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Gaeco suspeita que desvio de verbas em Ribeirão foi replicado em Rondônia pela Aegea Saneamento S.A.

Considerada a segunda maior empresa privada do setor de saneamento básico do país, detentora de 16% do mercado particular, a holding Aegea Saneamento S.A. está na mira do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público (MP) de São Paulo.

A partir de documentos apreendidos durante a Operação Sevandija, que investiga fraude em licitações de R$ 203 milhões na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP), a Promotoria identificou indícios de que o mesmo esquema tenha sido reproduzido pela Aegea nos nove estados onde ela atua.

Operação Sevandija

Fraude em contratos e corrupção na prefeitura de Ribeirão Preto

Em nota, a Aegea informou que acompanha a investigação da Operação Sevandija, mas desconhece o teor das alegações, “pois não teve acesso aos documentos das apurações em curso, por não ser parte do processo, o qual corre na esfera criminal”.

Com sede na capital paulista, a companhia realiza serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto em 45 municípios brasileiros, por meio de 12 concessionárias e da Aegea Engenharia, responsável por obras e manutenção nas redes. O valor supostamente desviado pelo grupo ainda não foi estimado.

Segundo o Gaeco, do total desviado em Ribeirão, ao menos R$ 1,5 milhão foi pago na forma de propina e partiu de um contrato de R$ 68,4 milhões, firmado há dois anos entre a Construtora Engepav Ltda. – atual Aegea – e o Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp).

A investigação aponta que a propina era negociada pelo engenheiro civil Jorge Carlos Amin, que integrava o Comitê de Avaliação de Projetos da Aegea, e também era presidente das concessionárias Águas de Holambra, com sede na cidade paulista de mesmo nome, e Águas do Mirante, que atua em Piracicaba (SP), além de ser diretor da Águas de Matão (SP).

O Gaeco afirma na denúncia da Operação Sevandija que o dinheiro desviado no esquema em Ribeirão era repassado ao ex-diretor do Daerp Luiz Alberto Mantilla e ao ex-superintendente da autarquia de Ribeirão Preto Marco Antônio dos Santos.

Os três foram presos na primeira fase da operação, mas tiveram o pedido de liberdade provisória concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Denunciados por organização criminosa, fraude em licitação, corrupção passiva e ativa, e peculato, eles aguardam o julgamento em liberdade.

O esquema
Consta na denúncia do Gaeco que o esquema em Ribeirão Preto funcionava da seguinte forma: a Aegea recebia o pagamento do Daerp pelo serviço – que nem sempre era executado – e repassava parte do valor à Quiron Serviços de Engenharia Ltda., com sede em Campo Grande (MS), por meio de contratos supostamente fictícios.

A Quiron, por sua vez, também mantinha um contrato com a Vlomar Engenharia Eireli, de Santos (SP), e cujo proprietário é Mantilla, ex-diretor do Daerp e apontado como intermediário do pagamento de propina ao então superintendente da autarquia.

Em delação premiada, Mantilla contou que para viabilizar os pagamentos de propina a Vlomar firmou acordo para ceder à Quiron uma tecnologia chamada “implantação de cobrança de fator K”, pelo período de seis meses. O serviço, entretanto, nunca aconteceu.

O Gaeco destaca que, apesar de ser uma empresa de limpeza de fossas e tratamento de efluentes, a Vlomar emitiu notas fiscais de grandes valores para a Quiron, “condizentes às medições da Aegea para o Daerp”, o que confirma os indícios da triangulação ilícita para o desvio das verbas públicas.

“Consta que a Vlomar sempre foi empresa de porte médio, que emitia notas fiscais que não ultrapassavam R$ 25 mil reais, mas a partir de dezembro de 2015 até abril de 2016, emitiu cinco notas fiscais para a empresa Quiron, que somadas atingem o valor total de R$ 862.500,00”, diz trecho da denúncia.

Mantilla também afirmou em depoimento que os valores depositados pela Quiron na conta da Vlomar eram transferidos para a conta pessoal dele ou sacados, e então entregues em dinheiro ao então superintendente do Daerp Marco Antônio dos Santos, apontado como “homem forte” do governo de Ribeirão.

“Em maio, segundo o diretor do Daerp, Santos pediu que o contrato entre Quiron e Vlomar fosse renovado no valor de R$ 300 mil. A quantia, na verdade, sairia do pagamento feito pelo Daerp à Aegea no convênio para substituição da rede de água em Ribeirão”, afirma o Gaeco.

Abrangência nacional
A suspeita do Gaeco é que o mesmo esquema tenha sido reproduzido pela Aegea e as concessionárias do grupo em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Maranhão, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. Foi em uma dessas empresas, aliás, que Mantilla diz ter sido orientado sobre a fraude em Ribeirão.

Em depoimento, o ex-diretor do Daerp contou que esteve em Campo Grande (MS) acompanhado do então superintendente da autarquia, para visitar uma unidade da empresa Águas Guariroba, braço da Aegea naquele município. Nessa ocasião, ambos estiveram com Amin, engenheiro da empresa de saneamento.

