Não obstante o poder de autotutela da Administração Pública e o previsto no art. 49da Lei Federal n.º 8.666/93, afigura-se injurídico o ato de revogação do pregão presencial promovido pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Mariana com fundamento na suposta violação do princípio da economicidade pela proposta declarada vencedora, se se verifica ‘in casu’ que o valor ofertado pela licitante e aceito pelo pregoeiro ficou até mesmo aquém do preço estimado dos serviços de consultoria e assessoria jurídica apurado por pesquisa mercadológica na fase preparatória do certame.
AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO Nº 1.0400.13.005097-6/001 – COMARCA DE MARIANA – REMETENTE: JD 2 V CV CR EXEC PENAIS COMARCA MARIANA – APELANTE: MUNICÍPIO DE MARIANA – APELADA: SGARBI & MAGALHAES ADVOGADOS – ME – AUTORIDADE COATORA: DIRETOR EXECUTIVO DO SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE MARIANA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em CONFIRMAR A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.
DES. EDGARD PENNA AMORIM
RELATOR
DES. EDGARD PENNA AMORIM V O T O
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por SGARBI & MAGALHÃES ADVOGADOS contra ato do DIRETOR EXECUTIVO DO SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE MARIANA – SAAE MARIANA, consubstanciado na revogação do Processo Licitatório n.º 052/2013 – Pregão Eletrônico n.º 12/2013 -, no qual a impetrante havia se sagrado vencedora.
Adoto o relatório da sentença (f. 343/346), por fiel aos fatos, e acrescento que o i. Juiz da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Mariana, Pedro Câmara Raposo Lopes, concedeu parcialmente a segurança, para
anular o Termo de Revogação de 30.SET.2013 e determinar à autoridade coatora que adjudique o objeto da licitação (pregão nº 012/2013) à impetrante e homologue processo, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais);
(…). (Destaques do original.)
A sentença foi submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
Inconformado, apela o DIRETOR DO SAAE MARIANA (f. 350/354), em defesa da juridicidade do ato administrativo que, com amparo no permissivo do art. 49 da Lei n.º8.666/93, promoveu a revogação do processo licitatório por razões de interesse público, no caso o elevado valor da proposta apresentada pela licitante vencedora. Neste sentido, sustenta que o preço ofertado pela impetrante para prestação dos serviços de assessoria jurídica seria superior aos próprios vencimentos mensais de um advogado do quadro efetivo de pessoal da Administração Pública, o que corroboraria a conclusão administrativa de que a contratação seria inconveniente para o serviço público.
Contrarrazões às f. 358/362, pelo desprovimento do apelo.
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça às f. 369/375, da lavra da i. Procuradora ELIANE MARIA GONÇALVES FALCÃO, pela manutenção da sentença.
Conheço da remessa oficial, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Como visto, a impetrante se volta no presente “writ” contra a revogação do Pregão Presencial n.º 12/2013 promovido pelo SAAE DE MARIANA, cujo objeto é a contratação de pessoa física ou jurídica para prestação de serviços técnicos de consultoria e de assessoria jurídica e administrativa (f. 269).
Segundo se infere dos documentos de f. 176/180, após a fase de lances verbais, o valor da proposta da impetrante – correspondente a R$52.800,00 (cinquenta e dois mil e oitocentos reais) – fez com que ela fosse classificada em 2º (segundo) lugar, logo após o licitante Cor Jesu Quirino Filho, que havia oferecido o montante de R$51.600,00 (cinquenta e um mil e seiscentos reais).
Entretanto, em decorrência da inabilitação do primeiro classificado, foi designada nova data para abertura do envelope de habilitação da requerente, que veio a ser considerada habilitada, bem como declarada vencedora no certame (f. 261). Não obstante, após parecer da Procuradoria Geral do Município (f. 262/264), a licitação restou revogada por “razões de interesse público e economicidade” (f. 269), com fundamento no art. 49 da Lei n.º 8.666/93 – subsidiariamente aplicável ao pregão, por força do art. 9º da Lei Federal n.º 10.520/2002 -, “in verbis”:
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. § 1º A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. § 2º A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.
§ 3º No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa. § 4º O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação. (Sublinhas deste voto.)
Antes de tudo, não há dúvidas que o MUNICÍPIO detém a prerrogativa de, com amparo no dispositivo supramencionado e ainda no seu poder de autotutela – preconizado na Súmula n.º 473 do exc. Supremo Tribunal Federal -, promover a revogação do procedimento licitatório, por razões de interesse público.
Contudo, embora a prática desta atribuição esteja na esfera discricionária da Administração Pública, é certo que ela não se pode traduzir em atuação arbitrária de poder, desprovida das formalidades e exigências legais que estruturam o ato administrativo, como se dá com o dever de motivar e com a necessidade de adequação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato, mormente nos casos em que o referido ato resulte em intervenção na esfera jurídica de terceiros.
A propósito, recolhe-se da obra de MARÇAL JUSTEN FILHO:
A revogação ou a anulação somente são válidas quando formalizadas em ato motivado. A ausência de motivação é causa de invalidade. A motivação se sujeitará a controle jurisdicional, de modo que a ausência dos pressupostos de fato invocados na decisão, o erro de fato ou qualquer outro defeito constituirão causa para a cassação do ato de anulação ou revogação.
Nesse sentido, pode lembrar-se decisão cuja ementa é bastante esclarecedora. Ali se lê: ‘O desfazimento da licitação deve ser precedido de procedimento administrativo com oportunidade de ampla defesa e contraditório, não bastando a simples alegação de vício ou de interesse público, sendo necessário que a administração demonstre o motivo invalidatório.’ (RT 746/329). (“In”Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 685.)
