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Cidades confiscam água e fazem obras para fugir da seca

Acostumados à fartura dos rios que cortam o interior de São Paulo, diversos municípios nunca se preocuparam em reservar volumes significativos de água ou em fazer grandes obras para reduzir o desperdício na rede de distribuição. Em meio à mais severa falta de chuvas da história, mais recentemente essas cidades construíram reservatórios de água ou ampliaram os existentes, trocaram hidrômetros, passaram a buscar outras nascentes, a desassorear represas para ampliar a capacidade de armazenagem e iniciaram campanhas para redução do consumo. As medidas, dizem especialistas, amenizam, mas não resolvem os problemas.Caso a seca persista ao longo do ano, as 76 cidades abastecidas pela bacia dos rios Capivari, Jundiaí e Piracicaba (bacia PCJ) não possuem um plano de contingência integrado que assegure o abastecimento por muito tempo a seus 5,5 milhões de habitantes. Embora muitos municipios dependam do mesmo rio, por enquanto o que se observa são iniciativas tomadas individualmente pelas prefeituras. Cada município decide o que faz, sem relação com as ações da cidade vizinha.

O desenvolvimento de projetos em conjunto é praticamente inexistente, ainda que recentemente comecem a surgir iniciativas neste sentido – como a pressão conjunta de prefeitos de cidades do interior paulista sobre o governo do Estado para criação de um plano coletivo, e reuniões entre secretários e técnicos no Consórcio PCJ, entidade sem fins lucrativos que reúne os usuários para administração dessa bacia.

Os prognósticos ajudam a acelerar projetos. Caso não chova acima do esperado, o sistema Cantareira pode secar em até dois meses, nas estimativas da Sabesp. O rio Capivari, responsável por metade da água consumida em Valinhos e Vinhedo, por exemplo, depende da afluência desse sistema.

Em meio a crise, Valinhos começou a construção de três reservatórios de água bruta (sem tratamento) e de novas adutoras. A cidade colocou em ação um plano de troca da metade dos 33 mil hidrômetros, além de criar uma campanha de redução de consumo. Mesmo assim, segue em racionamento desde fevereiro do ano passado e com perspectivas pessimistas para os próximos meses. “Pela quantidade de chuva que era esperada e o que está sendo registrado não estamos otimistas. Teremos mais um ano difícil e sem recargas dos mananciais, o que deve aumentar as restrições de captação de água”, afirma Luiz Mayr, presidente do Departamento de Água e Esgoto (Daev) de Valinhos.

Em outras cidades como Limeira, Itu e Santa Gertrudes, a crise levou a dois movimentos: pesquisas hidrológicas para que fossem encontradas reservas subterrâneas de água ainda desconhecidas e o confisco de água armazenada em propriedades particulares.

Limeira é um dos exemplos de municípios que não possuíam reservação de água não tratada, mas passou a pensar nisso após 2014. “Uma crise dessa proporção nunca ocorreu. E Limeira é abençoada [pelo manancial do Pinhal]. Temos uma situação um pouco mais privilegiada [do que os municípios vizinhos]”, justifica o prefeito de Limeira, Paulo Hadich, sobre o fato de não ter ocorrido construções desse tipo no passado.

A concessão do serviço no município é da Odebrecht Ambiental. Hadich diz que a crise o obrigou a “confiscar” reservas d’água, inclusive poços artesianos disponíveis no município, por decreto.

Uma represa que era usada pela pequena central hidrelétrica Salto do Lobo chegou a deixar de gerar energia para que a água fosse direcionada a consumo humano. Juntamente com outras duas represas em propriedades particulares, a Salto do Lobo virou uma espécie de reserva técnica de Limeira, que prevê obras nos próximos meses de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões – como desassoreamento e alteamento (elevação) – para melhorar a reservação nesses locais. O prefeito estima que essas reservas darão folga de 50 dias para o município, caso não haja mais água.

