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Entenda por que São Paulo está ficando sem água

Esperar a chegada de um caminhão-pipa para encher meia dúzia de baldes com água para beber, cozinhar, lavar roupa e até tomar banho (de caneca). Cena de um dia qualquer no sertão nordestino. Ou na região metropolitana de São Paulo.

Com chuva até 70% abaixo da média no último verão, o nível do Sistema Cantareira, principal conjunto de reservatórios que abastece a Grande São Paulo, chegou a patamares críticos. O primeiro recorde foi batido em março: 14,6% do volume total, o menor desde que o sistema foi criado, em 1974. A Sabesp, companhia estadual de saneamento de São Paulo, instituiu desconto de 30% na conta de água para quem reduzisse 20% do consumo.

Em maio, a situação do Cantareira ficou ainda pior: chegou a 8,2%. Investigada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, a crise do abastecimento motivou a abertura de uma CPI na Câmara paulistana, ainda em andamento. Para evitar racionamento na maior cidade do país, o governo estadual liberou a exploração do chamado volume morto ou reserva técnica.

Nesta semana, já computada uma segunda reserva técnica, o volume do Cantareira caiu para 12,8%. A escassez de água afeta cerca de 24 milhões de pessoas em 67 municípios de São Paulo e também de Minas Gerais, onde ficam as nascentes dos rios Jaguari e Jacareí, que abastecem o sistema. Mas só a falta de chuva não explicaria a secura das torneiras.

— Não interessa que esta seja a pior seca dos últimos 84 anos. O governo falhou nas ações preventivas. Desde 2004, há indicativos da necessidade de se reduzir a dependência da região metropolitana do Sistema Cantareira, e isso não aconteceu — critica o sociólogo Pedro Roberto Jacobi, que coordena um grupo de pesquisa sobre governança de recursos naturais na Universidade de São Paulo (USP).

Há 10 anos, quando a permissão para a Sabesp retirar água do Cantareira foi renovada pelo governo paulista, o contrato previa criação de alternativas. Segundo o MP, a companhia continuou a retirar a mesma quantidade de água do sistema sem que fossem feitos investimentos em outras áreas. Em 2009, o relatório final do Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê destacou que o Cantareira tinha um “déficit de grande magnitude” e, novamente, aconselhou medidas para evitar o colapso. Há um sistema de água potável sendo construído no Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, mas as obras só devem ser concluídas em 2016.

O mais complexo na gestão imediata da crise hídrica paulista, para Jacobi, é que a estrutura social de uma região metropolitana como a paulistana é muito diferente do semiárido nordestino, onde se formou uma cultura de cooperativas para disponibilizar cisternas de uso comum.

— Aqui (em São Paulo), esperamos que movimentos sociais e organizações da sociedade civil possam fortalecer coalizões e pressionar o governo — diz o pesquisador da USP.

Um eventual efeito social da falta d’água é outro motivo de preocupação. Segundo Jacobi, pode haver dificuldade de administrar a indignação. Há duas semanas, a população fechou ruas e queimou pneus em Itu, que enfrenta o desabastecimento desde fevereiro. Moradores relatam ter ficado sem água por até 15 dias. Dezenas de municípios convivem há meses com racionamento ou rodízio. Em Guarulhos, a torneira seca dia sim, dia não. Em Mauá, tem um dia sem água a cada quatro dias com.

Cobrar pelo excesso é uma das medidas defendidas por Marcelo Vargas, professor da Universidade Federal da São Carlos (UFSCar) com pesquisa na área de políticas de saneamento e recursos hídricos:

— É preciso educar a população e as empresas para racionalizar o uso da água, com multas ou tarifas mais altas durante períodos de escassez.

Estiagem tem relação com características do El Niño

De acordo com o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe), ainda que o fenômeno não esteja plenamente configurado, a seca histórica no Sudeste tem a ver com características do El Niño, como o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, que resultam em déficit pluviométrico no norte e precipitações acima dos valores normais no sul do país. Tanto é que ocorreram fortes temporais no Rio Grande do Sul nos últimos meses, mas as frentes frias não conseguiam avançar para o Sudeste, barradas por uma massa de ar seco que agia sobre a região.

As análises mais recentes do Cptec/Inpe indicam que chuvas mais regulares ocorrerão a partir de meados de novembro na grande área central do Brasil, que inclui Sudeste e Centro-Oeste, ou seja, com ligeiro atraso em relação ao início climatológico da estação chuvosa (outubro a março). Se a precipitação não atenuar o problema, uma alternativa cogitada por pesquisadores do Instituto de Geociências da USP, a pedido do governo estadual, é retirar água do aquífero Guarani para abastecer a região de Piracicaba, aliviando o Sistema Cantareira. O estudo deve ser finalizado até o fim do mês.

Conforme o geólogo Reginaldo Bertolo, seriam 24 poços em Itirapina, no oeste paulista, onde o aquífero aflora a cerca de 300 metros da superfície. Esses poços seriam interligados por meio de tubulações até um reservatório único, de onde a água seria conduzida a uma estação de tratamento. A capacidade seria de 1m³ de água por segundo, suficiente para abastecer 300 mil pessoas. O custo ainda é desconhecido, e o tempo de implantação é estimado em um ano dependendo de ações políticas.

— Os poços seriam construídos em áreas particulares. Deve haver uma política de uso e ocupação do solo para garantir que a água da chuva se infiltre com boa qualidade — frisa Bertolo.

O pesquisador também destaca que o volume retirado do manancial deve ser controlada conforme o índice de chuva: da média pluviométrica anual da região, que é de 1500mm, cerca de 10% recarrega o aquífero. Esse seria o limite. Se for extraído além da recarga, o manancial pode secar em algum momento.

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