Na espécie, verifica-se que o DIRETOR EXECUTIVO DO SAAE MARIANA justificou a revogação do Pregão Presencial n.º 12/2013 no parecer da Procuradoria Geral do Município, no qual se afirmou o seguinte:
Tendo em vista o interesse público e o princípio da economicidade, inobstante o vencedor atender todas as exigências do certame, a sua proposta é desvantajosa para a Administração, haja vista que [a] remuneração mensal seria de R$4.400,00 (quatro mil e quatrocentos reais) para a carga horária de 20 horas semanais, ou seja, claramente superior a praticada no mercado.
Cumpre destacar que a remuneração dos subprocuradores e procuradores adjuntos municipais é inferior ao valor da proposta vendedora, conforme documento anexo. (F. 262/263; “sic”.)
Da análise dos autos, convenço-me da insubsistência da motivação invocada pela Autoridade coatora para desfazimento do processo licitatório.
Em primeiro lugar, verifica-se que a alegada violação do princípio da economicidade foi suscitada pela Administração Pública após a aceitação, pelo Pregoeiro, do valor proposto pela impetrante, conduta esta que, além de prevista no art. 4º, inc. XI, da Lei n.º 10.520/2002 – “examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade” -, leva em conta critérios objetivos. É o que se extrai da lição de JAIR EDUARDO SANTANA:
A aceitabilidade (artigo 4º, XI, da Lei n.º 10.520/02) da proposta é realizada ao final, após os lances, e somente com a proposta vencedora.
Ambos são atos decisórios do pregoeiro, baseados em critérios objetivos estritamente vinculados ao edital. A aceitabilidade da proposta, entretanto equivale a um segundo crivo, direcionado à proposta de melhor preço, mais minucioso, e exprime a preocupação da Administração Pública em celebrar um bom contrato.
Na aceitabilidade, o pregoeiro deve igualmente levar em conta o valor estimado pela Administração Pública para a compra do bem ou aquisição do serviço. Por isto, lhe é dada a possibilidade de efetuar contra-proposta ao licitante. O pregoeiro não pode contratar em valor que exceda o estimado pela Administração Pública. (“In” Pregão presencial e eletrônico: manual de implantação, operacionalização e controle. Belo Horizonte: Fórum, p. 153/154.)
Ainda sobre a aceitabilidade do valor ofertado, a própria Lei n.º 10.520/2002 prevê, em seu art. 3º, inc. I, que na fase preparatória do pregão se exige, entre outras providências, a definição dos “critérios de aceitação das propostas”. No respeitante à forma de apuração de tais critérios, deve ela ser feita a partir de pesquisa dos preços praticados no mercado, a teor da expressa disposição do art. 8º, inc. III, alínea a, do Decreto Federal n.º 3.555, de 08/08/2000, “in verbis”:
Art. 8º A fase preparatória do pregão observará as seguintes regras:
(…)
III – a autoridade competente ou, por delegação de competência, o ordenador de despesa ou, ainda, o agente encarregado da compra no âmbito da Administração, deverá:
a) definir o objeto do certame e o seu valor estimado em planilhas, de forma clara, concisa e objetiva, de acordo com termo de referência elaborado pelo requisitante, em conjunto com a área de compras, obedecidas as especificações praticadas no mercado;
(…) (Sublinhas deste voto.)
Na hipótese sob exame, os documentos de f. 49/58 revelam que a Administração Pública municipal, por ocasião da fase preparatória do certame, promoveu pesquisa mercadológica com vistas à definição do preço estimado dos serviços de consultoria e assessoria jurídica e administrativa, chegando-se ao valor total estimado de R$89.119,99 (oitenta e nove mil, cento e dezenove reais e noventa e nove centavos).
Neste contexto, verifica-se que o valor proposto pela impetrante de R$52.800,00 (cinquenta e dois mil e oitocentos reais) se mostra bem inferior ao preço estimado pelo SAAE em pesquisa mercadológica.
Em consequência, afigura-se injurídica a revogação do pregão presencial com amparo na censurada ofensa ao princípio da economicidade. É que, à luz do disposto na Lei Federal n.º 10.520/2002 e no Decreto n.º 3.555/2000, o parâmetro a ser objetivamente sopesado para fins de aceitabilidade é apenas o preço de mercado do serviço licitado. Assim, no caso de revogação da licitação em face do elevado valor da proposta comercial, não me parece razoável levar em conta a remuneração paga aos servidores dos quadros da Procuradoria Jurídica do Município de Mariana – cujas atribuições legais sequer se sabe se são exatamente as mesmas do objeto licitado -, até porque, como bem afirmado pela i. Procuradora de Justiça ELIANE MARIA GONÇALVES FALCÃO, “nenhum dos motivos aduzidos para justificar a revogação do processo licitatório se traduz em fato superveniente” (f. 373).
Com estas considerações, em reexame necessário, confirmo a sentença, prejudicado o recurso voluntário.
Deixo de condenar o SAAE MARIANA ao pagamento das custas recursais, em virtude da isenção prevista no art. 10, inc. I, da Lei Estadual n.º 14.939/2003.
DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO (PRIMEIRA VOGAL) – De acordo com o Relator.
DES. ROGÉRIO COUTINHO (SEGUNDO VOGAL) – De acordo com o Relator.
SÚMULA: “EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO”
Amplie seu estudo
- Tópicos de legislação citada no texto
-
Artigo 49 da Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1993
-
Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1993