Em Itu, cidade que foi um retrato da crise, com nove meses de racionamento no ano passado e protestos de moradores, as sete represas chegaram ter apenas 2% do volume máximo. No período mais difícil, o município, que dependia 100% de água de chuva para o seu abastecimento, passou a se preocupar em localizar fontes d’água. Encontrou o ribeirão Mombaça, na divisa com Araçariguama, e a fazenda Cajuru, área particular que detinha reserva – e começou a fazer obras de ampliação de sua estrutura de armazenamento. Recentemente, iniciou o desassoreamento das represas para aumentar em 50% a capacidade de armazenagem. O desassoreamento, medida que deveria ser periódica, não vinha sendo realizado. “A crise é tão severa que mudou o comportamento da região Sudeste”, justificou o coronel Marco Antonio Augusto, porta-voz do Comitê Gestor da Água (órgão criado no ano passado). A concessionária local é a Águas de Itu.

Um estudo para identificar todo tipo de reserva de água bruta a ser usada em situação emergencial foi feito também por Santa Gertrudes. Alexandre Leite, gerente de operações da Odebrecht Ambiental – empresa que detém a concessão por 30 anos – explica que também chegou a ser usada água das lagoas situadas em propriedades privadas, que antes abasteciam apenas os próprios imóveis.

O município de Santa Gertrudes decretou situação de emergência para fazer algumas captações. Foi preciso colocar bombas em locais mais distantes e trazer a água para pontos mais baixos até chegar à área onde existia a captação da empresa. Santa Gertrudes também passou a realizar captação de água em uma cava de argila desativada por empresas cerâmicas da região. A cidade não decretou racionamento.

Em outras cidades que também não tiveram racionamento recentemente, como Jundiaí, a ordem tem sido não descuidar. Há planos para aumento da reservação de água para 12 bilhões de litros. Em 2014, já houve um aumento da capacidade de 8 bilhões para 9 bilhões de litros. Hoje, se não houver mais água, a cidade tem uma folga de dois meses de abastecimento e isso deve dobrar quando chegar a 12 bilhões de litros, diz o presidente do DAE-Jundiaí, Jamil Yatim.

Em Vinhedo, como forma de lidar com a crise, a autarquia de água e esgoto (Sanebavi) espera a entrega de três estações de tratamento de água bruta e um novo reservatório até o fim do ano. Com a queda na afluência do rio Capivari, em outubro do ano passado, a Sanebavi interrompeu a captação devido à má qualidade da água, o que afetou a distribuição à população. Do meio de outubro para cá foi decretado racionamento. Os reservatórios terão papel de minimizar uma eventual nova interrupção.

Para técnicos no assunto, as ações isoladas são positivas, mas o ideal seria que existissem planos integrados entre municípios que compartilham das mesmas bacias. A não integração, justificam os municípios, ocorre porque os Recursos Hídricos dependem de permissão do DAEE [órgão estadual] e da ANA [Agência Nacional de Águas, órgão federal]. “Se o prefeito aqui quiser fazer algo com Itupeva ou com Jarinu, tem que ter permissão dessas duas agências”, diz Yatim, de Jundiaí.

O prefeito de Limeira tem opinião parecida. “A água tratada em Limeira beneficia o piracicabano. Mas água é uma questão que extrapola até regional”, diz Hadich, citando que boa parte dos rios depende do que ocorre em Minas Gerais. Não há nenhuma ação concreta de integração com os municípios vizinhos. Entretanto, ele afirmou que foi criado um fórum entre os municípios que participam do manancial do Pinhal para esse tipo de discussão.

Na avaliação de Andrea Borges, gerente técnica do Consórcio PCJ, a crise de abastecimento tem ajudado a mudar um pouco o comportamento das autarquias. Ela conta que até se configurar a atual escassez, a atuação dos gestores públicos era focada “na superfície”, com pouca importância às redes de abastecimento e a planos de longo prazo. Segundo ela, até o ano passado era incomum a presença de prefeitos em reuniões do consórcio. Com a importância que o tema ganhou, “eles agora se sentem obrigados a sentar e a procurar uma solução conjunta.”

Saneamento e água nunca foram uma prioridade, segundo Andrea. “Sempre tivemos a ideia que não haveria problemas na região devido à abundância dos rios”, afirma. O foco hoje, defende ela, no entanto, precisa ser cada vez mais ampliado para obras estruturais e de longo prazo.

Fonte e Agradecimentos: Valor Econômico

 

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