O usuário do serviço de água, quando abre a torneira, nem sempre é atendido apenas por um prestador de serviços. Em muitas situações, há uma empresa que capta a água, em manancial distante, para que ela seja distribuída entre diversos municípios, sendo que em alguns destes municípios pode haver um prestador próprio. Com isso, o usuário usufruiu do serviço de dois prestadores: o do “atacado” e o do “varejo”. O mesmo pode acontecer com os resíduos sólidos, que podem ser coletados em vários municípios, mas ter seu tratamento e disposição final em um mesmo aterro. Na telefonia ocorre o mesmo, quando um usuário de uma operadora liga para usuário de outra operadora; na energia elétrica também, porque a energia produzida por uma empresa pode ter sido distribuída por outras empresas. Nestas situações, determinadas etapas do serviço público possuem prestador diferente daquele que possui direta ligação com o usuário.
Na telefonia, a questão está disciplinada há tempos. Basta olhar a fatura de serviços telefônicos que o usuário fica sabendo quando está pagando para cada operadora. Afora isso, a relação entre os diversos prestadores é arbitrada pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações. Porém, no saneamento isso não ocorria. Somente com a LNSB – Lei Nacional de Saneamento Básico (lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007) esta questão foi disciplinada, tendo tal Lei previsto o contrato de interdependência, com aplicação nos serviços “em que mais de um prestador execute atividade interdependente com outra”.
Historicamente, a convivência entre diferentes prestadores de serviços de saneamento em uma mesma localidade ao início pacífica, após a política de saneamento do regime militar (conhecida como Planasa – Plano Nacional de Saneamento), foi se tornando conflituosa. Exemplo é o caso de Município que distribui água aos usuários por meio de entidade municipal, mas que depende dos serviços prestados por Companhia Estadual em etapas mais distantes da cadeia (captação, tratamento e adução de água). Nessas situações, são comuns conflitos relacionados ao valor das tarifas de água cobradas pelo prestador no atacado em face do prestador municipal.
Para acabar com as discussões e regular os direitos e obrigações de cada prestador, a LNSB determinou o conteúdo mínimo para esta relação, impondo a previsão de cláusulas que tratem de temas importantes como as condições e garantias recíprocas de fornecimento, acesso às atividades ou insumos, condições e garantias de pagamento, regime tarifário, entre outras (§2º, do art. 12). No aspecto de maior controvérsia, a LNSB deixou claro que não há obrigação de pagamento de um prestador de serviço em face do outro, pois todos os prestadores devem ser remunerados pelas tarifas cobradas dos usuários. A única peculiaridade é que a cobrança das tarifas deve ser realizada pelo prestador mais próximo do usuário (prestador do varejo), que deve “destacar, nos documentos de cobrança aos usuários, o valor da remuneração dos serviços prestados pelo contratado e de realizar a respectiva arrecadação e entrega dos valores arrecadados” (§3º, do art.12).
Embora tal solução venha a por fim às controvérsias envolvendo o pagamento pelos serviços entre os diferentes prestadores, o fato é que ainda são raríssimos os casos de contratos que, apesar de existentes, tenham sido formalizados nos moldes do art. 12 da LNSB, permanecendo a situação de ajustes verbais. Contudo, isso não afasta a aplicação da norma e o grande valor que essa modalidade contratual representa para a convivência harmônica entre os prestadores de serviços interdependentes de saneamento básico. Trata-se de solução adequada para o caso de serviços divididos em diferentes etapas, mas que entre elas seja fundamental a ação coordenada e a cooperação, a fim de se assegurar a eficácia do resultado final.
Fonte e Agradecimentos: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI192635,71043-Contrato+de+interdependencia+de+servicos+de+saneamento+basico+um