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Portaria n° 577: Ferramentas da economia a serviço do saneamento

Recentemente foi editada a Portaria n° 577, de 11 de novembro de 2016, pelo Ministério das Cidades com a finalidade de regular os normas de referência para elaboração do estudo de viabilidade técnica-financeira (EVTE) previsto no inciso II, do art. 11, da Lei n° 11.445/2007 (Lei Nacional do Saneamento Básico), que determina que o contrato de prestação de serviço de saneamento deverá ser necessariamente precedido destes estudos, dentre outras exigências constantes na referida Lei.

Pode-se dizer que a Portaria n° 577 trata, em linhas gerais, de especificar o conteúdo que deverá ser preenchido no EVTE (estudos de regionalização, de demanda, sobre o valor do investimento, sobre a avaliação econômico-social, sobre o modelo do negócio, etc.); entretanto, conforme abordaremos à frente, o que chama atenção é a utilização de conceitos próprios das ciências econômicas, também estudados na disciplina da Análise Econômica do Direito – AED (law & economics), na formação dos dispositivos que deverão ser observados pelo destinatário da norma.

Neste sentido, foi possível observar os seguintes conceitos das ciências econômicas na Portaria n° 577: de ganho de escala (inciso VIII, do art. 2°), de eficiência (inciso VIII, do art. 2°), de externalidades positivas e negativas (inciso II, do art. 16) e de custo de oportunidade (inciso III, do art. 16). Em função do espaço limitado, vamos nos restringir à análise do tema das externalidades aplicadas à atividade do saneamento.

Antes, porém, convém destacar que a referida portaria denota talvez o fortalecimento do movimento da AED no Brasil, por meio do qual se pretende utilizar o ferramental oferecido pelas ciências econômicas na estruturação de normas legais e entendimentos doutrinários aplicados às diversas searas do Direito, tais como, contratos, societário, público, etc. Corrobora esta posição o Projeto de Lei n° 487/2013, que igualmente trata sobre “externalidades” (art. 48), e a decisão no Recurso Especial nº 1163283/RS, que faz menção expressa à Análise Econômica do Direito – AED.

De acordo com Vasco Rodrigues, “por externalidades referimo-nos aos custos ou benefícios que as atividades de algum agente impõem a terceiros que não por via do sistema de preços: se a atividade impõe custos, diz-se que produz uma externalidade negativa; se impõe benefícios, que produz uma externalidade positiva” (Análise Econômica do Direito: Uma Introdução. Coimbra, Almedina, 2007, p. 41).

Deste modo, no caso da Portaria n° 577, deverá constar no estudo de avaliação econômico-social (art. 16) a “estimativa das externalidades positivas e negativas do projeto”. Significa dizer que o responsável pela elaboração do estudo de viabilidade técnica-financeira deverá levar em conta todos os possíveis benefícios e prejuízos decorrentes do projeto a ser proposto. Cabe destacar que esta análise não se refere a uma aferição de ordem quantitativa, ou seja, do custo sobre os possíveis efeitos da externalidade; tarefa de difícil mensuração e que poderia implicar em custos transacionais proibitivos.

Como exemplos de externalidades positivas em projetos de saneamento seria possível citar, in abstrato, menores gastos com o sistema de saúde pública, elevação da qualidade de vida da população, solução de problemas com alagamentos, solução de problemas com resíduos sólidos; etc. Com relação às externalidades negativas a dificuldade para se estimar é um pouco maior, contudo, uma possibilidade diz respeito ao custo de oportunidade que o Estado teria ao eleger um projeto de saneamento em detrimento de outra funcionalidade pública (escola, segurança, etc.).

Finalizando, o que se pretendeu destacar nesse breve ensaio é que a Portaria n° 577 adotou de forma expressa determinados conceitos das ciências econômicas, o que andou bem neste sentido. Esta postura parece caminhar na mesma direção daqueles que advogam pelo fortalecimento da AED, ainda pouco utilizada no Brasil, mas cujos princípios podem colaborar para uma aplicação do Direito melhor alinhada com a busca de resultados a um menor custo.

Diego Valois, Mestrando em Direito dos Negócios e Pós-graduado em Direito da Infraestrutura pela FGV DIREITO SP. Membro Fundador e Coordenador do Comitê de Governança do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE.

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