúde, saneamento, meio ambiente e de recursos hídricos. A ineficácia e insuficiência das abordagens setorializadas ou fragmentadas para lidar com complexas ações governamentais em realidades sociais multideterminadas estariam a demandar novas formas de integração de políticas (CORDEIRO, 2011, p.477).

A estruturação do Estado moderno em setores possibilitou um modo de organizar a administração pública em compartimentos especializados para lidar com questões específicas como energia, saúde, educação e seguridade social. Nesta perspectiva, pode-se entender a setorialidade na administração como um modo de distribuição de recursos, incentivos, capital político e perícia técnica nas mãos dos grandes órgãos do Estado que permitiu apoiar, setor a setor, a modernização do país (MULLER, 1990). Um exemplo concreto de apoio à modernização setorial provém de instituições financeiras estatais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES:

Em 2002, o BNDES completou cinquenta anos de história. Nessa trajetória – marcada pela transformação do Brasil em nação industrial competitiva –, talvez o principal legado da atuação do Banco tenha sido a capacidade de pensar e compreender a dinâmica da economia brasileira a partir de seus setores produtivos específicos. Foi essa “cultura setorial” que permitiu ao BNDES identificar os principais obstáculos ao desenvolvimento, assim como criar os instrumentos necessários para concretizar sua tarefa de financiador dos projetos essenciais para a inserção do país entre as economias mais avançadas (BNDES, 2002, p.6).

A persistência de falhas nas interfaces das políticas, atribuídas à ausência de cooperação ou coordenação, e a crescente consciência da complexidade dos problemas modernos, especialmente os decorrentes da urbanização e industrialização, levam a questionamentos sobre a adequação do paradigma setorial para resolução de problemas nas fronteiras das políticas que estas, isoladamente, não conseguiram resolver.

Britto et al. (2012), analisando aspectos institucionais da Política Federal de Saneamento Básico – PFSB, defendem o argumento segundo o qual a prática da intersetorialidade constitui passo indispensável para melhorar a eficiência e a efetividade da política. Apontam obstáculos para sua realização, decorrentes da consolidação de trajetórias que imporiam legados de inércia e resiliência. Estes reforçariam a fragmentação e dificultariam a articulação no âmbito das ações do Estado em políticas públicas relacionadas.

Um traço comum das reformas empreendidas no âmbito das políticas de saneamento e de recursos hídricos a partir da década de 1990 diz respeito à instituição de novas formas de mediação de interesses sociais junto ao Estado. No âmbito da política de saneamento com a instituição de instâncias deliberativas e de controle social e na política de recursos hídricos, com a incorporação de comitês de bacias e de conselhos multissetoriais. São desenvolvimentos que podem ser interpretados como decorrentes de uma crítica à ação centrada no Estado e ao modo como o corporativismo setorial formula e implementa políticas públicas. Ambas as reformas apontam também para a descentralização e para a coletivização das decisões com a incorporação e legitimação de novos atores políticos, o que, obviamente, desperta reações nas estruturas que hegemonizaram os setores ao longo da história.

A promulgação recente de marcos normativos no campo do saneamento, a Lei Nacional de Saneamento Básico – LNSB, Lei 11.445 de 20074 (BRASIL, 2007a), e o Plano Nacional Saneamento Básico5 de 2013 (BRASIL, 2014b) e de normativos no campo dos recursos hídricos, como a Lei 9.433 de 19976 (BRASIL, 1997), e o Plano Nacional de Recursos Hídricos, de 2006 (BRASIL, 2006a), assim como a ampliação significativa dos investimentos em saneamento básico a partir de 2007, resultaram em relevantes alterações no quadro normativo dos setores, embora restem dúvidas sobre a capacidade das reformas de produzirem rupturas com as evidentes ineficiências das políticas. Este quadro reforça a necessidade de atualizar os esforços acadêmicos e de estabelecer contribuições para o conhecimento, não apenas da dinâmica dos setores como também de seus modos, alegadamente insulares e disciplinares de operação. Assim, ganham relevo as críticas ao modo setorial de ação e cresce o interesse sobre a retórica da intersetorialidade contida nas peças governamentais, seus principais contornos conceituais, limitações e potencialidades para sua prática no âmbito destas políticas.

Neste sentido, buscou-se explorar elementos históricos das políticas em âmbito nacional, aspectos conceituais e percepções de atores relevantes7 no processo de concepção e de gestão, por meio da realização de entrevistas com especialistas dedicados a análises acadêmicas e com atores do campo governamental em posições de comando, na busca de visões e de discursos sobre saneamento e recursos hídricos sob a perspectiva da integração. Buscou-se, por meio de tradição metodológica avaliativa construída após a Segunda Guerra Mundial para programas e projetos em um contexto de investimentos em políticas públicas (MINAYO, 2005), analisar processos de reforma em políticas públicas com foco em conceitos amplamente usados em seus respectivos normativos, quais sejam, a ação intersetorial e o fenômeno de dependência da trajetória.[/vc_column_text][vc_column_text]

Autor: Ney Albert Murtha.

 

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