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Mais perto da energia estelar

Energia limpa e praticamente inesgotável. A meta ambiciosa de muitos cientistas acaba de ficar um pouco (pouco mesmo) mais próxima da realidade. Um grupo de mais de vinte pesquisadores do laboratório norte-americano Lawrence Livermore conseguiu pela primeira vez conduzir uma reação de fusão nuclear com uso de lasers em que a energia obtida foi maior que a energia contida no combustível usado. Isso significa um pequeno passo na direção de tornar a fusão um modo sustentável de produção energética.

Cientistas sonham com a fusão nuclear há pelo menos 50 anos. Nesse processo, que só ocorre naturalmente nas estrelas, a energia é obtida quando dois átomos fundem seus núcleos, originando um terceiro e liberando partículas altamente energéticas. A reação é semelhante à fissão nuclear, empregada hoje para geração de energia em usinas por todo o mundo. A diferença é que na fissão são usados átomos de elementos radioativos, como o urânio e o plutônio, que não se unem, mas são bombardeados até se romperem, liberando energia.

Por não usar elementos radioativos e sim átomos leves amplamente disponíveis na Terra (como o hidrogênio), a fusão é considerada mais limpa. Além disso, pela fusão é possível obter quantidades muito maiores de energia a partir de quantidades minúsculas de matéria. Estima-se que, se fosse possível usar a fusão para gerar energia elétrica, com o consumo de 10kw seriam obtidos 100kw – um ganho até quatro vezes maior que o conseguido nas usinas de fissão nuclear.

Até hoje as tentativas de geração de energia por fusão nuclear não se mostraram viáveis
O problema é que até hoje as tentativas de geração de energia por fusão nuclear não se mostraram viáveis. “Uma das técnicas aplicadas para obter a fusão, o confinamento magnético, tem mostrado bons resultados, mas ainda enfrenta alguns obstáculos, como conseguir materiais resistentes para fabricar o reator necessário para geração de energia”, explicou o físico Ricardo Galvão, da Universidade de São Paulo (USP). Outra técnica promissora, o confinamento inercial, não enfrenta essa dificuldade, mas gasta muito mais energia para criar a reação do que se obtém ao final.

Essa foi a técnica usada no experimento dos pesquisadores do Lawrence Livermore e o resultado não foi diferente. Se levado em conta todo o aparato envolvido na reação, não houve ganho energético. Mas, desta vez, os cientistas pelo menos conseguiram que a energia gerada fosse 1,8 vezes maior que a contida no combustível – uma mistura de deutério e trítio (variações do átomo de hidrogênio).

É um passo muito modesto, mas é mais do que qualquer um conseguiu antes”, disse à CH On-line Omar Hurricane, físico líder da pesquisa, publicada hoje na Nature.

Experimento ‘grandioso’
Para obter a fusão, os cientistas miraram 192 lasers superpotentes em um cilindro metálico dourado chamado de hohlraum (palavra alemã para ‘espaço vazio’). No interior desse objeto, mantido congelado, havia vácuo e também uma cápsula plástica que abrigava o combustível. O aquecimento do metal do hohlraum pelos feixes de laser deu origem a raios X, que pressionaram a cápsula com o combustível.

A cápsula sofreu uma pressão tão grande que foi comprimida em até 36 vezes”, explicou a física Debbie Callahan, que também participou do experimento, conduzido na National Ignition Facility (NIF), nos Estados Unidos. “É como comprimir uma bola de futebol até ficar do tamanho de uma ervilha.

Depois de ser comprimida até ficar com uma densidade três vezes maior que a do centro do Sol, a cápsula de combustível implodiu e os átomos de deutério e trítrio se fundiram, liberando energia.

Esquema de fusão nuclear

Esquema de fusão nuclear
Apesar de parecer algo grandioso, o hohlraum dentro do qual ocorreu o processo de fusão é menor que um grão de feijão, a cápsula que abrigou o combustível tem apenas 2 mm de diâmetro e o combustível ocupou um espaço de 17 microns (para se ter uma ideia o cabelo humano tem 100 microns de espessura). Além disso, toda a reação aconteceu mais rapidamente que um piscar de olhos, em 150 picossegundos.

Futuro ideal
A expectativa dos cientistas é conseguir que a energia produzida na fusão nuclear por confinamento inercial seja maior que a energia total usada no sistema, incluindo a energia despendida pelos poderosos lasers, que chega a 500 trilhões de watts em cada operação. Quando essa meta for atingida, os cientistas terão conseguido o que chamam de ignição.

Para que esse ponto fosse alcançado pelo experimento dos pesquisadores da NIF, seria necessário aplicar sobre a cápsula de combustível uma pressão mil vezes mais intensa que a usada, o que não é possível com os instrumentos atuais.

Cápsula metálica para fusão nuclear
Não podemos honestamente dizer que vamos conseguir a ignição”, disse Hurricane. “Estamos trabalhando como loucos nessa direção e temos uma chance, mas não podemos prometer nada.

Ainda que os cientistas consigam atingir essa meta, existem muitos desafios para que a fusão por confinamento inercial seja aplicada na geração de energia para abastecer cidades. O físico Ricardo Galvão aponta que a complexidade que exigiria uma usina de energia elétrica desse tipo talvez não fosse compensatória.

Dificilmente o confinamento inercial por laser terá aplicação prática, é muito difícil imaginar uma instalação de energia com 200 lasers de altíssima potência”, diz. “Esses lasers, além de consumir muita energia, ocupam espaços enormes e não podem ser usados continuamente, é preciso um intervalo de pelo menos 10 minutos entre cada implosão, o que tornaria a produção de energia insustentável.

Galvão acredita que a razão para o investimento na pesquisa de fusão inercial por parte dos Estados Unidos seja mais político que científico. Segundo o físico, a fusão inercial reproduz em pequena escala a ação de uma bomba nuclear e conduzir essas pesquisas seria uma forma de driblar a proibição de pesquisas de armas nucleares.

Em paralelo às pesquisas da NIF, a União Europeia e o Japão apostam na fusão nuclear por confinamento magnético e planejam a construção de um grande reator, o Iter (sigla para International Thermonuclear Experimental Reactor), que deve ficar pronto em 2015 na França.

De todo modo, Galvão reitera a importância de investir nas pesquisas de fusão independentemente da técnica usada. “Os resultados da NIF animam muito, pois mostram uma compreensão mais detalhada da fusão nuclear”, diz. E continua: “Os países mais ricos ganhariam muito com a fusão nuclear e o Brasil também. Em teoria, não precisamos dessa energia porque dispomos de hidrelétricas, mas em eventos como a seca que estamos vendo agora, a fusão nuclear poderia ser usada como backup sem ter o impacto no meio ambiente que têm as termoelétricas que usamos hoje.

Fonte: Ciência Hoje
Veja mais: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/02/mais-perto-da-energia-estelar

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