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Seca histórica transtorna a vida dos moradores de São Paulo

Habituada ao excesso e à pujança, a cidade mais rica e populosa do Brasil enfrenta o drama da escassez do bem mais precioso que há.

Os 11 milhões de habitantes de São Paulo, responsáveis por gerar quase R$ 500 bilhões por ano em riqueza, nos últimos meses observam com assombro suas torneiras secarem. Como resultado, a vida na principal metrópole brasileira vem sendo condicionada pela aridez de seus mananciais: atos corriqueiros como beber água, tomar banho ou lavar louça se tornaram desafios em razão da estiagem e da falta de planejamento das autoridades.

Moradores recorrem a galões de água mineral para consumo, deixam de lavar o carro e adiam a limpeza das roupas, condomínios limitam o acesso a piscinas e recorrem a caminhões-pipa, e há até quem substitua o banho em casa pela ducha em academias de ginástica. Água virou artigo de luxo. Embora a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) garanta não haver racionamento ou rodízio, Zero Hora testemunhou relatos de cortes no abastecimento, sobretudo entre o final da tarde e o começo da manhã, tanto em bairros periféricos como Itaquera quanto em ícones da opulência paulistana como o Morumbi.

A cada semana que passa sem chuvas intensas, o mar de asfalto vai virando sertão. A publicitária Bianca Ribeiro, 27 anos, moradora do bairro Vila Mariana, chega a receber ligações diárias da mãe desde a cidade de Amargosa, no Recôncavo Baiano, para saber se ela ainda tem água na torneira. Em Amargosa, no Nordeste, pouco chove, mas a família de Bianca vive em uma pequena chácara com piscina cheia e abastecimento ininterrupto.

No sobrado que Bianca divide com quatro amigos na Rua Padre Machado, 1,7 mil quilômetros ao sul do município baiano, a revolução no cotidiano atesta o impacto da seca paulistana. Das três máquinas de lavar disponíveis, apenas uma segue em uso. Os moradores, que antes lavavam roupas separadamente, agora misturam as peças para reduzir o gasto e prolongar a vida útil da caixa d’água. O resto do último enxágue é retirado para lavar o quintal. O pátio da frente, porém, deixou de ser limpo, assim como os dois carros.

— Dia sim, dia não, acaba a água que vem da rua depois das 17h, 18h, e volta só na manhã seguinte. A gente tem de poupar ao máximo para não ficar sem água na caixa. Mesmo assim, tem dia que acaba — lamenta Bianca.

 

Publicitária Bianca Ribeiro mudou hábitos em razão da crise. Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS

Até a alimentação dos moradores foi alterada nos últimos dois meses, quando o abastecimento se tornou incerto. Para não sujar ainda mais louça, que já costuma se acumular sobre a pia, a comida caseira é substituída por sanduíches, pizzas e outros lanches que podem ser consumidos sem pratos ou talheres. Resta o temor de que a situação piore.

— Estamos todos apavorados. Assusta muito o risco de que fique cada vez pior. Ainda não penso em me mudar porque moro em um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, e não acredito que vão nos deixar sem água — desabafa a publicitária.

Banho em academias e copos de plástico nos restaurantes

Para se adaptar ao clima árido, vítimas da crise adotam hábitos incomuns e novas regras em condomínios e restaurantes. Paulistanos estão recorrendo, por exemplo, a academias de ginástica não para se exercitar, mas para tomar banho.

— Como não dá para proibir, instalamos temporizadores nos chuveiros para limitar o gasto — conta o proprietário de uma rede de academias José Carlos Barbagli.

A valorização de cada gota disponível leva ainda condomínios e restaurantes a inovar: alguns prédios restringem o acesso às piscinas em determinados dias ou horários, a fim de reduzir a necessidade de reposição. Restaurantes substituem copos de vidro por recipientes descartáveis de plástico.

— Lavamos menos copos, mas não sabemos até quando será possível continuar desse jeito porque o custo aumenta — observa a gerente do Rigoletto, localizado no bairro Pinheiros, Roseli de Oliveira.

Por vezes, as estratégias são insuficientes e é necessário recorrer a caminhões-pipa em plena metrópole. Em um mês, Roseli teve de comprar quatro cargas para encher o reservatório e manter o estabelecimento aberto. Como resultado, o valor do caminhão-pipa mais do que dobrou e pode superar R$ 1 mil para 15 mil litros na cidade.

A água se tornou um produto tão valorizado que, combinado ao bom humor paulistano, dá origem a iniciativas como uma promoção da Rádio Mix FM que oferece mil litros como prêmio para quem enviar um vídeo com a melhor “dança da chuva”.

— Estamos na torcida para que tudo se resolva, mas rir um pouco não faz mal — opina diretor da rádio.

Outras emissoras, mais sérias, transmitem boletins sobre o nível das barragens com a mesma gravidade com que informam as oscilações da Bovespa. O que os paulistanos ouvem equivale a um crack da bolsa: o sistema Cantareira, que mata a sede de 6,5 milhões de pessoas, perde um ou dois décimos percentuais de sua capacidade a cada dia e chegou a míseros 12,4% sexta-feira.

Em razão disso, parte da maior frota de automóveis do país, com 5 milhões de veículos, deixou de ser lavada. Tornou-se comum ver carros cobertos de poeira nas ruas. Para reverter a queda de um terço no movimento, o dono de lava-jato José Ferreira decidiu exibir em uma faixa a garantia de que retira a água de um poço artesiano, e não da rede da Sabesp.

 

Para reconquistar clientes, José Ferreira exibe faixa com origem da água. Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS

Má qualidade da água preocupa moradores

Além da pouca quantidade, a qualidade da água também preocupa os moradores de São Paulo e leva a um pico na procura por distribuidoras de água mineral. Proprietário de uma revenda no bairro da Penha, Paulo Roberto Murda viu um acréscimo de quase 300% na venda de galões, mas garante que preferiria ter menos lucro:

— Eu gostaria de vender menos água, mas que chovesse sobre as barragens.

Um dos motivos para a explosão de demanda é visível na casa do cabeleireiro Humberto Augusto Vila Real, 53 anos. A cada dois dias, ele precisa retirar a vela interna do filtro de água da cozinha para limpá-la. O objeto, originalmente branco, sai marrom-escuro — a Sabesp informa que não há registro de problemas de qualidade.

— Quase toda noite falta água e, quando volta, sai da torneira esbranquiçada ou marrom — lamenta Vila Real, que toma banho dentro de uma grande bacia para reaproveitar parte da água do chuveiro nos sanitários.

A crise da seca é mais sentida nos bairros da periferia, principalmente nas casas com caixas d’água menores (ou sem reservatório) e maior consumo. Em Itaquera, por exemplo, bairro onde fica o estádio que abriu a Copa do Mundo, a família de José Bezerra, 32 anos, em muitos dias só consegue tomar banho até as 22h.

— Depois disso, só no outro dia de manhã — lamenta.

Mas os efeitos da sequidão na metrópole já chegam a bairros sofisticados como o Morumbi — embora quem mais perceba isso sejam os empregados das casas de alto padrão e grandes caixas d’água.

— O patrão não percebe porque a água costuma faltar de madrugada e depois volta. Mas quando a gente tenta abrir a torneira às 6h, sai ar — conta o motorista Cláudio Fernandes, 45 anos, que trabalha em uma casa a menos de 500 metros do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado mais rico do país — e um dos mais secos.

Fonte e Agradecimentos: JORNAL ZERO HORA

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