“(…) viajou com Marco Antônio para Campo Grande (MS), onde visitaram o Centro de Controle Operacional da Empresa Águas de Guariroba, a convite e na companhia de um executivo da Aegea, Jorge Carlos Amin, o qual, na ocasião, ratificou a necessidade da realização de pagamentos de propina decorrente do contrato com Daerp, lhe assegurando da segurança do negócio e, sobretudo, “que beneficiaria muitas pessoas”, consta na delação.

Segundo o Gaeco, Mantilla também afirmou em depoimento que, ainda nessa visita, demonstrou preocupação em participar do esquema, mas recebeu garantias de Amin de que não haveria problemas, alegando que “a Quiron faz isso normalmente para a gente.”

Expansão nacional
A partir da análise da quebra de sigilos bancários e de documentos apreendidos em Ribeirão, o Gaeco constatou que entre 70% e 90% do faturamento da Quiron têm origem em contratos de prestação de serviço ao grupo Aegea. Segundo a Promotoria, a primeira empresa é, na verdade, uma espécie de “interposto” de pagamento de propina para a segunda.

Consta ainda na denúncia do Gaeco na Operação Sevandija que a Quiron tem entre os principais clientes, além da própria Aegea Saneamento, as concessionárias ligadas a ela e mais a Aegea Engenharia, que presta serviço em Ribeirão Preto.

A Promotoria e a PF também apuram a expansão da Aegea no país por meio de Parcerias Público Privadas (PPP). Dados divulgados no site da própria empresa apontam receita líquida de R$ 242 milhões no segundo trimestre de 2016, crescimento de 40,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Um dos exemplos dessa ampliação de mercado é a Prolagos, concessionária que atende as cidades de Cabo Frio, Búzios, Iguaba Grande, Arraial do Cabo e São Pedro da Aldeia, todas no Rio de Janeiro. O concessão do serviço foi assinado em 1998 e, com prorrogação do contrato, deve perdurar até 2041.

“Ademais, é repercutido que a Aegea/Engepav é investigada por fraudes em licitações, estas com o intuito de privatizar diversas empresas municipais de saneamento básico, como na região de Andradina/SP, no Estado de Rondônia e, mais recentemente, em Marília/SP, como se pode verificar em reportagens na internet (…)”, diz trecho do inquérito da PF.

Investigação
Com base nas informações coletadas, que, para o Gaeco, “reforça de maneira concreta” as suspeitas de fraude, a Promotoria prepara um relatório à PF e outro ao Ministério Público de São Paulo, pedindo investigações mais aprofundadas do trabalho realizado pela holding Aegea no país.

Nesse documento, chamado “compartilhamento de provas”, a Promotoria reúne cópia da denúncia oferecida após a investigação na Operação Sevandija, análise de documentos apreendidos, conteúdo de e-mails e de quebras de sigilos bancários, além do conteúdo da delação premiada de Mantilla.

O que o Gaeco quer saber é, acima de tudo, a origem da verba aplicada nos oito estados onde a Aegea atua e de que forma ocorreram as licitações para concessão dos serviços de água e esgoto a esse grupo. Isso porque, de acordo com a Promotoria, há indícios de direcionamento e fraude nos contratos.

Defesa
Em nota, a Aegea Saneamento informou que acompanha a investigação, mas desconhece o teor das alegações porque não teve acesso aos documentos das apurações em curso por não ser parte do processo.

O comunicado destaca ainda que o engenheiro Jorge Carlos Amin foi afastado das funções, sendo substituído em 12 de setembro por Fernando Humphreys, que assumiu o comando da diretoria regional São Paulo, cuja atribuição é comandar as operações das concessionárias em Piracicaba, Matão e Holambra.

“A empresa reitera que se mantém à disposição das autoridades para os esclarecimentos que se fizerem necessários, tanto em Ribeirão Preto como em todas as outras cidades em que está presente”, conclui a nota.

Procurado pelo G1, o advogado Roberto Telhada, que defende Amin, não foi encontrado nesta segunda-feira (24), e também não retornou às ligações, para comentar o caso.

O mesmo ocorreu em relação aos diretores da Quiron Serviços de Engenharia, Paulo César Barbosa Pereira, Ricardo Verde Selva e Jackson Schorn, que também foram procurados pelo G1, mas não foram encontrados na sede da empresa e não retornaram as ligações.

O advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, que representa o ex-diretor do Daerp Luiz Alberto Mantilla Rodrigues Netto, afirmou que a versão a respeito dos fatos descritos será dada no decorrer do processo que teve origem na Operação Sevandija.

O escritório do advogado Flaviano Adolfo de Oliveira Santos, que defende o ex-chefe da Coderp Marco Antônio dos Santos, informou que não comentará o caso, uma vez que o processo está sob sigilo.

Fonte: O Observador

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